Monday, May 30, 2005

Fardo do Tempo

Neste presente, que só acumula fardos,
Por eu muito cogitar sobre passados,
Meus dias agora viraram tormento.
Minha vida ruma em triste desconcerto:
Nenhum futuro há que bem me apaixone,
Pois de longe nada me vem que abone.

Friday, May 27, 2005

O Retorno...

... do Jedi? Não, somente o meu. Até que não demorei. Bastou um anti-vírus aqui, mais quatro ou cinco caçadores de spywares ali... Felizmente não tive de apelar para a última arma de Krypton.

Mais tarde vou passar a limpo aquele rascunho sobre "Pulp Fiction" (alguém se lembra?). Eu direi quando terminar. Bom dia.

Update para lá das 2h de sábado:

Heihoho, como esquisitamente riam as valquírias e Siegfried: agora dei uma recauchutada no texto sobre "Pulp Fiction". Só dei uma aparadinha ali, outra acolá.

Wednesday, May 25, 2005

Terei de sair para exílio

Queridos amigos,

Este vosso humilde servo será forçado a partir para um triste exílio, tudo culpa de pragas e mais pragas que assolam seu pequeno mundo quadrado. Tais seres desprezíveis ainda não chegaram a ameaçar-me seriamente, porém a prudência é uma virtude, e terei de usar a mais radical e terrível arma de destruição em massa que conheço para casos assim: formatação.

Não sei quando por aqui voltarei, espero que seja rápido. Em todo caso, não encontrando o dono em casa, a chave está debaixo do tapete. A casa é de vocês, vasculhem arquivos, links, essa coisa toda, mas por favor não deixem nada desarrumado. É feio bagunçar o lar do anfitrião.

Um grande abraço a todos vocês e até breve.

Saturday, May 21, 2005

Comentários irritantes sobre música clássica

Comentários irritantes sobre música clássica!

Podem ser irritantes na hora, mas depois são engraçados. Vou por aqui uma das mensagens daquele tópico do fórum, do site Allegro:

51 Astor
07/10/2004 - 18h16
Já relatei aqui no passado, uma experiência que tive na Saraiva que me fa pensar 2 vezes antes de comprar CD lá. Entrei na área reservada para música clássica, portanto especializada, e perguntei a uma garota qual gravação da Variações Goldberg de B ach havia na loja. Ela me respondeu: Faz tempo que não tem Cd deste cantor por aqui.
È de lascar ou não é? Fiquei em dúvida se ela considerou cantor Bach ou Goldberg.
Outra coisa que incomoda é esta história de abaixar o som. Vira emexe quando estou ouvindo música no carro com outra pessoa ao lado, a hora que a música entra num crescendo, explode a orquestra e você arrepia, a pessoa do lado abixa e diz: nossa como esse som tá alto.
Outra tragédia: Fui certa vez comprar a partitura de Pour Elise, numa loja especializada em partitura aqui em Campinas, e a pessoa que me atendeu perguntou se era música para violão e qual compositor. Pensei mas não falei: é do Roberto e Erasmo.


Tá, vou por mais uma:

38 Daolio
07/10/2004 - 16h48
É isso Pessoal.


Tem gente que se incomoda com múscia clássica, não entende, pode até se achar excluído.

Eu, que falo e escrevo pacas (mal, mas muito!), geralmente tenho a paciência de ficar minutos e minutos explicando meu gosto por música clássica. O curioso é que o fato de tocar violino causa em geral certa facilidade de abordagem. Existe um certo magnetismo ou mito na "Caixinha de Miado".

No entanto meu lado irônico tende sempre a falar mais alto.

Certa vez eu estudava o terceiro movimento do Concerto de Beethoven para violino numa sala na casa do Lago (Unicamp) quando um senhor que passava alí por perto parou , entrou e perguntou:
- Porque o senhor não toca aquela musiquinha.....fiuuuu, fiuuu, fiuuuuuu....fiu, fiu, fiuuuuu!!
E assobiava algo que parecia o tema da primavera das quatro estações de Vivaldi.
Então entendendo o pedido toquei o tema.
Ele insistiu:
- Não , não, aquela...e repetiu o assobio...

Tentei de novo, expliquei, e ele continuava a insistir assobiando Vivaldi e negando quando eu tocava.

Até que ele perdeu a paciência e disse:
o Senhor precisa estudar mais e um dia vai conhecer e tocar a música de que estou falando. Até lá continua tocando éssa música clássica chata, e foi embora.

Eu perplexo até pensei em lascar o violino na nuca dele, mas como sou um pacifista preferi deixa-lo ir e comecei a tocar facinação....lá de fora pelo vidro observei-o indo embora, olhando para mim e fazendo um sinal de positivo.

Não sei porque quardei o violino e fui para casa.

Daólio


Agora juro que é a última:

62 Jackie Vilela
08/10/2004 - 07h47
Daolio,

voce toca o Concerto de Violino de Beethoven??? Que legal! e um dos meus favoritos!

Uma vez eu estava tocando na escola uma musica que era so pizzicato (?) e uma freira (eu estudava em um colegio de freiras - Sacramento-)passou por mim e disse: "nossa, que cavaquinho grande!"


Comigo nunca aconteceu nada muito esdrúxulo. Minha mãe sempre reclama do diacho do volume, mesmo se eu estiver escutando a Missa Papae Marcelli no menor volume capaz de ser captado pela audição humana. Às vezes, alguém diz que adoro ópera porque me pegou ouvindo alguma sinfonia ou um solinho para violino... Lembrei também de um comentário de uma das minhas tias, apoiado pela minha mãe, quando certa vez eu ouvia um trecho da Paixão Segundo São Mateus. Ela me disse que não sabia o que estava havendo comigo, já que ouvia música para defunto. Em seguida coloquei para tocar outro trecho, So ist mein Jesus nun gefangen, que serviu apenas para elas dizerem que eu era uma pessoa muito esquisita. E minha mãe vez ou outra ainda diz, quando ouço alguma música desse tipo: "desse jeito você não vai arrumar namorada". Posso com uma coisa dessas?

Friday, May 20, 2005

Como prometido, direi algo a respeito de "Star Wars III"

Antes de mais nada, bom dia, caro leitor. Como prometido, direi algo a respeito de "Star Wars III". Mas antes de mais nada, é bom deixar claro uma coisa: este filme é de ação, ponto. Vamos por um momento deixar o cérebro de molho e aproveitar o clima do filme. Isso porque senão começaremos, eu e você, a catar aqui e ali um monte de coisas esquisitas.

Antes de prosseguir, quero só dizer que graças aos céus o número de histéricos pareceu pequeno no cinema. Não sei se o filme não lhes motivou, ou se acaso eles todos já assistiram sessões mais cedo, o fato é que descontroles não houve. O máximo que ocorreu - algo inevitável - foi aparecer alguém fantasiado de Darth Vader, sendo até filmado ou fotografado por inúmeras pessoas da fila. E, coisa curiosa ao menos para mim, jeca completo: fotografado através de celulares. Ah, houve um princípio de luta de sabres de plástico, mas também Deus foi sábio e não tardou em trazer de volta ao mundo aquela gente.

Feita essa ressalva, então digo: é um bom filme. Bom naquele sentido que antes avisei, ao fazer a analogia com o ladrão que acha que nos deu a vida só porque não nos matou: "Star Wars III" é bom porque poderia ter sido pior ainda. Parece que estou ironizando, mas não. Realmente dá para se divertir assistindo-o. Mas também é verdade que podemos nos divertir tomando sorvete napolitano, jogando papel higiênico na casa do vizinho ou qualquer coisa do gênero.

Vale a pena sair de casa para vê-lo? Depende. Por exemplo, eu esqueci que no horário que fui possivelmente passava na Warner um capítulo inédito de "Gilmore Girls". Entre os dois, sem pensar escolheria este. Mas se você, caro leitor, está de pernas para o ar e com um dinheiro sobrando, não custa nada dar uma olhadinha.

Filmes como esse valem muito mais a pena no cinema que no vídeo. A probabilidade de não nos impressionarmos com o som e os efeitos é maior no último caso. E por falar em som, apenas hoje percebi uma coisa: quão raro, quão difícil haver cenas sem trilhas sonoras em "Star Wars"! É o tempo todo música, tanto que, nos momentos em que ela não toca, tenho sempre a ligeira impressão de que houve algum peculiar problema no áudio.

Os duelos? Hm... Não achei nenhum lá grandes coisas. E particularmente acho ridículo o Yoda lutar, aquela criaturinha verde baixinha. Não tem como não rir. Mas como se não bastasse tal disparate, até o futuro imperador luta, e como! Além de soltar raios das mãos, o homem é um acrobata. Não gosto dessa mania de todo mundo ser um fodão em artes marciais ou em esgrima, porque alguns personagens devem permanecer quietos. Ou no máximo soltando um raio ou, ainda, usando a força, tudo de maneira espetacular. Algo como se tivessem já atingido um outro patamar, tendo desenvolvido melhor certas habilidades, que para o resto ainda estão vedadas.

