Friday, January 19, 2007

Todos os homens são mendigos da mais fina nobreza

Embora eu esteja com sono, o último texto do Lord Ass sobre a monarquia me inspirou a escrever uma coisinha aqui no post de número 200 do blog.

Bem, vamos lá. Não tenho nenhuma opinião sobre monarquia, mas tenho sobre a mania que um monte de gente tem de buscar antepassados gloriosos. Acho isso de uma bobice fenomenal e um tiro no pé, porque, em primeiro lugar, virtude não é uma coisa transmitida por inércia, e, em segundo lugar, o fato de você ter um antepassado ilustre pode muito bem indicar que você é a decadência total desse mesmo passado glorioso, mais ou menos como se você fosse uma espécie de ruína, como os escombros que hoje podemos ver com alguma melancolia da outrora majestosa Babilônia ou da antiga Roma, capital do mundo. Além disso, na sua história provavelmente há algum tipo de contraparte dessa nobreza, se é que você mesmo não é essa contraparte. Pode haver uma série de indivíduos completamente irresponsáveis, bandidos e idiotas na árvore genealógica de qualquer um. Por que fazer abstração disso? Mas sempre é mais bonito imaginar que descendemos de um nobre... Ora, muito mais sábios eram os antigos nesse ponto, já que ligavam sua história diretamente a algum deus: esta linhagem teve origem em Asclépio, aquela em Vênus, aqueloutra em Hércules. E isso quando não resolviam tirar da cartola a idéia original de serem eles mesmos um deus, conforme imaginou o pobre e meio tantã Empédocles. Agora bem, nossa perspectiva é cristã, portanto não admite nenhuma idéia a respeito das origens exceto essa: se por um lado todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus Onipotente e Criador do céu e da terra, por outro lado somos os degradados filhos de Eva, isto é, pessoas amputadas da glória que em princípio deveríamos possuir. Vindos do pó, adquirindo o pão pelo suor de nosso rosto, retornaremos ao pó na esperança que o Pai diga: "Eu vos conheço". O contrário é a perdição. Eis uma das perspectivas que temos e que os antigos nem sonhavam.

Digo sem o menor pejo que semelhante idéia é uma das coisas mais elegantes, mais belas, mais sábias que alguém já teve. O sujeito que a bolou foi tão feliz em concebê-la que muito propriamente foi considerado como que inspirado por algo divino. E foi, de fato. Se do ponto de vista natural podemos dizer que a história do homem começa quando ele mendigava pelo mundo, por outro lado há o dado sobrenatural nesse mesmo homem, o qual nos ajuda a entender como é possível que esse mendigo, esse ser aparentemente tão desprovido de atributos naturais, possa elevar-se acima de tudo que existe no mundo. É como num conto de fadas, onde um príncipe, por motivos de contingência, foi obrigado a se tornar um pedinte ou um escravo, mas, graças a seus esforços e ao auxílio de não sei qual criatura bondosa, vai aos poucos largando a sua condição degradante para retornar à antiga posição que lhe é por direito, e agora por mérito. Esse conto de fadas é a verdadeira imagem da nobreza.

Bem, algo me diz que o texto ficou perneta, mas que pule num pé só. Espero que um dia a inspiração retorne para dar uma perna de pau ao texto. Bom dia.

Thursday, January 11, 2007

MST e índios bravos, tudo a ver

Em seus Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Império do Brasil, José Bonifácio, listando as grandes dificuldades para os "cathequizar, e aldear", diz certas coisas que poderiam muito bem ser empregadas a respeito do MST, mutatis mutandis:

[Algumas das grandes dificuldades para a catequização e aldeamento dos índios bravos no Brasil] provém 1° de serem os Indios Povos vagabundos, e dados a continuas guerras, e roubos: 2° de não terem freio algum religioso, e civil, que cohiba, e dirija suas paixões: donde nasce ser-lhes insupportavel sujeitarem-se a Leis, e costumes regulares: 3° entregues naturalmente á preguiça fogem dos trabalhos aturados, e diarios de cavar, plantar e mondar as sementeiras, que pelo nimio viço da terra se cobrem logo de matto, e de hervas ruins: 4° porque temem largando sua vida conhecida, e habitual de Caçadores, soffrer fomes, faltando-lhes alimento á sua gula desregrada: 5° para com as Nações inimigas recresce novo embaraço, e vem a ser o temor que tem que depois de aldeados vinguemos a nosso sabor as atrocidades contra nós commettidas: ou porque não tendo provado o devido castigo de seus attentados, desprezam-nos, confiados na sua presumida valentia: e achando ser lhes mais util roubar-nos, que servir-nos: 6° porque os mais valentes e poderosos d'entre elles temem perder a occasião de cobrar entre os seus naturaes o nome de guerreiro, que muito prezam, esperando ficar seguros das nossas armas no meio de suas Mattas e escondrijos (...)

Sunday, January 07, 2007

Alguns avisos sobre a vida boa

Vou aproveitar esse post e apresentar ao leitor uma idéia que deu "olá" para minha cachola enquanto eu estava preparando misto-quente e Nescau (perdão, Nescau genérico). Aliás, por algum estranho motivo as idéias geralmente surgem quando a última coisa que faço no momento é ir atrás delas: na hora de dormir, ou quando acordo, ou quando vou tomar banho, ou quando como, ou quando minha mãe vem contar a piada que ouviu no rádio (como no dia em que ela contou uma piada e aí de repente entendi o que aquele Aristóteles quis dizer com as quatro causas). Freqüentemente na hora em que estou estudando a idéia não vem nunca, mas é só olhar para o céu e de repente pimba!, lá vem a idéia. Ela gosta de fazer surpresa. Por essas e outras que sempre agradeço, embora talvez na hora possa não parecer, a quem enviou a idéia, afinal de contas é que nem ganhar presente sem o menor motivo.


