Saturday, December 30, 2006

Cardeal Renato Martino, com pena de Saddam, pede clemência pelo ditador

OBS: Talvez eu mude alguma coisa nesse texto. Não o revisei. Não que eu costume revisar o que escrevo. Mas é que este foi escrito meio às pressas e com ira.

Geralmente guardo só para mim certas discordâncias quanto a opiniões do Vaticano sobre política atual, mas agora não consegui. Porque achei o fim da picada este cardeal pedir clemência para o Saddam.

Mas que palhaçada é essa? Se tem que pedir clemência, que seja a Jesus Cristo! Ele sim pode perdoá-lo, porque no nível da justiça humana não há a menor possibilidade, em minha opinião, de perdoar um homem como esse. Quer dizer, se ele fizesse uma maldade comigo, talvez eu pudesse até perdoá-lo. Cada pessoa que já foi torturada por Saddam também poderia vir a perdoá-lo, como queira. Mas seria no mínimo uma bravata se eu o perdoasse por ter feito um mal a outra pessoa. Pelo menos é assim que entendo o ensinamento de dar a outra face. Posso dar a minha outra face, não a do outro. Porque senão a única justiça que haveria seria a do diabo. E num caso como o do Saddam, a única pena justa é sem dúvida nenhuma a pena de morte. Não há nenhuma outra pena equivalente às brutalidades que ele cometeu. Que ele seja entregue à justiça divina, porque do ponto de vista humano não há mais nada a fazer por ele.

Estou de saco cheio de um tipo de conversa fiada que chamo de "embora". É sempre assim. Quando alguém quer ser muito bondoso, até mais da conta, sempre começa com um "embora eu saiba que fulano matou várias pessoas, você há de convir que..." Outro dia mesmo eu estava conversando com alguém que veio com esse papo: "Olha, embora eu seja contra genocídio, você tem que entender que Stálin não tinha muitas alternativas". Que maravilha! O sujeito é tão racional e bondoso que chega a ver algo de justificável num genocídio! Conforme li num blog dia desses, o séc. XX esteve repleto de pessoas bondosas assim. Tão bondosas que não sabiam nem que estavam na prática agindo mal.

Sujeitos assim querem sempre posar como mocinhos que sabem reconhecer os dois lados da questão. São os justos. Para falar a verdade, se dependêssemos do senso de justiça do Vaticano, assim como do Brasil, China e Rússia, ainda haveria gente sendo morta ou tendo membros amputados ou quebrados no Iraque, conforme você poderá ver neste vídeo. Por causa desse maravilhoso senso de justiça, Cuba está como está, assim com a China. Enfim, na prática o "embora" é um aval a sofrimentos e humilhações sem fim. (Não duvido nada que o "embora" seria usado pelo cardeal Renato Martino a respeito de uma ação urgente e vigorosa no Sudão.)

Também estou de saco cheio desse papo sobre como é ruim os EUA serem a polícia do mundo. Se um país tem a capacidade de parar de uma vez por todas as atrocidades cometidas por outro, por que então não faria nada? Se eu tenho como impedir que meu vizinho espanque seu filho, por que eu não faria nada? Pelo contrário: seria imoral se eu desse qualquer tipo de desculpa para não agir, da mesma forma que seria imoral um país se recusar a ajudar a população de um outro que acabou se tornando refém de seu próprio governo.

Esse problema é discutido melhor pelo Mons. Dr. Emílio Silva de Castro em sua Doutrina Católica sobre as Relações entre Igreja e Estado. Conforme ele mesmo escreveu,

Não é possível, por exemplo, permitir que um povo seja esmagado, exterminado, v.gr. em nossos dias na Ruanda ou Bósnia e Cuba, quando há meios de protegê-lo. Foi contra os propósitos e contra alguns excessos intervencionistas da Santa Aliança que surgiu em certos meios o princípio da não-intervenção. Sem embargo, este princípio é tão ineficaz e às vezes tão desumano que, na realidade, nunca foi estritamente observado.

Em um caso de guerra, esta começa com dois países, no dia seguinte, já são quatro, e logo são inúmeros, como aconteceu na última guerra. E quando um país, como sucede muitas vezes, não quer intervir, é forçado pelos outros. O poderoso sempre intervêm onde quer, e se não é pelas armas, é pela guerra fria, pela propaganda, pelo suborno.

Segue-se do dito que o princípio da não-intervenção se bem seja falso quando se toma na universalidade de sua enunciação, em vários casos é aceitável, e seus transgressores são réus de grave injustiça. assim, quando um país se comporta normalmente com outros países, sem estar lesado nenhum de seus direitos e no regime interno respeita as vidas e direitos naturais dos cidadãos, seria inteiramente contra a justiça a intervenção naquele país com o fim, por exemplo, de mudar seu regime ou usurpar-lhe a soberania. Assim imaginemos que os Estados interviessem no Panamá ou em outro Estado pequeno qualquer, para obrigá-lo a mudar de regime, sem causa alguma justificável, simplesmente porque o atual não é do agrado de Washington; isto constituiria um ato de intervenção imperialista e iníquo, sem justificação possível. Há, porém, muitos outros casos em que a intervenção é obrigada ou, quando menos, legítima, em se tratando da defesa de valores superiores, gravemente ameaçados.

Outro exemplo esclarecerá esta doutrina: todos sabem que existe um direito, protegido pelas leis do Estado, que é a inviolabilidade do lar. Ninguém, sem mandato judicial, pode penetrar no lar alheio. Se, porém, um homem está matando algum de seus familiares, dentro de sua casa, e a vítima gritar pedindo socorro, a intervenção torna-se não só justa, mas indispensável. Este é o caso de um povo no meio do qual estoura uma revolução cruenta. É natural que outros países intervenham se têm meios eficazes para controlar a revolta. No caso de Cuba, para citar um exemplo, nós justificaríamos a intervenção eficaz armada contra o governo revolucionário com o fim de salvar os direitos dos cidadãos e as vidas de muitos inocentes, que morreram em mãos do tirano. Não obsta, no caso, o princípio de autodeterminação, que, bem entendido, com certas restrições é perfeitamente legítimo. Não obsta, digo, porque o verdadeiro sentido da autodeterminação refere-se aos povos, não aos que por qualquer circunstância detêm o poder. Em Cuba não existe a autodeterminação do povo cubano, privado de voz e de representação. Só existem as autodeterminações do ditador que subjuga a nação e asfixia sua voz.

Em geral, a intervenção será sempre legítima nos dois casos seguintes, para a defesa dos direitos próprios do Estado interveniente e para tutela das vidas, ou dos direitos naturais dos súditos do Estado intervindo, justificada pela solidariedade humana universal. No Syllabus* foi reprovado o princípio da não-intervenção por lesar o mais geral e válido princípio cristão da caridade, que liga a todas as pessoas físicas ou morais, iguais ou desiguais. O que antecede faz referência particularmente aos casos de sociedades iguais, como o são duas nações, ambas sociedades civis e de fins temporais.