Se você for ao cinema visando encontrar uma ótima exploração da questão do mal - afinal de contas, que outra coisa não é a progressiva ida de Anakin para o lado negro da Força? - esqueça. Ou melhor, engula. Engula que o Anakin, aquele poderoso sujeito, se comportou várias vezes como um mané, ficando aquém do que esperamos. Nem vou dizer nada a respeito dos mestres jedis: causou-me estranheza o fato de terem sido ludibriados tão gostosamente. Mas darei um exemplo disso que estou tentando dizer: na cena onde o Palpatine tenta jogar Anakin contra sua confraria, alegando que esta apenas queria o poder a todo o custo e yadda-yadda-yadda, tudo poderia ter sido resolvido se o jovem jedi lhe tivesse respondido imediatamente: "Você também. E aí?" Fosse qual fosse a conversa de Palpatine, ele não teria como se esquivar satisfatoriamente. É mais ou menos quando, após uma série de embromações, o sujeito vira para gente e diz que a verdade não existe. Resposta: "é verdade?" Não há para onde correr. Mas parece que Zeus turvou a mente do futuro Darth Vader naquele instante.

Leitor, até que eu teria mais a dizer, porém vontade me falta. Devo dizer apenas que fui com várias pessoas, mas ninguém comentou muito sobre o filme na saída, talvez por questões de digestão. No entanto, quando alguém resolveu confidenciar sua opinião comigo, disparou logo que aquilo era uma "obra-prima". Evidentemente isto depõe contra quem proferiu tamanho descalabro. Enfim, se você estiver à toa, veja o filme, porque uma porcaria completa ele não é. Se você já acompanha a saga, então deve assisti-lo, afinal de contas é o fechamanto desta trilogia. E o nome da Princesa Padmé, quando pronunciado, parece "pé-de-mé", coisa de bebum, mas este comentário é ridículo e merece ser ignorado, até.

Thursday, May 19, 2005

Vou ver Star Wars hoje

Vou ver hoje "Star Wars". Quero deixar bem claro que assistirei armado com uma série de preconceitos e achismos, com pitadas de má-vontade. Quer dizer, nem tanta má-vontade, porque eu quis ir de bom grado. Fiquei curioso em saber como vão fechar essa trilogia.

Agora, que o leitor comece a perceber de onde brotaram meus achismos e preconceitos. Voltando, no domingo passado, do Aterro do Flamengo, peguei o finalzinho do último filme antes desse, o "Clone Wars", naquela parte onde um exército de soldados da República desce o sarrafo nas tropas de dróides. E vi sem agüentar chegar até o final tão próximo. Parei na luta do Yoda contra o Conde sei-lá-o-quê. Aquilo me pareceu especialmente escroto no dia.

Lembrei de quando fui à pré-estréia daquele filme. Foi meia-noite, no meio da semana, num cinema em Botafogo. Naquela parte, a luta do Yoda, o público foi abaixo. Ficou berrando e aplaudindo. Estavam todos loucos. Como disse certa vez o escritor de "Os Anos de Aprendizado de Wilhem Meister", os enamorados se agradam com pouco. Então qualquer coisinha era motivo de estardalhaço. Eu me senti como que cercado por uma turba de mulheres histéricas, definição exata de fãs.

Pois este é o mal de ir à pré-estréias deste tipo de filme. O número de histéricos é infinito. Mas o mesmo aconteceu com "O Senhor dos Anéis", não lembro qual. Nem se foi mesmo na pré-estréia, mas deve ter sido no máximo no segundo dia de apresentação. Qualquer coisa o público berrava. Aliás, público deste tipo de filme é tão esquisito que chega a mijar nas calças de tanto rir mesmo em cenas tristes, como naquela do Golum discutindo consigo mesmo. É para esse pessoal que se tonra necessária uma trilha sonora danada de alta e ultra-sentimental, senão há o risco de não captarem o sentido da cena. Se o ogro ficar bravo em cena de amor, a música relaxa, e assim em diante.

Estrelas por estrelas, confesso que prefiro "Jornada nas Estrelas", ainda que haja toda aquela enrolação de "não devemos interferir na cultura alheia" ou explicações supostamente científicas que até eu, que não entendo patavinas, acho forçadas. Mas um vulcano dizendo um monte de sandices ainda é um vulcano. E isso sem contar que há vulcanas gostosas, como essa (ê trocailhos) que aparece na nova série. Ela até tem um caso - em episódios mais avançados da série - com o oficial de engenharia Tucker, que aliás parece ser bem solicitado pelas alienígenas, a julgar por algumas que já derem em cima dele. Ah sim, esta nova série é legal também porque mostra a primeira Enterprise, que nem teleportador ou tradutor universal tinha, meu deus.

Mas voltando ao "Star Wars", ao menos é aquele filme que dá para o gasto. É como coçar a cabeça, mas uma coçada bem feita - seja lá o que isso queira dizer. Não precisamos catar filosofia a torto e a direito para termos prazer. É claro que um filme se torna ruim à medida que te trata com um perfeito débil mental, mesmo que de fato algumas pessoas sejam retardadas. Desde que o espectador não seja tratado como idiota, e a julgar o número de filmes especialmente mongóis, talvez até saiamos no lucro, no sentido do ladrão que acha que "deu a vida" a uma pessoa porque simplesmente não a matou. Enfim, vou assisti-lo, armado até os dentes com mil preconceitos, e assim que eu voltar para casa comento a respeito - prometo. E me deixem dormir, porque estou já babando, perdão. Bom dia.

Atená Pensativa



Informações:

Titulo: Atenea pensativa, 460 a.C.
Autor: Autor Anónimo
Museo: Museo de la Acrópolis de Atenas
Caracteristicas: Mármol 54 cm. altura
Estilo: Grecia


Atenea pensativa

Este es uno de los mejores y más sugerentes relieves áticos de esta época. Atenea viste peplo, se toca con casco corintio y reflexiona abstraída ante una estela. En este relieve hemos de ver el estilo típico de finales de la primera mitad del siglo V y un estadio artístico próximo al de la Atenea Prómachos de Fidias, un original de bronce del que sólo conocemos imitaciones.

Monday, May 16, 2005

DON FEDER’S COLD STEEL CAUCUS REPORT



Dá gosto de ver um sujeito desses, não é mesmo? Pois é Don Feder, pessoal.



Don Feder de novo, mais calmo e comportado.

Saturday, May 14, 2005

Nenhuma mulher está a valer a pena

Nenhuma mulher está a valer a pena.
As que na rua vejo, parecem que mais
Senão assustadores templos vazios,
Casca sem espírito, olhos vazados?

Nenhuma mulher está a valer a pena.
Escuto que procuram, candeia na mão,
Pelo homem de verdade: e não são elas
Arremedo, porque de fato morreram?

Nenhuma mulher está a valer a pena.
Todas são estáticas, pálidas, frias,
Como estátuas antigas, que perderam,
Inférteis, a sua função primordial.

Nenhuma mulher está a valer a pena.
Então me cerco por mulheres fantasmas,
Que sussurram apenas mesquinharias.
Voz sensual, que visa apenas a morte.

Existem sim muitas belas aos meus olhos,
Muitas provocam em mim prazer e desejo,
Mas efêmeros; mundo desalojado,
Porque ao invés de mulheres, só há sombras.

Não há luz transbordando; apenas choros,
Tristeza do suicídio feminino.

Interessante texto sobre Matrix

Passeando para lá e para cá, trombei com um texto de 2003 de Martim Vasques sobre Matrix. Recomendo paciência e discernimento ao lê-lo, pois não é uma crítica de filme que estamos acostumados a ler no jornal. Aliás, será que realmente há alguém que considere aqueles rascunhos telegráficos uma crítica?

Num comentário por aí, eu disse que não sabia muito o que dizer sobre aquele filme. Ele sempre me pareceu esquisito - "ele", no caso, o primeiro e o segundo da trilogia (não vi o terceiro porque fiquei me sentindo inexplicavelmente indignado com o segundo, coisas de intuição). Bom, continuo sem saber, mas aquele texto do Martim é muito interessante. Trechinho para o leitor curioso:

O processo de iniciação de Neo - o hacker que é encontrado por Morpheus - é uma inversão da iniciação espiritual que gurus como Guénon, Coomarswamy e Burckhardt dissecaram com precisão em suas obras. A iniciação de Neo não é um processo de libertação dos véus da ilusão que cobrem a realidade; é um encolhimento ao espírito imanente, no melhor estilo Hegel. Sua revelação também não é budista - que, apesar dos pesares, havia um grande componente do Espírito ali, mesmo que ele estivesse aprisionado em ciclos cosmológicos -, mas sim cartesianista, a pura razão do cogito separando em espaços distintos o que deveria ser o real e o que é virtual. Não há tensão entre os dois polos; há apenas imersão em uma das realidades.