Após a digressão, contarei logo a idéia, mas já me vejo na iminência de faz outro pequeno desvio, porque agora ela não me parece tão legal quanto antes. Parece agora até meio boboca, mas enfim, vamos lá. O que eu queria dizer apesar de toda essa enrolação é apenas o seguinte: se por ventura o amável leitor se ver de repente em meio a uma discussão onde passem zunindo que nem flecha ou bala perdida os Nietzsches, os Foucaults, os Deleuzes ou os Montaignes da vida, jogue-se no chão e saia do recinto o mais corrido possível. Depois de passar na igreja para tirar qualquer resquício de encosto, em casa tome um bom banho para refrescar a cuca e em seguida vá direto à leitura do primeiro Chesterton que encontrar, ou simplesmente dê boa noite para seus pais e amigos, beba uma coca, tome um sorvete e veja como é bom conversar com gente normal.

Digo isso porque a influência daquela trupe (só não dou outros nomes porque senão aí vira carnaval), se você levá-la realmente a sério, pode acabar te fazendo mal. No final das contas, você talvez não conseguirá nem mesmo dar bom dia para ninguém exceto aos cavalos, e ainda por cima em tom sentimental, trágico ou simplesmente babão. Conheço inclusive alguém que levava a ciência tão a sério que, num belo dia, não conseguiu mais entender a razão de uma pessoa dar bom dia a outra na rua, nem o motivo de alguém ficar olhando perdidamente a paissagem. Achava que todo mundo era doido, menos ele, é claro. Infelizmente ele não havia cogitado a hipótese de estar padecendo da falta de senso poético. E nem poderia, já que se deixou levar por uns caminhos tortos. Mais uma vez parecia se repetir a cruel saga do tantã: levava tudo tão a sério que no final das contas virou a piada trágica de si mesmo.

Às vezes quem lê por ler algum dos membros da trupe não atina direito com o problema. É o caso do sujeito de boa vontade. O ruim disso é que se você realmente tiver boa vontade de encarar aquela trupe, vai ter uma hora em que você não atinará mais com o problema porque você se tornou parte do problema. Só através de um esforço quase miraculoso conseguirá sair disso ileso. Como diria um professor meu, parece pegadinha mas na verdade é mesmo.

Enfim, está dado meu conselho. Ao menor sinal da trupe, fuja como se tivesse visto o filhote de cruz-credo, e vá procurar um livro realmente útil ou uma companhia minimamente sensata.

***

Agora o avesso do post.

Dizem que se você souber o nome do demônio você poderá controlá-lo e vencê-lo. Pois bem, da mesma forma que o vírus pode servir para combater o vírus mediante a vacina, a trupe pode servir como anticorpo contra si mesma mediante a sabedoria autêntica. Ainda aproveitando a analogia medicinal, eu diria que a trupe, se bastante diluída pelo contato com a filosofia autêntica - ou nem isso, porque o contato com uma vida sadia já basta -, pode mesmo fazer bem. Assim, por razões profiláticas, vale a pena conhecer a trupe para evitar males maiores.

O pressuposto disso é que você esteja mais ou menos inteirado do que é a sabedoria autêntica ou vida sadia. Ora, da vida sadia basta o contato com gente minimamente normal (não subestime jamais isso). Da sabedoria autêntica a coisa é um pouco mais complicada, mas de qualquer forma não é um tormento pelo simples fato de ela também servir como aprimoramento da própria vida de quem realmente a leva a sério. Escute o que Platão tem a dizer e em troca você nunca mais terá vontade de explodir o mundo ou achar que poderia explodi-lo. Ouça atentamente Aristóteles e aquele cinismo em demasia que você por um acaso abriga no peito vai se tornar um verdadeiro bom humor. Preste atenção em São Tomás de Aquino e você perceberá que o mundo pode ser mais legal do que parece, simplesmente porque tudo fará sentido a partir de algo aparentemente obscuro. Leia devagar Ortega y Gasset e você poderá mergulhar na profundidade quase enlouquecedora do mundo, mas conseguirá retornar à superfície são e salvo com uma valiosa pérola.

Todos esses homens podem, de um jeito ou de outro, apresentar algum tipo de escapatória da loucura aparente do mundo. Nenhum deles te aprisionará em loucuras forjadas pela mente deles mesmos. Porque mais do que a loucura do mundo, a loucura dos sábios é a mais tenebrosa. Há em comum entre eles qualquer tipo de idéia de salvação. Na medida em que vão compreendendo a realidade, idéias fantasmagóricas do mundo vão desvanecendo.

Se você não estiver minimamente inteirado de nada disso, melhor nem se meter com aquela trupe. Vai querer cutucar onça com vara curta para quê?

***

Se o leitor for um sujeito curioso, talvez já tenha notado que as destruições da família e do exemplo do homem superior foram acompanhadas pelos ataques kamikazes à inteligência. Numa palavra, a vida sadia e a sabedoria autêntica foram golpeadas juntas e sem dó. Não poderia ser de outro modo.

Levando-se em conta as circunstâncias, é mais do que natural que a impostura, em todos os sentidos e níveis, ganhe terrenos. A falta de modos vai desde as relações entre as pessoas até a relação com o conhecimento. Quem não consegue agir minimamente bem com o outro não pode cogitar nada a respeito de Deus, da beleza, da alma etc. É incrível o número de enxeridos que ignoram pomposamente essas constatações mais básicas e insistem em opinar a respeito do que só deveriam em última hipótese ou simplesmente não deveriam.