Pior de tudo é que não é de hoje que o Vaticano, sob pretextos de justiça, mete os pés pelas mãos a respeito da ditadura iraquiana. Em 1999, o arcebispo Jean-Louis Tauran disse que era preciso voltar a integrar o Iraque na comunidade internacional porque "isolar um país nunca é bom". Ele tinha essa mesma opinião a respeito de Cuba e Líbia. Nessa tentativa de se aproximar do Iraque, o Vaticano tinha a companhia de Rússia e França (e, quem sabe, da China). Já em 1998, a respeito de um bombardeio dos EUA no Iraque, L'Osservatore saiu-se com essa: ofensa contra a população iraquiana e contra a humanidade. O próprio papa João Paulo II disse em 2004 a Bush: É desejo claro de todos que essa situação seja normalizada o mais depressa possível, com a participação ativa da comunidade internacional, em particular das Nações Unidas, para restituir rapidamente a soberania do Iraque (grifos meus). Ora, o que a comunidade internacional, o Vaticano, e em particular as Nações Unidas mais fizeram foi retardar ao máximo a guerra contra um regime brutal e, uma vez ela havendo, evitaram que a situação fosse normalizada o mais depressa possível, seja simplesmente não oferecendo auxílio de peso, seja sabotando os esforços do governo americano em demonstrar a justeza do conflito.

Que as nações em geral metam os pés pelas mãos, é já de se esperar. Que o Vaticano cometa os mesmos equívocos, isso não se pode tolerar. Quando as coisas chegam a esse ponto, é difícil ter esperança de alguma coisa. Só nos resta rezar.

PS: Além do vídeo já linkado acima, assista também a este e este. Mas antes de assisti-los, recomendo prudência, pois as imagens são muito fortes. São todos muito brutais, mas servem como uma espécie de ensinamento, tal como as imagens de campos de concentração nazistas. Depois de vê-los, sugiro também que você os compare com todas aquelas fotos e vídeos de soldados americanos colocando calcinhas na cabeça de iraquianos ou despindo-os e medite sobre a indignação mundial contra os EUA a esse respeito, ao mesmo tempo em que esses mesmos indignados não disseram nenhuma palavra a respeito daqueles vídeos, incluindo o cardeal Renato Martino.

*O Syllabus é aquela famosa encíclica que reúne uma série de proposições consideradas errôneas do ponto de vista doutrinário. O texto faz referência a proposição 62: "É correto proclamar e observar o princípio que chamamos de não-intervenção." Ora, intervenção geralmente significa guerra. Portanto, é um equívoco e uma imoralidade não levar as armas a um país tirânico e brutal em nenhuma hipótese. O Vaticano, na ânsia de promover um pacificismo a todo custo, parece que esqueceu o que ele mesmo havia nos ensinado.

Monday, December 25, 2006

Monday, December 18, 2006

Rascunho de post sobre...

Como não queria deixar a idéia escapulir, vai ela aqui toda mal-acabada e primitiva, pesando ainda por cima o acúmulo de noites mal-dormidas.

Há a melancolia, e ela basta. Se pensarmos a sério em todas as coisas, haverá um misto de desgosto e perseverança. Haverá a necessidade de jogarmos às favas um pouco da nossa pretensa importância e haverá a necessidade de nos mantermos de algum jeito firmes apesar de tudo. Não é uma questão de nos mantermos impávidos como colossos, negando tudo aquilo que provém das circunstâncias. Esta é uma idéia muito desagradável e presunçosa, e basta pensarmos na sorte do outrora todo-poderoso Colosso de Rodes ou da outrora memorável Torre de Babel para averiguarmos o quão insuficiente é semelhante coisa. O problema de fundo é, na verdade, aceitar toda uma série de restrições sobre ti mesmo e sobre o mundo, sem deixar de dar prosseguimento a tua vida até quando der. Não um prosseguimento penoso, mas com a bela sensação de pela primeira vez ter percebido como realmente tudo é, como tudo tem de ser e como tudo está em seu devido lugar. Naturalmente, portanto, tudo neste mundo parecerá inacreditavelmente belo e importante, quase necessário, expressão de alguma coisa muito verdadeira, embora talvez obscura para nós.

Tudo isso vem às custas de certos sacrifícios. Você aprende, mas aprende quase violentamente. De certa maneira, talvez isso seja um aspecto bem particular do mal, não sei. Porque embora o mundo tenha qualquer coisa de verdadeiro, ele é insuficiente. Repito: não sei.

Então tudo se passa mais ou menos como Chesterton um dia escreveu sobre a coragem e a vida. Para sermos corajosos e defendermos valentemente a vida, há de se ter um certo desprezo pela vida. Claro, ele quer dizer que ninguém arrisca a própria vida para salvar a de outro(s) se tiver um apego desmesurado a si mesmo. O que, também é claro, não implica em ser completamente temerário. Acho que em relação a tudo podemos dizer o mesmo. Porque também daremos mais atenção para a importância das coisas à medida em que delas nos afastarmos um pouco. Se você percebe a tua inferioridade, saberá bem teus limites, e assim poderá ser melhor.

Bom, ficou este post maior do que eu imaginava. Embora ainda pequeno, termino por aqui, deixando-o assim todo mal-cuidado e exposto às contradições. Inté.

Friday, December 08, 2006

À Cris

Cris,

Tentei escrever algo ontem e hoje, mas nada conseguia, até que pensei no seguinte. Os anjos levaram a bebezinha para junto dos pequenos santos inocentes, onde todos estão reunidos para a maior glória do Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque estar bem aqui é passageiro e quase estranho, já que a gente não casa bem com este mundo. O que perdemos causa dor, mas por que haveríamos de ter algo? Se então temos algo, isso é já por si inexplicável e maravilhoso, e só há razão para agradecermos, mesmo que seja por pouco tempo. E se a bebezinha não pode estar mais aqui, está, com toda a sua inocência, com todos os anjinhos do Paraíso e amparada por Jesus Cristo. E lá do alto acho que todos estão unidos para te ajudar, e quanto mais você pedir auxílio, mais te darão.

Por coincidência, escrevo no dia da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem. Como você, ela foi mãe, e teve também de suportar as dores da perda do filho amado. Mas eu diria que da mesma forma que a Virgem pode suportar a perda do filho amado e reencontrar a alegria por causa de sua fé e dos desejos profundos de Deus, tua fé te servirá para suportar com firmeza a perda da pequenininha, porque nada existe sem a vontade de Deus.

Há tempo de tristeza e tempo de alegria. Se a filhinha não está mais entre nós, o que te causa tristeza, certamente ela está já nos braços de Deus, o que é motivo de alegria. Se não é possível você ensiná-la tudo de lindo que há no mundo, ela por outro lado está cercada da verdadeira beleza que está no Céu. Se não correrá mais aqui no parquinho, correrá no Paraíso junto a todos os outros pequenos inocentes. E eu diria até mais. Porque se a fé não for vã e houver a ressurreição, a bebezinha estará então a tua espera quando Nosso Senhor enfim retornar.

Perdão por não ter me expressado de um jeito mais adequado, porque foi menos por vontade e mais por falta de capacidade.

Que Jesus Cristo proteja a todos nós.

Um beijo,

Cassiano

Friday, December 01, 2006

Ainda pau que dá em doido: o relativismo cultural

Outro dia eu estava acompanhando uma discussão em uma comunidade do Orkut. A certa altura, alguém disse que não era correto criticar a cultura dos outros etc. Não contente, o camarada ainda disse que era algo nazista tal procedimento.