Thursday, May 12, 2005

Do conhecimento

Nossa inteligência pode ser comparada ao espelho e à água. Isto porque ela ao mesmo tempo reflete e assume a forma dos objetos a quem, por amor, sai ao encontro. Por isso não é errado quando algumas pessoas dizem, ao se referirem a algum maior esforço de contemplação, que “saíram de si mesmas” ou, como o poeta, “transforma-se o amador na coisa amada pela virtude do bem querer”. E isso por um acaso não nos lembra os testemunhos de êxtases de toda uma multidão de santos? No entanto, uma inteligência despreparada ou corrompida equivaleria a um espelho partido, refletindo de maneira caótica e fragmentada o mundo que nos cerca. Ou então a uma espécie de máquina de triturar, quebrando os objetos que deveria amar por si mesmos a fim de melhor caberem em sua mesquinha percepção. Tal estado de espírito é perigosíssimo, pois aqueles que se encontram assim tendem a atribuir ao mundo uma desordem que é fruto senão apenas de seu interior em frangalhos. Todavia, mesmo um espírito alquebrado busca refletir o mundo de alguma forma, pois mesmo atravessando um estado de confusão ele não pode deixar de se apaixonar de alguma maneira. É um dom compartilhado por todas as pessoas.

Nossa inteligência está em constante paixão neste mundo. Tudo que a cerca é motivo para cativar a sua atenção, e nada seria mais correto que alguém afirmar que o amor, por seu respeito desinteressado e sua veneração pela coisa amada, e pela sua busca ao que lhe é ao máximo possível semelhante, é um dos movimentos de nossa razão. Portanto, toda e qualquer filosofia é baseada no amor, que nada mais é que a conformação desinteressada, por assim dizer, de nosso ser às coisas que nos cercam.

Como buscamos pelo amor a imagem do mundo em todo seu esplendor, então é vital que nos fiemos a exemplos dignos. Afinal de contas, como seria possível acreditarmos na ordem e eternidade das coisas se não conhecêssemos nada disso, nem se jamais ouvíssemos seu testemunho? Por onde podemos concluir que geralmente um espírito sem a experiência da beleza da ordem e sua eterna necessidade de manter a existência de todo o cosmos – que é uma outra forma de entender a justiça – jamais poderá refletir (lembrem-se do espelho) adequadamente sobre as coisas mais elevadas: ele simplesmente as ignora, pondo-se num estado inferior ao que na verdade lhe pertence por natureza. Portanto, somente aqueles que já possuam algum tipo de “experiência pessoal” com o belo estariam plenamente capacitados a amar verdadeiramente todas as coisas nobres.

A capacidade que temos de refletir o mundo em nós mesmos indica alguma espécie de afinidade entre ele e nós. Se não estivessem de certa maneira em estado de latência as coisas em nós mesmos, como então seria possível chegar a conhecê-las e amá-las? Por exemplo, como seria possível conhecer e amar um belo prédio se sua imagem já não estivesse de certa maneira “escondida” em nossa alma? Ou como seria possível nos tornarmos músicos, caso já não tivéssemos de certa maneira algum contato latente com a música? Se a história já não estivesse em nós como uma das nossas possibilidades de existência, de que forma então haveria historiadores? Se não existisse em nós mesmos uma espécie de perfeição, como então avaliaríamos as coisas mediante sua maior ou menor perfeição própria? Platão chamava isso de “reminiscências” em seu diálogo “Mênon”: todo o conhecimento nada mais seria que um constante “recordar”, pois uma vez nossas almas já contemplaram toda uma constelação de seres magníficos, nobres, mas em nossa existência neste mundo apenas muito parcamente deles recordamos.

Esta paixão do nosso espírito, espécie de carência primordial, só existe na medida em que ele mesmo tenha um pouco de tudo em si mesmo e parta rumo a redescoberta, através do próprio mundo, de si mesmo. Noutras palavras, o conhecimento só é possível porque conhecemos sim as coisas, porém em estado de potência. E se elas existem desde sempre em nós neste estado, então nossa existência é plenamente condicionada pelo fato de haver objetos que são eternos. Daí que a busca pelo saber seja uma espécie de transcendência, porque eleva pelo intelecto nosso ser a alturas magníficas que nada mais são as que, por algum admirável e maravilhoso motivo, de certa forma já nos encontramos, bastando que conscientemente nos elevemos. É a fuga da caverna de Platão. Isto é algo que nos atrai de forma tão completa que a descoberta de coisas belas e boas nos proporciona prazer, e nada mais prazeroso que estar à altura de nosso amor, sendo então todos nós destinados à beleza e à bondade, de acordo com nossos esforços. Talvez nem seja a palavra “destinados” a mais correta, porém “obrigados”. Na verdade, a nobreza impõe-se como uma responsabilidade, um “fardo” – entre aspas, porque embora não pareça fácil sermos magnânimos, por outro lado é algo que por sua própria natureza só nos proporciona as maiores felicidades, tanto para cada um de nós quanto para toda a sociedade.

Então a busca do conhecimento é uma espécie de redescoberta. Não de qualquer coisa, mas sim daqueles objetos que já nos “pertencem” por excelência, sendo daí todo o estudo algum tipo de descoberta fundamental de nós mesmos. Isso quer dizer que se não dirigirmos nossos esforços e trabalhos rumo a isto, o conhecimento daquilo que em certo sentido por natureza já nos pertence, estaremos fatalmente nos colocando abaixo de nosso próprio ser, o que é uma vergonha imensa. Numa palavra: estamos sendo inferiores, vulgares, um bando de escravos. E isto equivale à ignorância, porque nenhuma pessoa, devidamente sábia, entre duas opções escolheria a pior em absoluto, como Sócrates bem advertiu no diálogo “Protágoras”. Portanto, a vida mais digna é aquela voltada para as coisas mais nobres que existem neste mundo, porque temos em nós mesmos a nobreza, ainda que em muitos instantes, por ignorância, falhamos. E isso nada mais é que, em outras palavras, o conselho fundamental de Aristóteles no décimo livro, capítulo sétimo, de sua “Ética a Nicômaco”, verdadeira lição de vida e recado para toda a eternidade:

Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem, a vida conforme a razão é divina em comparação com a vida humana. Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida em que isso for possível, procuremos nos tornar imortais e envidar todos os nossos esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor.

***

A consciência de nosso lamentável aspecto com relação àquilo que por natureza devemos ser é o ponto de partida cujo fim é a sabedoria. Isto equivale a dizer que a constatação de uma ignorância nos leva apaixonadamente para um estado completamente contrário. Mas isto só se dá para aqueles que têm a experiência do belo, amando-o e percebendo a necessidade de sermos também belos e bons. Ora, necessidade é uma violência: portanto, isto é algo que nos foi imposto, sem termos como renegar nossa missão. Mas é uma violência que não pode ser entendida em sentido lato. Porque na verdade não é que fomos constrangidos a ser homens, mas simplesmente somos homens e não outra coisa. Portanto, é uma violência na medida que se torna uma questão de reto encaminhamento para um fim certo e determinado. Os meios podem ser os mais obscuros possíveis, porém a meta é clara, mais ou menos como se quiséssemos chegar a um determinado lugar, mas para isso tivéssemos de atravessar densa e escura floresta. Enfim, pode ser uma submissão, mas é uma submissão ao que tem de ser ou ao que é necessariamente excelente.

O obscurantismo de José Castello

Nota: de fato, gosto de notas. Mas este é um aviso como daquele do texto sobre "Pulp Fiction": irei editar este texto no ano 520235, yadda, yadda, yadda... E outra coisa: eu deveria tê-lo publicado antes, mas esqueci completamente... Portanto, se encontrarem alguma coisa muito esquisita, eu ficaria feliz se ma contassem, certo três ou quatro leitores? ;)

Eu gostaria de pedir a palavra (como se eu devesse pedir para vocês...) para comentar a respeito do tal obscurantismo espalhado por este vale de lágrimas desde que George W. Bush chegou à presidência dos EUA. Pelo menos foi isso que li num artigo (“Para que Servem os Intelectuais?”) do dia 9/3/2005 em “No Mínimo”. Este artigo é uma resenha de José Castello do livro “Representações do intelectual”, de Edward W. Said, edição de várias conferências feitas em 1993 pelo autor. Aliás, José Castello considera que “suas conferências revelam um surpreendente caráter premonitório”, já que “de alguma forma secreta, elas previam o crescimento desenfreado do fanatismo religioso e a expansão do obscurantismo pelo planeta, eventos expressos em episódios trágicos como o 11 de setembro e as invasões do Afeganistão e do Iraque”.