Vamos ignorar a última frase, porque é cretina demais. Em relação ao resto, supondo que a afirmação feita pelo camarada seja ela mesma alicerçada no plano cultural, provavelmente ele nunca se perguntou sobre o motivo de ele mesmo poder criticar quem critica a cultura dos outros. Além disso, uma coisa é relativizar suas próprias referências para melhor compreender outra cultura e talvez a sua própria. Outra é concluir daí que não existe nenhuma diferença de valor entre quaisquer sociedades. Isso é errado e maluquice pura.

Esse relativismo absoluto é, claro, uma contradição danada. Pode ser também muito nefasto. Porque, a rigor, quem defende uma geringonça dessas tem de estar preparado para aceitar qualquer porcaria que exista no mundo sob a desculpa esfarrapada de ser uma manifestação cultural própria de tal sociedade e que, portanto, o que é correto para ela não é para nós e vice-versa. Assim, se os nazistas teimavam em envenenar judeus e depois incinerar seus corpos, não podemos dizer um "ai", pois aquilo é bom, belo e verdadeiro para eles. Criminosos seríamos nós, que chamamos aquilo de barbárie. O mesmo poderia ser dito quanto a nossa própria sociedade, porque ela é feita dos mais diversos elementos. Um bandido pode virar mocinho e um mocinho bandido graças à mágica do relativismo antropológico, como aliás costumeiramente acontece. Não é verdade que, ao aparecer um bandidão na tv, também aparece algum intelectualerda (termo criado por Corção) choramingando e dizendo que não podemos criticá-lo porque ele é produto - notem que o termo subentende a falta de liberdade e controle do sujeito de sua própria vida - de circunstâncias ruins, as quais relativizam os atos do sujeito? Por outro lado, se a polícia é dura, não reclamam dizendo que ela tem de ser mais civilizada, pois órgão estatal? Em suma, segundo esse curioso modo de pensar, o policial tem de ser censurado porque ele vive em circunstâncias "boas", enquanto o bandidão não pode ser porque vive em circunstâncias "más". A este, os lírios; àquele, a forca. Da minha parte, milhares de bananas aos intelectualerdas.

Curiosamente, nunca vi ninguém usar esse argumento para defender os maiores erros cometidos por cristãos ao longo da história. Nesse caso, vale o mais férreo absolutismo e anacronismo históricos. Quando o asteca abria o peito de um infeliz ainda vivo para retirar o coração pulsante, isso era apenas uma inócua manifestação cultural, quiçá meritória à sua maneira. Mas se o braço secular, instigado pelo Santo Ofício, transformava uma bruxa em torresmo, então isso é a demonstração arquievidente da intolerância e da maldade tradicionais da Igreja e da religião. A bem da verdade, eu até já vi um ou outro sujeito relativizar as práticas do Santo Ofício, geralmente com muita cautela. De qualquer modo, sempre em quantidade incrivelmente reduzida se formos comparar com aqueles que defendem, em nome do tal "relativismo antropológico", as práticas mais estapafúrdias praticadas por povos desapiedados.

Para finalizar, eu diria que quem defende uma idéia dessas faz pouco caso do que é o homem. Não sei se seria um exagero dizer o que direi, mas acho que o homem tem a capacidade de ser uma incrível variação de uma mesma nota. Embora houve, haja e haverá diversos tipos de ser homem, todos provavelmente têm um eixo comum. E é a partir desse eixo que possivelmente podemos dizer o que é certo e o que é errado. Quando a coisa é torta ou se desvia demais do que deveria ser, nesse caso poderíamos ser contrários a tal modo deficiente e anormal de existência.

Saturday, November 18, 2006

Pau que dá em doido...

Questão: se o sujeito não consegue nem mesmo controlar o tamanho do próprio nariz, a cor da pele ou a espinha do rosto, como é que ele vai querer se meter a besta para "reformar integralmente o ser humano"? Novo homem? Se Marx, Hitler e assemelhados tivessem pensado seriamente no peculiar problema de transformar um homem por exemplo em uma galinha, talvez teriam um pouco mais de cuidado com o que escreveram ou fizeram. De qualquer modo, a quem deseja transformar seriamente a natureza humana, se é que esse trem existe mesmo, sugiro em nome da caridade o Instituto Philippe Pinel como moradia sem prazo de retorno.

***

Nota sobre Heráclito: é aquele que, levando-se em conta aquela história de nunca cruzarmos duas vezes o mesmo rio, devia ser chifrado eternamente, já que sua mulher toda a noite se deitava com um homem diferente. É provável que ele também acreditasse literalmente em troca-troca, porque se tudo muda, se de dia ele era Heráclito, de noite era Heráclita.

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Só começarei a levar em consideração a reencarnação, o racismo e a ideologia no dia em que seus apóstolos humildemente disserem que são de uma raça, espírito ou ideologia inferiores. Alguém já ouviu falar em um entusiástico defensor de uma dessas coisas afirmando o contrário? Bem diz aquele que afirma que a raiz do pecado é o amor-próprio.

***

A solução para a violência atualmente em voga pode ser resumida nos seguintes pontos: esporte, riqueza e livros. Dito de outro modo, se uma pessoa jogar vôlei, ter dinheiro ou ler um livro, ela será incapaz de cometer crimes. Assim, não é apropriado que a polícia combata ferozmente traficantes pesadamente armados e entricheirados, mas sim o florescimento de quadras de esportes, escolas e bolsas-família, cheques-cidadão etc. Se há relação direta mesmo entre fim da violência e os pontos supracitados, nada mais lógico que em meio a um tiroteio enviarmos o Ronaldinho Gaúcho a fim de coibi-lo, citarmos Malarmé assim que um trombadinha nos ameaçar ou deixarmos moedas de ouro em cada barraco como se fôssemos Papai Noel para que ninguém trafique drogas. E seria lindo imaginar guerras prevenidas ou terminadas pela declamação de um canto homérico ou por uma bicicleta do Pelé.

Já ouvi dizer também que combater o tráfico não é alternativa viável porque sempre haverá o danado do tráfico. Quem pensa assim deve achar que um dia ninguém mais roubará ninguém, nem ninguém será mais estuprado ou espancado. Porque se jamais cessar, então seria igualmente ridículo combater os estupros, os espancamentos e os roubos. Quem diz uma coisa dessas é 2/3 idiota, na melhor das hipóteses.

Wednesday, November 01, 2006

Uma opinião de Goethe sobre a literatura

Vou abrir o mês com Goethe. A passagem a seguir é do livro de Eckermann chamado Conversações com Goethe. A tradução é de Luís Silveira pela editora portuguesa (bela terrinha!) Vega. Aliás, por que geralmente as pessoas só dão bola para literatura inglesa ou americana e deixam de lado a espanhola e alemã? Mas vejamos a interessante passagem:

Quarta-feira,
15 de Outubro de 1825.

Fui encontrar esta tarde com Goethe muito bem disposto e tive a satisfação de ouvir mais uma vez da sua boca opiniões importantes. Falamos do estado da nova literatura da qual Goethe disse as palavras que se seguem:

"Falta de caráter de cada uma das personagens que investigam e escrevem", disse ele, "é a origem de todos os males de nossa literatura hodierna."

"Especialmente na crítica esta falta de caráter é prejudicial, pois espalha falsidades com o nome de verdades ou nos dá uma pobre verdade às custas de coisas grandiosas, que nos fora bem mais grato conhecer completamente.

"Até hoje o mundo acreditava no sentido épico duma Lucrécia, de um Mucius Scaevola e agitava-se e entusiasmava-se por eles. Mas eis que vem agora a crítica histórica e diz que tais personagens nunca viveram, e que não passam de ficções e fábulas criadas pelo alto espírito dos romanos. De que nos serve, porém, uma verdade tão pobre?! Se os romanos foram suficientemente grandes para efabular tais coisas, devemos também ser pelo menos tão grandes que nelas acreditemos.

"Até hoje tinha sido para mim sempre um prazer acreditar num episódio do século XIII, aquele em que o Imperador Frederico II, tendo tido de tratar assuntos com o Papa, deixara a Alemanha do Norte aberta a incursões inimigas; hordas asiáticas penetraram nela e chegaram até a Silésia; mas o Duque de Leignitz derrotara-as completamente. Os asiáticos dirigiram-se depois para a Morávia, mas foram aí batidos pelo Conde de Sternberg. Estes heróis viviam na minha imaginação como os grandes salvadores da Nação Alemã. Mas agora vem a crítica histórica e diz-nos que estes heróis se sacrificaram inutilmente porque o exército asiático retiraria em breve e se afastaria por si próprio. Assim se reduz ao nada um grande episódio patriótico e ficamos desolados por completo."

Depois destas opiniões sobre críticos da História, Goethe falou acerca de investigadores e escritores doutra espécie.

"Nunca teria conhecido a miséria dos homens e sabido como poucos se preocupam com os grandes objetivos", disse ele, "se não tivesse feito a prova com os meus estudos de ciências naturais. Reparei que para a maior parte deles a ciência só importa como modo de vida e que adoram até o erro desde que à custa dele possam viver.

"Com as Belas Letras o caso não é diferente. Também nelas os grandes ideais e o sentido puro do que é verdadeiro e bom e o desejo de expansão destas coisas raras vezes surge. Elogia-se e suporta-se um segundo, porque se quer ser também suportado e elogiado por ele, e a verdadeira grandeza não importa a estes literatos que até gostariam de a extinguir do mundo, justamente para que eles pudessem conseguir a importância que não têm. A massa geral é assim, e os que dela sobressaem não são muito melhores.

"A. W. von Schlegel poderia ter sido muito importante dado o seu gênio e erudição enciclopédica. Mas a sua falta de caráter não permitiu que a nação recebesse a extraordinária influência dele nem que lhe desse a atenção devida.

"Precisamos de um homem como Lessing; donde vem a grandeza deste senão do seu caráter e de sua constância! -- Homens tão inteligentes e tão cultos como ele há em quantidade; mas onde há um caráter desta natureza?

"Há muitos homens inteligentes e bastante sabedores, mas simultaneamente tão cheios de orgulho que gostam de se fazer admirar pelas massas de curta visão como pessoas espirituosas, e não se envergonham nem se temem de nada, nem consideram coisa alguma sagrada.

"Por isso tem muita razão Madame Genlis quando protesta contra as liberdades e gracejos de Voltaire, pois, em boa verdade, por muito cheios de espírito que sejam nenhuma melhoria trouxeram ao mundo e nada sobre tal fundamento se pode construir. Antes, pelo contrário, pode ser bem prejudicial, porque desnorteia os homens e lhes tira o apoio indispensável.

"E para mais -- que conhecimento alcançamos, e que objetivos conseguimos com todos os nossos motejos?!

"O homem não nasceu para resolver os problemas do mundo, mas sim para investigar a que importa o problema e parar logo nos limites do que é compreensível.

"Medir os problemas do Universo não é coisa permitida às suas faculdades e querer trazer ao mundo razão é para as suas possibilidades trabalho em vão. A razão dos homens e a razão de Deus são duas coisas muito diferentes.

"Quando defendemos a liberdade do homem fazemo-lo sob a égide da omnisciência divina, pois visto que Deus sabe o que eu farei, terei de proceder como ele sabe.

"Digo isto só como sinal do pouco que sabemos e de que se não deve tocar nos segredos divinos.

"Devemos também só exprimir pensamentos superiores que tragam bem ao mundo. Os outros devemos conservá-los para nós, e devem iluminar aquilo que fazemos com um modesto raio de Sol, quando se vai esconder no poente."

Friday, October 06, 2006

O que você vai ser quando crescer?

Geralmente, quando somos pequenos, gostam de nos perguntar assim: “O que você vai ser quando crescer?” São tantas as opções que às vezes não damos uma, mas várias respostas.

Minha lembrança mais remota de quando me fizeram esse tipo de pergunta é da época do meu judô. Já faz um belo tempo. Acho que eu tinha por volta de uns sete anos. Foi quando o professor Ary, um desses sujeitos brincalhões que não perdem a oportunidade de uma distração, pediu para que deixássemos os tai otoshis e ippon-seoi-naguês de lado e disséssemos o que queríamos ser quando crescêssemos. Cada criança, sentada que nem japonês no tatame, foi dando a sua resposta, até chegar a minha vez:

- E você, Cassiano, o que vai ser quando crescer?
- Astronauta, pipoqueiro ou motorista de ônibus!

Ele achou uma graça danada das minhas respostas. Eu havia respondido quase no automático, parecido com a vez em que me perguntaram, dia desses, qual era, na minha opinião, a mulher mais bonita:

- E para você, qual é a mulher mais bonita?
- Monica Bellucci, Ava Gardner e Audrey Hepburn!

Parece que gosto de responder uma pergunta com variantes desde pequeno. Não faço muita idéia do que diria se me perguntassem o mesmo quando era pequeno. Mas me arrisco a cogitar uma opção:

- Mocinho, qual é a mulher mais bonita do mundo?
- Mamãe!

Só quando a gente cresce mais um pouco é que começa a entender que mãe, tia, prima, esposa e filha são modalidades de um tipo de ser: a mulher. Mesmo quando estamos mais grandinhos, às vezes esquecemos dessa constatação óbvia e que tem várias conseqüências importantes. Mas naquela época eu era pequeno demais para ser magnetizado pelos encantos do belo sexo. Mamãe era a mulher mais bonita do mundo.

Acho que o professor chegou a fazer algumas perguntas sobre como é que eu ganharia dinheiro com aquelas profissões... ou será que me perguntou como é que eu faria para ser astronauta no Brasil? A memória agora me trai. É certo que considerações de ordem monetária jamais passaram pela minha cabeça quando respondi, como de certa forma não passaram quando coloquei os pés na faculdade de História, o que já faz parte do passado e é outro assunto.