O suposto caráter premonitório de Said não deixa de ser confessadamente obscuro pelo próprio José Castello, pois secreto e premonitório, mais ou menos como se estivesse escutando o próprio Oráculo de Delfos. O pior de tudo é que no mesmo artigo Said diz que não é intelectualmente certo que intelectuais se apeguem à religião, com toda aquela história de livros sagrados cheios de verdades absolutas. Claro, os exemplos de intelectuais que seguiram o correto caminho são por exemplo Sartre, Russell e parentelha, que segundo Castello deles parece que todos nós estamos na sombra. Se isto fosse uma crítica no sentido de dizer que poderíamos estar à sombra de gente melhor, até que eu entenderia. Mas não: é como se aqueles pertencessem à última grande geração de intelectuais. Bom, parece que gente como Leibniz, por exemplo, deve ser um coitado e obscuro, já que acreditava nessa história de verdades eternas, ainda que muita gente mais séria o considere um expoente enorme do racionalismo. Ou Sto. Tomás de Aquino, que a julgar as palavras de Said está bem longe de ser um intelectual do porte de Sarte, coisa que também concordo, embora por outros motivos. E nem falemos nada sobre Platão, aquele simplório que, no auge de seu obscurantismo, ousou defender a existência das Idéias, seres eternos, universais, incorruptíveis e incriados – numa palavra: absolutos. Enfim, apenas este infeliz trecho daria muito pano para manga, mas não foi sobre isto que eu pedi a palavra, e sim a respeito do obscurantismo que está se espalhando por este planeta desde 2002.

Tem gente que acha odioso quando um sujeito tenta refutar uma idéia a partir de sua (falta de) experiência pessoal. Eu penso um pouco assim também, mas enfim, como adoro me contradizer, vai lá: continuo indo à biblioteca, acesso livros pela Internet, vou ao Municipal ouvir música boa, etc, etc, etc, sem ter notado um mínimo avanço do obscurantismo, quer dizer, pelo menos ligado a ascensão de Bush. Se querem um exemplo concreto do retrocesso da cultura, não procuremos lá fora, mas aqui, desde que o latim foi expelido do currículo das escolas por ser considerado inútil . E noto também que as mesmas pessoas que escreviam antes da “era Bush” – como se ele fosse responsável por uma era – continuam escrevendo suas mesmíssimas coisas, apenas alterando o nome do “vilão” da vez. Todo mundo civilizado continua – e cada vez mais – a usar a Internet, jornais continuam saindo normalmente, os mesmos asnos que criticavam a sociedade ocidental, sendo ocidentais, continuam a criticá-la como sempre soe acontecer... Cadê este “obscurantismo”? Onde está o tal fanatismo religioso, também apontado naquele artigo como sinal de nossos tempos? Onde está a proliferação de Estados teocráticos, que poderiam indicar um avanço do fanatismo? Quantos governos europeus são formados por religiosos ortodoxos? E nos EUA? E no Brasil? Quantas pessoas são perseguidas por gente religiosa por seus credos heterodoxos? Nada disso podemos perceber, e o único avanço do obscurantismo que sinto é de gente como José Castello, porque sua obscurantíssima imaginação teima em criar imagens não condizentes com a realidade.

Por falar em fanatismo, não acho nada religioso o que o Bush faz, tampouco as loucuras de Bin Laden, o que não quer dizer que os dois estejam fundamentalmente no mesmo nível. Pelo contrário, embora os EUA, o Afeganistão e o Iraque não tenham sido atacados por um motivo “obscuro/religioso”, de longe considero pelo menos o ataque ao Iraque como legítimo. Contra o Afeganistão não sei, porque nas vezes que parei para pensar sobre o assunto me dava vontade de tomar sorvete. Quanto ao ataque sofrido pelos EUA, este não merece comentários. Não há absolutamente nada de religioso nas revoltas daqueles bárbaros da Palestina (afinal de contas, só gente bárbara que amarra no corpo um explosivo para se matar, levando consigo várias mulheres e crianças), nem dos bárbaros degoladores iraquianos, nem entre os perversos chineses, nem nas guerras contra quem comete tudo isso (embora seja algo correto atacar essa gente), nem em qualquer maluco do mundo. Ao contrário, o que mais vemos é uma choradeira infernal justamente contra a religião, como fator de embrutecimento do indivíduo, motivo este para se reforçar ainda mais a separação entre Igreja e Estado, embora José Castello ache que o século passado foi “dominado pela expansão das grandes religiões monoteístas, que se baseiam em livros sagrados revelados e, portanto, em verdades absolutas”. O sujeito parece desconhecer a expansão do fascismo, que até hoje existe, e das sociedades liberais puramente técnicas e laicas, que talvez sejam as duas cabeças de um monstro maior: eis o expansionismo de uma “religião” moderna. Quanto à expansão do fascismo, basta sabermos que de toda a população do planeta, quase 1/5 vive sob o domínio do Estado fascista chinês há mais de 50 anos. Aliás, uma parte maior do planeta chegou a viver sob o governo de regimes fascistas no século passado, demonstrando assim que é tolice acreditar que o século XX foi dominado “pela expansão das grandes religiões monoteístas”. Se isto fosse verdade, jamais haveria lugar para o nazismo e comunismo neste mundo, nem para aquela coisa estranha que é a sociedade liberal técnica e sua “religião laica”. E sobre as sociedades liberais puramente técnicas e laicas, que o leitor se recorde que apenas o fato de o presidente atual dos EUA ter se mostrado simpático a certas causas que também são apoiadas por religiosos cristãos, isto é, contra o aborto e contra o casamento gay, por exemplo, fizeram com que surgisse uma avalanche de indignação e estupor até mesmo no nosso país. O engraçado de tudo isso é que ninguém diz nada com relação ao Irã, onde no código penal há até minúcias sobre que pedras usar contra mulheres que pularam a cerca no casamento (“que [as pedras] não sejam grandes demais a fim de não matarem rapidamente a culpada, nem tão pequenas que não causem dano”, cito de memória), nem com a China e Cuba, lugares onde os cidadãos se tornaram reféns do próprio Estado (na realidade um ultra mastodonte). Aliás, porque é prova de maldade e obscurantismo apenas a hipótese dos EUA mandarem chumbo no Irã, tal como fez no pacífico e pobrezinho Iraque, onde morreram nas mãos de um coitadinho Saddam mais de trezentos mil cidadãos, enquanto a recusa de atacar regimes tais como aquele é uma atitude sensata e equilibrada? Mas enfim, não seria um fanatismo religioso este que cada vez mais afirma os valores da pura técnica, fazendo questão de opor-se de maneira hostil a toda manifestação religiosa monoteísta? Onde ninguém ousa imaginar uma escola pública com ensino religioso? Onde todos os fiéis de uma dada religião são vistos de antemão como bando de hipócritas a serviço de algo irracional? Que prega, segundo Said naquele artigo, que todo o intelectual “deve conservar uma posição laica”?

Bom, era este curto comentário que eu queria fazer a respeito daquele artigo. Nem quero comentar sobre o restante do artigo, pois senão meu blog deveria mudar de “Asinum Asinus Fricat” para “Críticas e Mais Críticas a Certos Trechos do Artigo de José Castello do Dia 9/3/2005”. Convenhamos que o título seria horrível. Ah sim: e se Said realmente defendeu todas aquelas coisas escritas naquele artigo, longe de ser alguém de antevisão, ele é um sujeito muito, muito bobo. E José Castello, escrevendo o que escreveu, acabou sendo outro.

Monday, May 09, 2005

Meierloslayet

Meierloslayet Mirleiekovithc Zaparouksini foi um bebezinho tão bonitinho que infelizmente sofreu para sempre as conseqüências dos milhares de apertões que sua tenra bochechinha recebia. Além desse problema, nunca mais sua língua produziu um só movimento. Enrolou-se para o resto de sua existência após as cinco primeiras vezes que tentou pronunciar seu próprio nome.

O coitado morava no Pará e cavalgava um jacaré. Foi batizado por Juceicler e Adamolina. No dia do batismo, Juceicler, que estava bêbado, não conseguia dizer o nome que queria para o filho. Misturou tanta coisa no nome e pronunciou tão mal que o tabelião, impaciente, escreveu qualquer coisa. Saiu o que saiu.

O jacaré era amigo de Meierloslayet desde seu nascimento. Também era muito chegado aos seus pais, tão chegado que surgiam burburinhos sobre aquela relação. Teve gente que dizia que nove meses antes do bebê nascer o jacaré foi mostrar para Adamolina sua casa na beira do rio. E sempre que diziam isso, riam pelo nariz, estalavam os dedos e soltavam, inevitavelmente, um “êta porra, meu deus!” Os anciãos (não-alcoólatras) achavam tudo aquilo um absurdo. Os bebuns riam e chamavam Adamolina para beira do rio, querendo mostrar seu fumo. Juceicler ficava indignado. O jacaré também. Chegou a comer uns dois ou três bêbados.

O bebê virou homem após alguns passeios do Sol. Com 24 anos parecia uma quimera, pois lembrava um bode e um buldogue. Até babava enquanto falava. E com a idade de 27 anos morreu forçando a língua para que soltasse ao menos uma vez todo seu nome.