Dizem que quase toda criança um dia já quis ser astronauta. Pelo menos o meu caso confirma. Na verdade, eu ora dizia que queria ser astronauta, ora dizia que queria ser cientista. Antes que o leitor pergunte que tipo de cientista, respondo que eu não fazia a menor idéia. Que eu me lembre, para mim cientista era um sábio que ficava num laboratório fazendo experiências, cercado por um monte de instrumentos, líquidos coloridos e ajudantes, sempre descobrindo alguma coisa nova. Ele adorava (presumia eu) misturar as substâncias mais díspares (e coloridas) possíveis, sempre descobrindo uma terceira a partir das duas anteriores. Nesse sentido, acho que o que eu entendia por cientista era na verdade um alquimista. Corrobora a hipótese o fato de eu vez ou outra misturar o que havia no banheiro para ver o que acontecia. Por exemplo, eu pegava pasta de dente, xampu, misturava com talco e pingava umas gotas de água, esperando surgir bem diante de meus pequeninos olhos algum fenômeno assombroso jamais visto antes. Como estranhamente nada acontecia, eu várias vezes mudava a proporção das substâncias empregadas no experimento, supondo que a causa do erro fosse a dosagem errada. Às vezes menos talco, outras vezes mais, outras tantas uma quantidade diferente de xampu e água... O máximo que constatei foi o surgimento de uma pasta de cor estranha na pia do banheiro e com cheiro e gosto igualmente esquisitos. Sim, é verdade: além de tudo, eu era cobaia dos meus próprios experimentos, como da vez em que tive a ingrata idéia de meter o dedo na tomada para saber o que aconteceria. Infelizmente, com exceção do choque causado durante o teste da tomada, a natureza jamais se manifestou ante as minhas provocações, e acabei abandonando a vocação devido ao tédio e ao orgulho ferido. A ciência jamais terá noção do talento que perdeu por causa de seus caprichos.

Quanto a ser pipoqueiro, era evidente que eu queria é comer pipoca. Jamais levei em consideração questões de ordem econômica a fim de saber como é que raios eu iria ganhar dinheiro consumindo toda a mercadoria. E se eu levasse tais preocupações em consideração, certamente eu seria uma criança deveras anormal. Outra coisa que me levava a cogitar a respeito desse emprego era o intrigante carrinho de pipoca. Ele me parecia meio misterioso. Aquela produção incessante de pipoca me dava o que pensar. Como aquele carrinho produzia sempre pipoca? Por analogia, eu também cogitava com meus botõezinhos acerca da existência de carrinhos de outras comidas. Todas, é claro, gostosas. Quem é que ia querer saber de um carrinho que fabricasse incessantemente fígado ou língua de boi? Eu me perguntava se haveria algum que produzisse pizzas. Como eu nunca encontrava carrinhos desse tipo, mas cansava de ver os de pipoca, me parecia muito correto que o único tipo de comida que podia ser feita por um carrinho era a pipoca, embora as razões desse fato não me estivessem acessíveis. Ora, sem querer me gabar, o leitor talvez tenha percebido que eu aplicava certa metodologia científica nesse caso, embora ela fosse meio capenga, já que eu me lixava para a teoria explicativa sobre a existência dos carrinhos de pipoca em detrimento dos de pizza. Eu só recolhia dados. Se acaso o leitor for pesquisador, talvez possa formular alguma teoria a respeito e explicá-la para as crianças. Me furto a tão trabalhoso exercício porque agora estou preocupado tão-somente em relatar quais eram as minhas vocações mais antigas.

Falei do pipoqueiro e do astronauta/alquimista. Contudo, a profissão que eu gostava mesmo era de motorista de ônibus. Eu achava a coisa mais legal do mundo ficar passeando para lá e para cá de ônibus. Eu disse “passeando”? Porque, na verdade, eu ficava é imitando o motorista. Gostava tanto de andar de ônibus que fazia questão de sentar naquele banco mais perto do motorista só para vê-lo dirigindo. Quando ele girava o volante, eu fazia um movimento semelhante no apoio em frente ao banco. Quando ele abria a porta para os passageiros, eu fingia que apertava um botão. Até o barulho da porta eu imitava, fazendo um TSSSHHHhhh! quando ela abria ou fechava. Os motoristas gostavam de mim. No ponto final eu era o primeiro a entrar. Mas tenho de confessar uma coisa. Que me perdoem os simpáticos motoristas, mas era eu quem dirigia os ônibus. Os motoristas eram só ajudantes que me substituíam quando eu tinha de ir embora. Era um emprego tão bom que eu labutava voluntariamente. Se eu exigisse hoje honorários não pagos, o sistema de transporte público do Rio de Janeiro entraria em colapso.

Eu gostava tanto de ônibus que uma das brincadeiras minhas prediletas era pegar um monte de carrinhos, colar neles o itinerário de todos os ônibus que eu porventura lembrasse e sair brincando pela casa como se ela fosse a cidade inteira. Eu era bastante criterioso. Passava não sei quanto tempo escrevendo quais eram os pontos finais de cada um dos ônibus, colava o itinerário na frente e ao lado dos carrinhos com fita durex, não permitia que os que transitavam em bairros diferentes se encontrassem (por exemplo, o 456 ficava no quarto e o 574 na sala), tentava, na medida do possível, casar as cores dos carrinhos com as das viações (se os passageiros vissem um 401 amarelo, poderiam confundir com o 170)... ah sim, e fazia questão do TSSSHHHhhh! Eu abstraía as ruas a partir do chão de tacos do meu antigo apartamento. E assim eu passava um tempão distraído, sendo uma espécie de secretário dos transportes públicos especializado em tráfego de ônibus.

Confesso ao leitor que até hoje nutro alguma simpatia por esse tipo de transporte, embora não faça mais os TSSSHHHhhh! quando a porta abre e fecha, nem fique ao lado do motorista imitando-o, até porque se eu ainda fizesse tal gênero de coisas, certamente seria considerado uma pessoa excêntrica ou debochada – ou bêbado, maluco, ou ambos. E só para constar, não tenho mais vontade de dirigir ônibus. Também nunca tive muita vontade de aprender a dirigir carro ou moto. Me contento em ir andando sempre que posso de um canto a outro. Dependo sempre de condução, embora o horário do ônibus e o conforto da viagem não dependam nenhum pouco da minha vontade. Logicamente um carro poderia ser vantajoso, mas digamos que ainda não surgiu a necessidade de ter um.

Se a vontade de dirigir um ônibus desapareceu, como desapareceu a vontade de ser pipoqueiro, ainda que eu continue gostando de pipoca, a simpatia pela ciência permaneceu. Mas permaneceu hibernando, por assim dizer. Porque se a minha vocação me levou para um outro rumo, nunca cheguei a desgostar dela. A cada dia que passa mais tenho gostado da ciência. Admito, contudo, que hoje em dia o seu encanto é diferente. Não acho mais uma coisa tão monstruosamente impressionante como achava quando tinha sete anos. Ainda que eu tenha nascido ontem, nesse pouco tempo de vida venho percebendo que sábio e cientista só de vez em quando se encontram. Mais: é meio difícil encontrar um intelectual inteligente. Às vezes encontramos um sujeito inteligente que não é intelectual, outras vezes um intelectual nada inteligente, e chegamos até a encontrar muitos que manifestam a tolice mais rasa, pois mesmo a tolice tem alguma profundidade. Não me pergunte o leitor a razão, mas hoje em dia é corriqueiro observar a burrice trotando onde há intelectuais, principalmente em seu principal celeiro: a universidade. Em todo o caso, já passei dos ingênuos tempos em que acreditava que cientista era sinônimo de sábio e ciência de sabedoria. Sem querer menosprezar a ciência e sem querer dar um testemunho público e ridículo de amor-próprio, eu diria que ela parecia muito grande porque eu era muito pequenininho. Agora que cresci um tantinho, ela não me parece mais tão grandona como antigamente. Justamente por eu crescer um tantinho, passei a ver certas coisas que meu diminuto tamanho não me permitia.