Quanto ao jacaré, bom, fizeram sapato dele. Foi no dia que visitou um bordel no Rio de Janeiro. Na época ele estava foragido pelo que fez com aqueles dois ou três bêbados. Enfim, o travesti – que lástima para toda a tua prosápia, ó jacaré! – o embebedou e o deu para o velho do curtume, sempre disposto a gastar seus vinténs naquele antro. Mais tarde, a polícia prendeu o travesti. O caso ganhou certa notoriedade.

Meu prédio

Amigos, vou contar para vocês um pouco sobre meu prédio. Para vocês terem uma vaga noção do que é viver aqui, relatarei o que houve neste fim de semana.

Estava eu prestes a escrever triunfalmente a respeito do sentido da vida - qualquer semelhança com Monty Python não é mera coincidência - quando, de repente, escuto um barulho de goteira vindo do banheiro. "Deve ser o chuveiro ou a pia", pensei cá comigo. Qual não foi a minha surpresa em descobrir que estava pingando água do teto? Era uma cena muito tocante, pois ele estava completamente encharcado, e na parede escorria um filete d'água, contribuindo com a inundação. Intuitivamente girei a torneira da pia, mas a água, cadê? Meu apartamento estava sem água, sábado. No telefone eu contei o problema à minha mãe, que me tranqüilizou dizendo que a porteira disse que aquilo terminaria logo.

Mas cadê que terminou? O dia inteiro passou e aquela joça ainda estava daquele jeito. Pois fui me inteirar com o outro porteiro e eis a história cativante que me contou: no dia anterior, sexta, de fato também havia faltado água em toda a coluna oito, que é a minha, porque no 208 o cano estourou. Não foi a primeira vez que nesse ano aconteceu algo desse tipo na minha coluna, mas enfim. Por precaução, os porteiros fecharam a passagem de água. Enquanto consertavam, o vizinho do 1008, pessoa muito sábia e de alma grande, saiu de casa e deixou a torneira do banheiro aberta. Qual não foi a "surpresa" quando a água retornou e o apartamento do infeliz começou a inundar? Levem em consideração que o sujeito saiu e não voltou mais, além do fato de que a água foi reaberta de madrugada, horário estupendo para ninguém perceber coisa alguma de errado. Então durante a madrugada toda aquilo transbordou, inundou o corredor do décimo andar e, de quebra, houve uma infiltração homérica para o apartamento debaixo, o 908. Adivinhem quem mora ali? Uma dica: de manhã estava chovendo, pouco mas constantemente, dentro do meu banheiro. Parecia que em minha própria casa havia um exemplo de uma certa tortura chinesa, que segundo alguns é uma interminável goteira na solitária de um infeliz. Aquele "ping" durante sabe-se lá quanto tempo, dizem, deixa as pessoas alucinadas.

Então de manhã novamente fecharam a água e secaram o andar de cima. E nada do sujeito retornar. Muito bem. Em determinada hora, a velha esquisita do 308 foi à portaria reclamar que não havia mais água para tomar banho. O detalhe é que em todos os andares há uma torneira que pode ser usada, e era assim que eu estava me virando, indo e vindo, enchendo milhares de baldinhos. Mas a velha ignorou tudo e foi exigir que reabrissem aquilo, só por uns instantes. Os sábios administradores do prédio concordaram, afinal de contas quem não ficaria com pena de uma velhinha, ainda que fosse totalmente esquisita? Então aconteceu o óbvio: a água do 1008 recomeçou a transbordar, o corredor novamente ficou alagado, e o escroto do 908 teve mais infiltração, até que as sumidades perceberem que aquela idéia não havia sido muito boa. "Não deu nem pra lavar minha cabeça", foi o que a velha doida disse momentos depois na portaria, segundo testemunhas.

O problema não parou aí. Na portaria há uma lista com vários telefones, e felizmente havia o celular do vizinho do 1008. Tentaram ligar por meia hora. Nada. Até que finalmente uma pessoa atendeu, dizendo que não sabia de quem estavam falando, que nunca morou naquele prédio e ademais nem do Rio era. Brilhante, o número estava errado. Para piorar, disseram que o vizinho não costumava passar os seus fins de semana no prédio, embora várias vezes aparecesse no sábado rapidamente por um motivo qualquer. Mas é claro que neste dia ele não iria aparecer, não é mesmo? Tem coisas que acontecem na hora mais escrotamente errada. E de fato ele não apareceu. Então o síndico chamou a Defesa Civil, inteirando-a sobre o problema. Mas para resolver alguma coisa seria necessário, segundo a Defesa Civil, arrombar a porta do apartamento. Quem se responsabilizaria? Eu perguntaria: quer dizer que pode sair arrombando a porta dos outros por um motivo desses? Bom, de qualquer maneira, ficou claro que para início de conversa não seria ela quem teria em suas mãos a batata assando. O síndico olhou de soslaio, depois virou a cabeça e fingiu que assobiava. Os porteiros instantaneamente foram acometidos por uma inexplicável burrice, pois passaram a não entender mais nada do que lhes pediam. Sobrou para um vizinho, como se não bastassem os absurdos, a responsabilidade do arrombamento. Mas não, disse a Defesa Civil, um vizinho não pode ser responsabilizado. Sendo assim, ela lavou as mãos (trocadilho exato para tal situação) e foi embora. E a coluna oito permaneceu sem água durante quase o resto do dia.

(Vamos àqueles parênteses legais que só servem para aumentar desnecessariamente o texto. Não vou aqui comentar sobre um porteiro que, mais ou menos igual a um conspirador, resolveu falar mais tarde para mim uns podres do síndico, dizendo entre outras coisas que tudo, absolutamente tudo, mudaria para melhor após a saída de pessoa tão vil. Ele também me fez jurar que jamais contaria que foi ele quem disse aquilo. Não entendi porque me confidenciou assunto tão grave, pois minha influência no prédio é mínima e, dependendo de mim, permanecerá discreta até o dia do Juízo.
Como prometi guardar sua identidade, não revelarei seu nome senão como "conspirador". Fechemos os parênteses)

Lá para umas dez da noite, já com minha mãe em casa devidamente inteirada do assunto, um porteiro tocou o interfone, dizendo que a situação estava sob controle, pois um tal de Manel (não lembro o nome do sujeito, mas deve ser esse, pois esses caras sempre têm um nome assim) deu um jeito. Para quem não sabe, Manel, que também nunca vi mais gordo, é uma espécie de faz-tudo do prédio, segundo o "conspirador". E, de forma muito semelhante ao nosso atual presidente, é afeiçoado ao que é cognominado vulgarmente como "água de passarinho": cachaça. Logo após o aviso, minha mãe resolveu ir à portaria a fim de saber direito que história era aquela.

A história, que segundo minha mãe foi relatada pelo porteiro - exceto as menções ao caráter ébrio de determinado personagem, que são de responsabilidade exclusivamente dela - foi mais ou menos a seguinte. O porteiro, já cabisbaixo, estava se lamentando quando de repente viu o Manel, tonto a não mais poder. Então começaram uma conversa sobre os problemas do prédio, quando o Manel disse, com voz de bebum:

- Acho que shei cumé que faz pra fechar a bica... Acho que o registro é perto da janelinha que dá pro corredor. Vamu lá que vô dá um jeito.

Lá foram então Manel e o porteiro rumo ao décimo andar. Chegando lá, Manel, tonto, enfiou o braço pela janelinha aberta do 1008 e tocou no registro.

- Ih, disse ele, achu que meti minha mão no registro!

- Então gira, Manel, respodeu-lhe o porteiro.

Pois então Manel girou, girou, e deu um derradeiro giro no registro, fechando-o por completo. Contudo, não dava ainda para avaliar a eficácia daquele procedimento porque não havia água escoando pelos canos da coluna oito. A solução foi pedir permissão ao síndico. Então lá foram os dois, porteiro e Manel, ao telefone. Por fim, o síndico permitiu que reabrissem. Para a alegria dos dois, de fato não escoava mais um pingo d'água pelo 1008.

- Dona Natália [nota: é a minha ilustre mãe], disse o porteiro emocionado, o Manel conseguiu fechar o registro. Foi a mão de Deus, Dona Natália, que através de mim guiou o Manel até lá em cima. Foi Deus.

- É, Dona Natália, falava então o segundo porteiro, o "conspirador", o Manel é muito bom no serviço. Nossa, ele é muito competente.

- É, Dona Natália [nota: não se espante, leitor pelas constantes repetições a "Dona Natália". Por um motivo inexplicável, a cada minuto eles se referem à minha mãe assim. Excesso de educação.], foi Deus que iluminou meu caminho e com a Sua luz me fez guiar o Manel. Não sei o que seria de nós sem o Senhor.