Depois de pensar em ser astronauta-cientista-alquimista, pipoqueiro e motorista de ônibus, o que mais eu gostaria de ser quando crescer? Ah, se eu puxasse pelo fio da memória, é provável que surgissem outras opções sem parar. É como fusca de palhaço: sai gente sem parar. Essas recordações, no entanto, não deixam de ser aparentadas com a senhorita melancolia, porque apresentam uma série de Cassianos postos de lado com o passar do tempo em prol deste aqui que vos escreve, leitor. Onde será que está o Cassiano motorista de ônibus? E o pipoqueiro? E o motorista de ônibus? Para onde foi toda essa gente? Ou será que estão todos aqui, dormindo, só hoje exigindo direito de se expressar, meio sonolentos? Deixemos essas especulações existenciais para outro instante, até porque este Cassiano atual quer fazer outras coisas da vida. E tenha um bom dia.

Tuesday, September 26, 2006

Duendes atacaram meu PC, mas em troca dou piparotes

Sim, é verdade: duendes estão atacando meu PC. Agora mesmo vi um desses infelizes se escondendo atrás da torre, porém quando fui acender a luz já era tarde demais. Parecem o Batman com essa mania de desaparecer de repente. Gente extremamente mal-educada ("sem humanidade alguma nem conhecimento da vida civil", diria Cícero). Como se já não bastasse o fato de terem acabado com meu mouse. É um inferno mexer no PC sem o mouse, mas a necessidade nos obriga a aprender. (Na verdade, em circunstância assim, se a necessidade fosse realmente tão necessária ninguém aprenderia nada. Isto até que dá um bom post, mas deixemos por enquanto de lado.)

Esses dois últimos anos foram de reformulações forçadas. O monitor, aparentemente com problemas, me forçou a comprar um novo. Em seguida a placa-mãe pifou. Depois, nem mouse nem teclado serviam para a nova placa-mãe. Algum tempo depois tive de comprar outra placa-mãe. Aí o HD fez questão de pifar. Por último, há dois dias o mouse morreu. Tudo isso num intervalo de menos de dois anos. Em homenagem ao mouse, vou depois escutar algum réquiem, sim, a ele, assassinado por duendes, duendes homicidas!

O mais estranho é que não em poucas vezes de repente me pego tateando bem ali onde ficava o mouse. Sinto saudade do amiguinho.

Se minha preguiça deixar, amanhã (digo "amanhã" porque muito embora hoje já seja terça, meu dia oficialmente só termina quando durmo e começa quando acordo, de modo que meu calendário se desvia ligeiramente do calendário comum, o que talvez me faça ser uma espécie de super-homem das datas - übermenschenkalender), digo, amanhã ou quarta compro outro. E por falar em preguiça, compartilharei com o leitor um dos meus maiores temores. Ei-lo: ser abraçado por um bicho-preguiça. É verdade. Eu, o übermenschenkalender, sinto temor e tremor só de pensar nessa criatura. Aquele seu modo vagaroso parece dissimular algum embuste. Ela parece ardilosa. Associo a um capanga do Fu-Manchu. Não me perguntem a razão dessa extravagância. Mas não é por isso que temo aquele animal. É que não lembro onde ouvi dizer que se esse bicho te abraçar, cravará as unhas em ti e só te soltará se cortarem seus braços. Que coisa angustiante! É por isso que achei no mínimo uma temeridade quando vi um sujeito perto de uma preguiça em um comercial que agora não lembro mais qual. Aliás, já percebeu o leitor que toda a idéia que tentamos relembrar mas que toda hora nos escapa tem algo de feminino? A mulher, a boa mulher, tem algo de esguio, de fugidio. Algumas exageram até demais. Outras de menos. O curioso é que geralmente a mulher cujos traços parecem mais ariscos tem a tendência de ficar com os homens mais prosaicos. Geralmente as pessoas pensam que é por uma equação monetária que elas se casam com homens assim. Na verdade, tais pessoas trocam a conseqüência pela causa. Mas... isto é assunto também para outro post.

Enfim, escrevo essas coisas todas para demonstrar a vocês, duendes, que não os temo, por mais homicidas que sejam, por pior que seja a aparência de mata-mouros que possuam. E se não gostarem desse meu destemor, então digo como dizia o bom escritor: piparotes!

Saturday, September 23, 2006

O aborto ou: por que política em excesso é ruim?

Meu computador já está bom. Aliás, está bom faz um tempinho. Resolvi tirar férias do blog. Coincidentemente, acabei retornando junto com a Primavera. Que interessante acaso, não? De todo modo, se o leitor tiver se sentido ofendido por tamanho desleixo de minha parte, peço sinceras desculpas.

Na verdade, ninguém que se ocupa de escrever e ler, mesmo que de um modo tão amador, pode dizer que está de férias. Porque coisas desse tipo são feitas justamente quando o tempo está vago, isto é, nas horas de descanso e quando o homem está apenas consigo mesmo. Um homem que realmente lê tem necessidade de ler. Daí que se ficar mais de três dias sem pegar em algum livro já começa a sentir um progressivo desconforto. Chega mesmo a se considerar mais próximo da burrice. E a diferença do sábio para o tolo, como já dizia Ortega, é que o primeiro se vê a dois passos da burrice, concentrando todos os seus esforços para dela se afastar. O tolo é narcisista, compraz-se consigo mesmo, ignorando o que há além de sua visão míope. O tolo, portanto, passa uma calma e tranqüilidade quase invejáveis.

Eu queria dizer outra coisa (caso o diacho do mosquitinho que está me infernizando deixe). A inspiração vem do comentário do post abaixo, onde um gentil anônimo citou parte de um texto recente do Olavo de Carvalho sobre o aborto.

Por esses últimos dias tenho atazanado amigos por e-mail sobre o perigo de elegermos Lula e Jandira Feghali, candidata ao Senado no Rio de Janeiro pelo PC do B. Ambos venderam suas almas para implementar o aborto no nosso país. Talvez o leitor conheça melhor minha posição porque escrevi sobre o aborto faz um tempinho aqui mesmo no blog. Mas não é sobre isso que quero comentar agora. É que me espanta a violência da atual circunstância brasileira. Ela é de tal modo ensandecida que um sujeito como eu, que não sente o mínimo prazer em discutir sobre política, de repente se vê na obrigação de dizer alguma coisa a respeito. E não só uma vez, mas reiteradas vezes.

Há certas ocasiões onde é preciso agir politicamente. Mas a peculiaridade de nossa época é que somos obrigados a viver permanentemente sob a tutela política, queiramos ou não. Somos como guardas de uma fortaleza assediada constantemente. Isso é um indício de um mal pior. Porque a política não é uma necessidade. Ela não pertence àquele último estrato para o qual as nossas energias se dirigem em busca do sentido da vida. A política é algo prosaico demais para se prestar à satisfação das ansiedades mais profundas que temos. Quando ela se converte em necessidade, em componente integral de um impulso profundo, há necessariamente um falseamento da vida. Questões de grande gravidade continuam a existir, porém sem tratamento adequado. Tudo é compreendido de modo torpe, quer dizer, apenas tendo como finalidade o lucro político. Já falarei sobre a falsidade intrínseca disso. O cúmulo é a politização radical da vida e até da realidade.