Enquanto eles trocavam tais conceitos, o Manel apenas abria um sorriso e balançava desenxabidamente a cabeça, de rosto inchado e vermelho, segundo os relatos de minha mãe.

- Dona Natália, disse o "conspirador", o trabalho dele foi tão bom, mas tão bom, que o síndico até falou que vai pagar uma cerveja pra ele.

(Peço licença para mais um daqueles parênteses tão legais. Devo também alertar o leitor sobre determinado procedimento do "conspirador". É que ele adora elogiar as pessoas. Excessivamente, diga-se de passagem, o que alguns chamam com razão de "puxa-saquismo". Eu mesmo um dia já fui alvo, mas isto não vem ao caso. Sou o último a dizer que o "conspirador" não é uma boa pessoa, muito pelo contrário. Mas que ele adora puxar o saco, ah, isso adora mesmo. Porém estou em digressões, voltemos ao texto.)

Minha mãe subiu e contou para mim este pequeno diálogo, sempre destacando as palavras "birita" e "bêbado" com relação ao Manel. E ela me disse também que todos eles não escondiam um certo ar de triunfo, coisa bem natural em situações deste tipo.

Por que não triunfaram com um dia de antecedência, evitando toda essa complicação, por que o triunfo se deu através de um bêbado perdido às dez horas da noite, por que a Defesa Civil com seus vários bombeiros não atinou com uma idéia que até mesmo um tonto cogitou, e por que Deus foi tão necessário para aquela solução, bem, são coisas que escapam a minha percepção. Em todo caso, talvez o problema ainda não esteja resolvido, pois imagino a reação daquela cândida criatura do 1008, aquele pivô involuntário de toda essa confusão, retornando segunda e vendo em que estado lamentável muito provavelmente se encontra seu apartamento. Isso vai dar em mais confusões. Aliás, aqui neste prédio nada se resolve, sempre há um subplot para algo novo. É que nem um pequeno cobertor para uma grande pessoa: quando uma parte do corpo estiver protegida, outra estará aos frios. Pois bem, então espero um tanto ansioso a fim de ver o que vai dar. E este é o meu prédio por um dia, e que o leitor tenha em mente que esta espécie de confusão não é nenhum pouco rara, ao contrário. E adeus.

Friday, May 06, 2005

"Pulp Fiction" , filme mágico feito para geômetras



Hoje quero comentar extensivamente a respeito de um certo filme. Sempre achei curiosa a opinião de algumas pessoas com quem conversei a respeito de “Pulp Fiction”. Dizem que o filme é legal porque realista. Ora, caro amigo, acho que você não o entendeu direito. A começar pelo próprio nome do filme, “Pulp Fiction”. Se o nome do filme faz menção a si mesmo, qual a referência que você percebe à realidade em seu nome?

Algumas pessoas podem dizer que o nome às vezes não tem relação alguma com o filme ou é por demais nebulosa. Vejam o próprio nome deste blog. Que raios de menção ele faz ao que escrevo? É verdade que há alguma, mas... Podem dizer também que um filme sempre é ficção, daí este nome, ainda que ele seja realista na medida que um bom filme do gênero deve ser. Vamos supor que isso tudo seja razoável. Então o que há de realista em seu enredo? Geralmente as pessoas fazem menção à cena dos dois assassinos (personagens de John Travolta e Samuel Jackson) no carro conversando sobre o nome de alguns sanduíches americanos na Europa. Há também algumas referências àquela cena em que o boxeador (Bruce Willis) em sua casa encontra um assassino (Travolta) lendo um jornal na privada – onde todos somos reis de um peculiar reino –, fazendo suas necessidades mais básicas. Bom, a primeira cena é propriamente realista, mas a segunda só “acidentalmente”. É natural que alguém converse sobre hambúrguer. Eu mesmo já me envolvi numa conversa sobre o nome que determinado salgado recebe em várias regiões do país, e foi até deveras instrutiva. No entanto, muito embora seja natural uma pessoa ir parar no "trono", nem tanto é encontrar em nosso próprio banheiro um assassino que foi enviado para te matar. Mas ao menos não é algo que agrida nossa inteligência: é apenas um fato bem singular.. Porém, a pergunta que não quer calar: que mais? Quais outras cenas que você assistiu que fizeram uma bela menção à realidade, de forma a poder classificar o filme como realista? Vejam bem, não vale apontar uma ou outra cena, mas provar que em conjunto ele é realista.

Advirto o leitor para que poupe suas forças: teus esforços serão em vão. O filme não é apenas irreal no sentido de ser uma ficção. Na verdade você verá um amontoado de absurdos. Praticamente o filme inteiro é um amontoado de absurdos. O que traz confusão à cachola de algumas pessoas é que ele geralmente parte de eventos um tanto normais, além de ser salpicado por algumas banalidades, que são por si costumeiros no lado de cá da tela. Digo “geralmente parte” porque, sendo a narrativa fragmentada, é como se ele tivesse vários (re)começos. Que eu lembre há três “episódios” interligados. Ei-los, segundo o próprio roteiro: 1) “Vincent Vega e a Mulher de Marcellus Wallace”, onde o matador de aluguel Vincent Vega (John Travolta, sem-graça como sempre, coitado) tem de cumprir uma insólita missão: fazer companhia por uma noite a Mia Wallace (Uma Thurman, bem no papel), mulher do seu próprio chefe, Marsellus Wallace (Ving Rhames, bom para o gasto) – sem obviamente tentar se engraçar para ela; 2) “The Gold Watch”, no qual o boxeador Butch Coolidge (Bruce Willis, também bom para o gasto), recebe dinheiro do chefão para entregar uma luta – e acaba descumprindo o trato, iniciando assim uma série de confusões; 3) “Jules, Vincent e Wolf”, onde um sujeito conhecido como Wolf (Harvey Keitel, bela aparição), alguém especializado em “resolver problemas”, é enviado para ajudar Jules Winnfield (Samuel Jackson, bem no papel e bastante carismático) e seu comparsa Vega a limpar o carro deles e se livrar de um cadáver, pois sem querer estouraram a cabeça de um infeliz com um tiro ali dentro. Há também um prólogo de razoável tamanho, onde Vega e Winnfield são mandados por Wallace a cuidar de um “certo negócio” – leia-se: matar gente – e um pequeno epílogo, que é uma continuação de uma curta cena do início do prólogo. Enfim, são estes os episódios. E sim, o elenco é cheio de conhecidos artistas.


Vega (Travolta) fazendo companhia a Mia (Thurman)

Como eu disse, todos estes episódios têm um começo banal ou são salpicados por banalidades. Veja mesmo o leitor que a própria “sinopse” que dei de cada um deles a princípio não demonstra nenhum absurdo, talvez com exceção do segundo, pois quem é que vai deixar a sua mulher bonita sob cuidados de um capanga, de noite? Mas enfim, aparentemente não dizem muita coisa. Claro que não é comum igualmente atirar sem querer na cabeça de alguém dentro de um carro, mas isso não importa. O “problema” está em como os episódios são desenvolvidos e terminam. Assim, no primeiro um dos assassinos teima em citar uma passagem da Bíblia, fala idiotices quase o tempo todo, come o lanche dos vagabundos que mais adiante matará, fazendo comentários sobre seu gosto, etc, etc, etc. Tudo meio fantástico. No segundo, que aliás é o menos bizarro dos três, a mulher do chefe, uma pessoa muito esquisita a propósito, depois de farrear com o seu “lacaio”, consome excessivamente drogas e acaba sofrendo um ataque de overdose, sendo curada por Lance (Eric Stoltz), um traficante também meio perturbado, através de uma injeção de adrenalina direto no seu coração (detalhe: ninguém sabia direito como aplicá-la). O terceiro é o mais estranho, porque tanto o boxeador quanto o chefão, após uma série de confusões, acabam parando nos porões de uma loja de armas, onde o dono cuida secretamente de um irmão demente que usa trajes sadomasoquistas que vive encoleirado. Não satisfeito com isso, Tarantino ainda inventa que o dono da loja é um pervertido que, após prender Willis e o chefão, chama um amigo policial para violentar os dois. Quem tem a duvidosa “honra” de ser o primeiro a comer o pão que o diabo amassou é Wallace. E há mais outras loucuras, as quais deixo de lado por economia de espaço. Por fim, no último há um determinado sujeito (Keitel) que é especialista em se livrar de situações embaraçosas tais como um carro cheio de miolos espalhados por todos os lados. O próprio sujeito é esquisito, não como a mulher do chefão ou o traficante, mas pelo seu jeito aparentemente sofisticado e educado casado com a sua profissão de “auxiliar de bandido”. Ele dá um jeito de ajudar os dois assassinos de uma maneira estranhamente curiosa. Isso sem contar a calma com que conduz a situação e certas particularidades do episódio que o tornam meio bizarro. Detalhe para a ponta do próprio Tarantino como o sujeito que acolhe em sua casa os três.