O que é mais triste é a aridez mental que a política pode provocar nos jovens. Há idades para tudo. Quem é novo não deve empregar suas principais forças em algo desse tipo. Primeiro, como já disse, porque não é algo imprescindível. Segundo, porque a política é apenas o desembocar de mil e uma atividades precedentes. Antes de buscar a reforma de todas as coisas, temos de nos preocupar com o nosso próprio interior. Mas o que ocorre é que nós jovens somos estimulados a buscar a modificação de todas as coisas. Primeiro se cria uma atmosfera de indignação ante o atual estado das coisas. Depois vem a excitação da vontade de modificar tudo. Então a gente age de modo estabanado, podendo permanecer assim para o resto de nossas vidas. Fechamo-nos tão só para esse aspecto, ignorando solenemente os demais. Mais de um jovem de talento se perdeu nesse afã ensandecido.

Talvez para a política valesse o mesmo que para a filosofia segundo o velho adágio primum vivere, deinde philosophari, primeiro viver para depois filosofar. Trocar os pés pelas mãos nessa situação significa apenas se ater a um palavrório destituído de significado. É ser seduzido pelo encanto que as palavras por si evocam, sem se ater realmente para o conteúdo. Essa é a máquina por excelência da destruição da inteligência e do analfabetismo funcional. O maior e mais flagrante exemplo disso é o problema do aborto. Pessoas como nosso presidente e a candidata ao Senado correm para legislar acerca do direito de vida ou morte que a mãe pode ter sobre seus filhos. Suponhamos que não sabemos se realmente o feto é uma pessoa. Há um problema filosófico para ser resolvido, porque não é da alçada da física nem da biologia. Essas ciências nobres apenas resvalam sobre esse tipo de problema. A virtude delas está precisamente em cumprir bem seu papel, ainda que nada possam dizer sobre questões mais tipicamente humanas. E antes disso há o problema fundamental da escala de valores, que implora também um tratamento filosófico adequado e diferenciado. Antes de nos atirarmos nessa aventura, antes é necessário algum virtuosismo interior. Quero dizer com isso que é necessário todo um treinamento que fortaleça nosso interior a fim de que, uma vez devidamente organizado e preparado, comece a alçar vôos mais altos, da mesma forma que a tensão enorme do arco permite que a flecha voe mais distante. Nada disso provém de questões utilitárias, e a política é o utilitário por excelência. O problema do aborto é discutido na maior parte das vezes tão somente tendo como base questões utilitárias. Ora, questões dessa natureza sempre buscam adaptar a coisa discutida segundo os meios propostos. Isso nada mais é que falseamento. Porque o objeto não é visto em si mesmo, mas segundo alguma conveniência. O que lhe é exterior lhe força a se transformar em algo diverso de si mesmo e mais próximo do que é exterior. O problema todo da discussão do aborto é precisamente esse: parte de um falseamento radical. É tratado sob um ponto de vista eminentemente utilitário, ou, em outras palavras, eminentemente político. Daí que a discussão seja viciada intrinsecamente e que aparentemente não tenha mais fim.

O presidente e a candidata ao Senado fizeram desse falseamento radical a razão de suas vidas.

É por isso que a política acaba se convertendo em algo terrível para o jovem. Ele acaba se apressando em julgar as coisas sem antes ter tido o devido desenvolvimento, ou melhor, amadurecimento de certas faculdades que, após milhões de giros, desembocarão só acidentalmente na política. E a pior coisa que pode haver para a educação dos jovens é comprometer suas almas desde a raiz na falsidade. Todos os erros subseqüentes (e haverá muitos, em progressão geométrica) surgem desse erro primordial.

O próprio Platão tinha toda a cautela para a formação de seu político, chegando ao cúmulo de propor que só os filósofos deveriam reinar. O mesmo filósofo também dizia que a própria dialética não era assunto para jovens com menos de 25 anos: para eles, ginástica e ginástica. Platão parece ter compreendido bem o espírito juvenil. Que dizer de nossos políticos, que insistem em criar em seus partidos núcleos que absorvem o que há de melhor nos jovens, dando-lhes em troca um deserto espiritual?

Já me alonguei demais e já toquei em assuntos que saíram até demais do tópico do texto. Fica aqui, depois de voltas e mais voltas, meu gemido. Espero ansiosamente que chegue logo o dia em que possamos sossegar nosso facho da política.


***

Dei uma revisada muito au passant no texto. Achei que haveria lugar para um outro assunto, pois tem alguma relação com o que escrevi. Vejamos rapidamente umas três ou quatro palavrinhas sobre a democracia.

Há regimes que simplesmente descuidam da opinião do povo. Há outros que transformam a opinião do povo na mais tacanha tirania. Entre os dois extremos, isto é, entre o enorme desleixo e a enorme opressão, suponho que a democracia seja o meio-termo ideal. Pois ela tempera todos os homens para um saudável comprometimento político. As pessoas nem são deixadas ao Deus-dará, nem são completamente absorvidas pelos afazeres políticos. Elas não precisam ser politizadas até a medula num regime deste tipo, e isto é muito bom. A política tem o seu devido reconhecimento, o que equivale a ter seus limites próprios claramente dispostos. Além disso, de modo geral, a democracia acaba exigindo uma maior responsabilidade das pessoas para os assuntos em comunidade.

Esses rápidos apontamentos que mencionei sobre a democracia pressupõem muitíssimas coisas. Não interessa para nós agora todos os seus pressupostos. Quero apenas chamar a atenção do leitor para este ponto importante: que a democracia não tem uma natureza por si mesma, não é um antes de mais nada, porque é produto de muitíssimas outras coisas. Sua existência é precária por natureza. Daí que não é lícito sermos antes de tudo democratas. Seria ridículo, tão ridículo quanto se fôssemos antes de tudo botafoguenses.

A mais imporante aplicação prática deste princípio, segundo o qual aquilo que é secundário e precário dependende daquilo que lhe é anterior e mais estável, pode ser mais ou menos resumida assim: de nada adiantará nos atermos a certas formalidades se elas não têm qualquer força que lhes dê vida interior. Voltando ao caso da democracia, eu diria que o Parlamento, o Ministério e o voto popular na verdade são como uma espécie de signos. Eles são manifestações visíveis de algo que não é palpável, de uma idéia. É essa idéia que lhes dá vida e sentido. Se por um acaso há uma dissociação entre essa idéia e seus signos correspondentes, estes começarão a não mais fazer sentido e por fim morrerão. Daí que a defesa da democracia não se dá apenas com a preocupação com o Parlamento, com o Ministério e com o voto popular. Há muitos exemplos de tiranias que mantiveram tudo isso. Só que o espírito por trás era completamente outro. Os imperadores não aboliram o Senado. O próprio Hitler manteve deputados e periódicas consultas populares. Tornaram-se meras sombras, alusões a algo que ninguém mais entendia direito. Este é o caminho melancólico de muitas coisas do homem. O que antes esbanjava vitalidade acaba esmorecendo e só permanece como fetiche. É precisamente este um dos maiores perigos da democracia, cujos efeitos já podem ser notados há bastante tempo. Ela vem se tornando um enorme fetiche, uma espécie de fórmula mágica que ninguém entende direito mas que produz um agradável encantamento.