Em todos os episódios acontece algo violento, variando apenas a intensidade. Vai do violento ao brutal, mas sempre é dosado com um senso de humor estranho. O filme todo é assim, violento e supostamente engraçado, porque na opinião do autor deste texto é difícil rir de um sujeito sendo violentado por duas pessoas (fiquei por uns três meses, depois de assistir àquilo, erguendo minhas mãos para o céu e me perguntando “por quê, por quê?”) ou de um carro cheio de miolos espalhados, ou que mais seja. Vejam vocês que tudo fica tão inverossímil que o conteúdo em si das cenas perde completamente substância em função de uma espécie de sátira bizarra que o diretor quer fazer em cada episódio. Digo isso porque o filme não é nenhum pouco sério, ao contrário. A seriedade dos personagens em certas situações serve propositadamente para aumentar mais ainda a carga de humor. Por exemplo, aquela cena onde Willis conta para sua esposa a história do relógio que herdou de seu pai. Então a graça – se podemos dizer assim – de “Pulp Fiction” está no fato de ser deliberadamente inverossímil. E a quantidade de sangue acaba por ser proporcional à sua graça, justamente porque ele é inverossímil. Isso porque normalmente as pessoas ficariam chocadas (e mesmo nesse filme muitas ficam) em ver cenas de overdose, assassinatos, violência desmedida, etc. Lembro mesmo de certa vez ter lido uma entrevista de Tarantino onde ele disse que gosta de fazer humor com violência, o que ficou claro em “Pulp Fiction”. Acho que apenas isto encerra qualquer dúvida acerca do realismo ou não deste filme. E não só nele. Assisti já a outros dois, “A Balada do Pistoleiro” e “Um Drink no Inferno”, nos quais essa peculiar concepção ficava por demais evidente. “Um Drink no Inferno” chega às raias do paroxismo, sendo dos três o mais fraco. Na verdade, não podemos deixar de perceber que em suma estes três são variações de um mesmo tema.


Winnfield (Jackson), Vega (Travolta) e Wolf (Keitel)

Pode ser que haja um leitor teimoso que insista, a despeito de tudo, que “Pulp Fiction” é um filme realista porque é uma história a respeito do submundo, que de fato existe. Talvez este mesmo leitor diga que no submundo as coisas são mesmo brutais e destituídas de sentido. Infeliz de ti, meu caro, que conhece tão bem o mundo do crime! Espero mesmo que não haja nenhum criminoso a passear por este blog. Isso parece com aquele argumento de que neste mundo tudo é tragédia, sem que o autor desta pérola jamais tenha passado por uma só. Também é igual àqueles que adoram dizer que as pessoas são canalhas, como se estivesse envolvido por toda uma corja de malfeitores. E o fato do submundo ser absurdo devido a sua brutalidade não implica que a violência seja engraçada. Em todo caso, não necessariamente um filme é real ou verossímil porque se apóia em coisas que de fato ocorrem neste nosso pequeno grande mundo.

Isto prova que não é por causa da “vestimenta” de um filme que ele necessariamente será mais ou menos realista. Vou me explicar melhor. Não é pelo fato de Pulp Fiction” contar uma história de criminosos que ele será mais realista que “Bambi”. Ao contrário, “Bambi” é infinitamente mais verossímil que “Pulp Fiction” porque sua história, com exceção dos animais falando, não é incongruente. Ninguém acha estranho ou absurdo tudo o que aconteceu com o notório cervo, embora seja um conto onde animais falam e agem como humanos. Aliás, não repugna nenhum pouco à nossa imaginação um bicho falando, ou mesmo um vulcão cantando. Ora, afinal de contas o que aconteceria se um vulcão ou um bicho pudessem se expressar como nós? São, por mais estranho que pareça, possibilidades, ainda que insólitas. E quanto mais insólitas, mais improváveis, até chegar ao ponto de se tornarem verdadeiramente inverossímeis ou difíceis de engolir, pois para tudo há um limite, mesmo que turvo. O que causaria incômodo seria o fato de por exemplo acharmos engraçado um Lobo Mau devorando brutalmente uma Chapeuzinho Vermelho, afinal de contas o Lobo é mau e não pode ser engraçado – eis um exemplo de limite. Mas se porventura conseguissem dar uma reviravolta nos valores do conto e mostrassem quão bondoso e divertido é o Lobo Mau comendo brutalmente a Vovozinha e a Chapeuzinho Vermelho, então haveria um problema, por mais magnífica que fosse a narrativa da história.

E eis um problema importante de “Pulp Fiction”: ele consegue te divertir com brutalidades justamente porque o conteúdo é absorvido em sua forma inverossímil. Você não se diverte porque o chefe está sendo brutalmente violentado, mas sim porque a situação é absurda e curiosa, e num passo de mágica fazemos abstração da cena. Você não acha legal alguém ter overdose, mas aquela situação é tão estranha que chega a ser divertida. O próprio “clima” do filme desvia o foco de nossa atenção: a violência que chega às raias do paroxismo serve como ponte para a nossa diversão, como se por um dado momento teus olhos, mesmo assistindo a uma cena particularmente forte, acabassem por ver coisa diversa. Isto é semelhante a uma brilhante moeda no fundo de uma piscina: nós a vemos distorcida e até mesmo julgamos que ela está numa dado lugar quando na verdade está em outro. No fim você mal percebe brutalidades, apenas acha tudo aquilo legal. E aqui está a habilidade de um diretor como Tarantino: te faz esquecer aquilo que você está vendo e te faz rir de algo diferente. Uma habilidade temível, eu diria.


Marsellus Wallace (Rhames) e Butch Coolidge (Willis) comendo o pão que o diabo amassou...

Mas talvez o problema fundamental de “Pulp Fiction” esteja noutra coisa. Um bom método para averiguar a validade de algo é contemplá-lo por um longo tempo. Se surgir espontaneamente uma simples e básica pergunta, “e daí?”, então somente há duas e não mais que duas hipóteses: ou não entendemos nada do que contemplamos ou realmente o nosso objeto de atenção carece de sentido e valor. Pois ouso dizer que este filme não escapa desta pergunta. Se não escapa, então vamos patentear a dúvida: “‘Pulp Fiction’? Hm, e daí?” Imaginando que posso perguntar alguma coisa para o filme, então que ele me diga: o que você quis passar para gente? Pois acho que a resposta não seria muito diversa de um sonoro e distinto “nada a declarar”. Daí que me espanta o fato de tanta gente ter gostado de um filme como esse, que não diz nem pode dizer para quê veio. Talvez aqui resida mais uma indicação da habilidade do diretor, criando um “clima” que disfarçou por completo a falta completa de sentido e verossimilhança. Não parece algo muito fácil semelhante feito. O filme realmente não é muito bom, mas o diretor blefou bem.

Por último, vale a pena comentar melhor sobre este tal "clima". É muito estranho quando há abstração do conteúdo de algo em prol das intenções de um autor. Isso tem limites. Por exemplo, por mais que eu tente, será para mim complicado transformar água em vinho, a não ser por milagre ou por ilusão. Não sendo eu santo ou Deus, então apenas por ilusionismos terei êxito. De maneira parecida, transformar brutalidades em diversão não parece tarefa simples e quiçá possível, senão através de certa atenuação em seus efeitos e muita habilidade por parte do diretor. Isto se refere à forma através da qual ele constrange sua matéria-prima. E como deveríamos proceder para que da matéria feia e brutal enxerguemos graça e diversão? Acho que estabelecendo relações entre as partes da história concebida pelo criador e a matéria-bruta/brutal, embora nunca ele possa alterá-la por completo. Isso cria uma atmosfera ilusória, e o que veríamos pareceria diverso do que era no início. Ora, quem assim procede estabelece novas relações, e são elas que captamos sutilmente, fazendo com que uma determinada coisa pareça diferente. E como os espíritos mais adestrados para analisar coisas deste tipo são os geômetras, digo então que um filme como “Pulp Fiction”, a julgar sua natureza, foi feito magicamente por um geômetra para gente de espírito igualmente geométrico, mas por sua vez desconhecedora de seus truques. Que o leitor acrescente a isso uma certa repulsa pela realidade por parte de quem assim procede. Portanto, não vejo muitos motivos para não considerar muito estranha a opinião de alguns amigos meus sobre a suposta realidade deste filme até que alguém me prove o contrário.


Terminando belamente com a Mia

Wednesday, May 04, 2005

Abaixo aos telejornais e demais chatices!

Nunca entendi direito o motivo de tanta reportagem sobre economia. É economia na tevê, no jornal... Acho que só no rádio não ficam atazanando a gente. Por sinal, confesso até que, devido a essa chatice jornalística, nutro uma imensa simpatia por aqueles programas de rádio em que o ouvinte liga para a estação e canta, imita galinha, diz a receita de uma comida (melhor ainda se for de pavê), etc.

Hoje por exemplo, não lembro em que canal, havia uma discussão sobre taxa de juros. Depois foi sobre a cassação do mandato de um deputado. Havia mais uma acerca de agropecuária. Meu deus do céu, quem de fato acha que essas coisas são de fato merecedoras de nossa atenção? Quando aparece na tevê alguém comentando sobre a próxima ação da bancada pró/contra-governo, chego a pensar que tudo não passa de um episódio inédito de Monty Python, e quem dera se realmente fosse.

Ao invés de passarem reportagens sobre essas chatices inúteis, muito mais proveitoso seria caso mostrassem o desenvolvimento da indústria de lâminas de barbear. Tem mais problema básico, mais comovente que esse? Uma lâmina que impedisse o crescimento da barba por um longo tempo, ou que realizasse o milagre paradoxal de não machucar nosso rosto, que delícia não seria! Valeria muito mais a pena mostrar simpósios de barbeiros - se é que os há -, o valor de uma bela aparada em diversas barbearias, informações sobre os diferentes métodos de corte ou até sobre bons cremes de barbear. Ou discussão sobre livros. Ao invés de reportagens sobre deputados pamonhas que aprovaram ou não tal lei, que mostrassem o debate sobre o último romance policial que saíra há pouco do prelo. Sobre a traição (ou não, segundo certos teimosos) de Capitu. Sobre a culpa de Helena ao se deixar levar por Páris. Enfim, sobre um monte de livros interessantíssimos que muitas vezes chegam a tocar fundo nossas vidas.

Não sei dizer bem onde está exatamente o motivo dessa valorização excessiva de assuntos efêmeros e enjoados por natureza que assola a mídia. Fico às vezes pensando, inclusive, quão chato não deve ter sido viver no Brasil entre 1964 e 1985, onde todas as conversas consideradas "inteligentes" deveriam ser justamente a respeito do governo, da repressão, da política imperialista dos EUA, do problema da conscientização política indígena na América Central e demais tolices aparentadas. Digo isso tendo como base alguns livros do Gabeira. Sim, li várias daquelas porcarias em tenra idade, portanto digo com conhecimento de causa que as pessoas mais "politizadas" daquela época, segundo Gabeira, adoravam conversar sobre estes negócios. Ainda que muitos gostassem de poesia, de música e do escambau a quatro, tudo acabava em política. A maior parte daquela gente devia ser um porre.

Vou dizer porque não estou tão errado em supor tudo isso. Vez ou outra aparece algum engraçadinho dizendo que "a juventude de hoje em dia é alienada e apática". Já ouvi até mesmo o Júnior, aquele amigo da Sandy, dizendo na tevê que gostaria de ter vivido nos anos sessenta, porque naquela época os jovens eram mais "conscientizados". Ora, porque o Júnior disse uma coisa dessas? Por que vez por outra algum doido diz que nós jovens somos alienados, fazendo questão de nos comparar negativamente àqueles revoltados que pastaram contra a Ditadura? Ora, é por causa da importância que dão à militância política. Tudo o mais é considerado inferior ou destituído de sentido. Daí que, segundo esta singular opinião, é mais necessário conhecer profundamente a reforma ministerial (blergh!) ou o valor da saca de soja (ugh!) que o nome daquele sujeito que compôs a "Eroica" (me refiro apenas ao nome porque, neste contexto, talvez seja pedir demais para que conheçam também a música), ou então a história em versos de um certo povo que corajosamente se atirou em mares nunca d'antes navegados, ou que mais seja. Noutras palavras, o transitório ganha importância às custas do perene.

Não sei se aparecerão cada vez mais notícias chatas e inúteis, mas a julgar que todo ignorante é chato e inútil, e como parece que está chovendo gente assim, então não seria destituído de senso um olhar pesaroso quanto a esta situação. Portanto, o melhor é ignorarmos na medida do possível jornais e telejornais, assistindo alegremente a Seinfeld, que é verdadeiramente um grande programa, ou até mesmo àqueles comerciais horríveis de vendas, como daquele Sonic 2000 (uau! deu para ouvir a agulha caindo do outro lado da sala!). Acreditem, Facas Gynsu são mais úteis e mais maravilhosas que a alta da bolsa.

Quebrando o Gelo

Farei certas observações puramente pessoais ou: "Como foi a sua semana?"

Antes de mais nada, obrigado, hipotético leitor, por me perguntar, você foi muito gentil. Aliás, tenho às vezes a impressão que se eu fosse mulher minha sensibilidade para com este tipo de coisa seria muito forte. Adivinho até que eu seria uma daquelas mulheres problemáticas com tendência a criar tragédias a respeito dos acontecimentos mais diminutos possíveis. Por exemplo, intuir desesperadamente o fim do mundo a partir da falta de sabonete no banheiro. Mas por ser homem, meu espírito de auto-suficiência e praticidade fala mais alto, e na falta do hipotético sabonete, então que fosse uma hipotética areia, e eu estaria hipoteticamente muito sorridente pelo feito. Ok, o exemplo é destituído de sentido e chega a ser esdrúxulo, mas que importa senão causar uma certa impressão?

É verdade que demorei mais que de costume para escrever algo neste blog, e isso porque acabei me perdendo num misto de preguiça e rascunhos. Por exemplo, até escrevi cá no Word algo sobre um interessante post do Carlos, no qual ele faz uma aproximação entre civilização e Cristianismo (corajoso, cerca de 95% das pessoas alfabetizadas, se não estão preocupadas apenas em questões mais básicas de suas existências ou com a perpetuação da espécie, diriam o oposto), mas, para me expressar à maneira dos matemáticos, o comprimento dos meus garranchos foi ficando diretamente proporcional à minha preguiça em finalizá-lo, e inversamente proporcional à minha vontade de publicá-lo, de forma que joguei aquele rascunho no limbo. Também escrevi sobre a importância do "Civilization II" para uma compreensão quase completa do nosso próprio mundo e, noutro texto, fiz uma comparação entre Karl Marx e Satã Goss, ressaltando ainda que os intelectuais brasileiros em média estão para o aprumo do bom-senso assim como os monstros criados pelo vilão de Jaspion estão para Daileon: em atrito mortal. Mas nisto também a preguiça me perseguiu.

Na verdade, a preguiça que eu senti era um outro sentimento, que por sua vez se desdobrava numa espécie de preguiça. Era o enfado. Ah, que sensação! Que desgaste à toa! E eu estaria muito errado em imaginar que todo mundo já acordou um pouco Eclesiastes alguma vez na vida? Aliás, não sei dizer se aquela característica mais notória das pessoas velhas, o reclamar de tudo, teria raízes neste sentimento. Não sei e agora me pergunto por quê diabos me fiz essa pergunta. Deixemos estas considerações de lado.

Até agora eu não disse nada específico da minha semana. Acho que nem consigo, porque fiz um pacto comigo mesmo de não me aventurar a dizer nada mais que o necessário de mim mesmo neste blog, até porque minha vida não é a de nenhum Alexandre ou Júlio César. É antes a de um sujeito que ocupa 65% do seu tempo livre no computador, mais 30% vendo tevê e o restante dividido entre livros, filmes, músicas, conversas, necessidades básicas, etc. Até me pergunto como é possível que eu viva assim sem engordar, mas enfim. Claro que alguém poderia dizer que no computador podemos ver programas, ler livros, ouvir músicas, etc - e por enquanto ainda não é possível fazermos nele nossas necessidades ou por exemplo comer um teclado como se fosse presunto. Concedo, lógico, e aliás eu mesmo faço aquilo tudo - menos, claro, minhas necessidades - no computador. Só não assisto programas pela Internet. Passear para mim é sair daqui de casa até uma biblioteca, ou jogar futebol aos domingos. Ir a bares é coisa de ignorantão. E lugar de show para mim é no Municipal, e aliás é muito feio usar para tanto a palavra "show", credo.

Enfim, este texto na verdade foi apenas para quebrar gelo, para exorcizar minha semana "pseudo-Eclesiastes". E o que é mais curioso é que de uma sensação de enfado em relação aos assuntos que eu diria por aqui, no final das contas saiu este amontoado de disparates. Vai entender. Mas o problema é meu, não do leitor. Lembre-te que esta é uma época rebenta do século do Romantismo, onde não interessava o que o público queria, mas sim o que o escritor, pintor, músico, etc, estivesse com vontade de demonstrar. Óbvio que isto não é tão simples: para onde o artista vai correr se o público lhe for hostil? Suas obras são, na verdade, feitas sob encomenda segundo as intenções nebulosas de um indistinto e insubstancial anônimo? Que coisa irracional, que coisa irracional... Ha!, ainda muitos acham esta época muito científica. Mas paro por aqui, este é um outro assunto.

Indistinto leitor anônimo (teu nome é "ápeiron"), que nem sei para quem escrevo, adeus. E bom dia para os conhecidos. E quase eu ia completar com algo como "justiça aos amigos, injustiça aos inimigos", mas não quero judiar ainda mais da unidade deste post. Preciso estudar direito a "Poética"...