Infelizmente o assunto terá de ser deixado de lado meio que abruptamente. Peço desculpas mais uma vez ao bondoso e paciente leitor. Estou com um sono terrível (são agora 5h17 e estou bem mal dormido). Além do mais, este assunto é bem complicado. Quem sabe se um dia o retomo mais decentemente? Até, leitor, tenha um bom dia.

Wednesday, August 23, 2006

Variados

Meu PC, para variar, está ruim. Vai de novo para o conserto. Portanto, sabe-se lá Deus quando vou escrever aqui de novo. Mas como ele aparentemente me deu hoje uma bela folga, vou aproveitar, muito embora eu saiba do perigo que é cantar vitória antes do tempo.

***

O perdão. O leitor já parou para pensar nessa prática admirável? Através do perdão nossos erros são apagados. O pecador se torna inocente. O ódio e o ressentimento se convertem em amor. O inimigo se torna leal companheiro. Tudo, tudo isso através dessa simples idéia: o perdão.

É verdade que se tal é pecado, conseqüentemente tal será a penitência. Se gravíssimo o pecado, pesadíssima a penitência. E isto é belo. Porque não há mal tão grande que não seja passível de cura, exceto um: ter fé na impossibilidade de ter fé. Em outras palavras: ignorar clamorosamente a possibilidade de ser salvo. Ora, o perdão é um excelente indício de nossa liberdade. Negar o perdão é negar a liberdade e o amor. É o pior mal que há, o único que não é passível de perdão, como não poderia deixar de ser.

E eu diria ainda mais. Dizem que fazer um cego enxergar é um milagre. Dizem que trazer à vida um morto também é milagre. Que dizer então de apagar a mancha do erro do espírito? Alguém comete um erro e apenas com perdão e penitência se redime: não é isto admirável? Você se virar para alguém e desculpá-lo, e então realmente a culpa se extinguir, isso tudo não é sublime? Os santos praticam milagres mais vistosos, mas também fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Temos algo de santo em nós. E prova disso é justamente isso: praticamos milagres o tempo todo, porque apagamos os erros alheios, enquanto quem apaga os nossos é Deus. E tão natural é essa santidade que nem notamos a sua enorme gravidade. Feliz quem pratica o bem como respira, tão naturalmente que nem percebe.

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Estou noivo!

Se por um acaso o leitor se lembrar, há tempos atrás eu disse que me casaria com a leitora que me desse um livro de Gustavo Corção chamado Dois Amores, Duas Cidades (se fosse um sujeito que mo desse, apenas um aperto de mão bastaria). Pois não é que uma simpática amiga me deu o bendito livro? Sim, esse livro, que procurei em todos os cantos que pude conceber, armado como cavaleiro e lutando contra dragões. Não pude tomar castelos mas também não perdi minhas armas, o que foi, confesso, um resultado bem medíocre. A moça, pelo contrário, com discrição feminina típica, rapidamente o encontrou e generosamente mo ofereceu. Isto prova que as mulheres têm uma capacidade inata de desperdiçar menos energia que nós homens de boa vontade. A mulher é mais prosaica - uma de suas glórias, e que o leitor inteligente, portanto, não interprete mal minhas palavras.

Espero que meus agradecimentos estejam gravados na alma da boa moça - e mais ainda gostaria de agradecer, se possível. Que fiquem eles também registrados aqui no blog. Porém... palavras gravadas no espirito valem mais que em bronze, se é que eu poderia dizer que escrever neste blog é como gravar minhas idéias em bronze.

***

Meus amigos, acho que a tragédia da educação é não sabermos nem quais são aqueles primeiros princípios que movem a nossa alma para o saber. Você não saber português, matemática ou biologia é uma coisa. Isto pode ser remediado de uma forma ou de outra. O problema é quando teu espírito não foi bem preparado para que você esteja apto à dedicação do saber.

Se tua alma não foi preparada, dê graças a Deus se pelo teu engenho natural você ainda consiga aprender. Mas antes dê maiores graças a Deus, porque você foi provido de algo raro. Talvez eu pudesse até mesmo dizer que foi um golpe de sorte. E mesmo quem tem engenho natural necessita de exercícios constantes. Ora, eu te pergunto: que exercícios você aprendeu sobre como se deve aprender? Meditação, humildade, solidão, ligação entre o saber e a vida... Até que ponto você aprendeu a respeito dessas coisas? Ser uma pessoa voltada ao estudo não é esse oba-boa de entrar na escola e depois fazer faculdade.

Pensava sobre isso enquanto folheava o Disdacálicon - A arte de ler. Obra de Hugo de São Vítor, antiga de uns 900 anos e atual, pois verdadeira. Disse ele logo na primeira parte que basicamente o estudante precisa saber o que ler, a ordem que se deve ler e, por último, como ler. Mas não só isso. O espírito precisa estar preparado. Então Hugo de São Vítor indica vários preceitos necessários para o estudante, alguns dos quais já citei por alto: Ser humilde, dedicado, bom de memória, dedicado à pesquisa, meditativo, ter boa conduta, etc. São esses alguns dos preceitos para que alguém seja um bom estudante. Talvez seja possível resumi-los não muito erroneamente assim: é uma certa disposição de ânimo que pode (ou não) nos ajudar no estudo.

Nossos estudos estão entre Caríbdes e Cila. De um lado são praticados com fins utilitários. Do outro, para fins políticos. Como então seria possível salvar nossos estudos e conseqüentemente nossas inteligências sem que naufragassem nesse oceano de imposturas?

Pelo que estou vendo, ler Hugo de São Vítor já é um bom caminho.

***

Sou atrasado em tudo. Quando comecei a jogar Civilization III, já haviam lançado o seguinte. Quando comecei a ler contos fantásticos, já era burro velho. Justamente agora, quando comecei a me animar em ter um bloguinho, um monte de ótimos blogs foi acabando. E um atrás do outro. Agora foi o caso do César Miranda. Isso é muito ruim. De qualquer modo, foi bom lê-los porque serviu como exemplo de como tem gente boa escrevendo por aí. Do jeito que digo parece até que não sobrou mais ninguém, o que é totalmente falso. Mas parece que muita gente foi tomando desgosto da coisa. Só espero não ser o último marido a saber das escapulidas da minha mulher, embora seja preferível que ela se mantivesse fiel.

***

São quase 3h30 e alguém colocou uma música altíssima. Não era ruim, era só meia-boca. A questão é a seguinte: por que nunca ninguém coloca música alta que seja boa? O leitor já reparou que toda a música que colocam para tocar naquelas caixas de som de carro são horríveis? Lembro que foi assim que ouvi pela primeira vez a Eguinha Pocotó. Por que nunca ouvi assim pela primeira vez um quarteto de cordas? Nunca ouvi alguém aos berros recitando Fernando Pessoa no meio da rua. O barulho na verdade apenas indica o quão desprovido de bom-gosto o sujeito é. É como se gritassem que ele é um barnabé com sua aprovação tácita.

***

(Dessa vez será meu último arrazoado, prometo. E me despeço por antecipação do leitor, bom dia.)

Dia desses eu estava vendo um filme onde um casal transava. Transar chega a ser eufemismo, porque era uma sacanagem danada que só. Estranhamente, o que me chamou atenção foi o fato de a mulher usar um cordão com uma cruz. Minha primeira reação foi achar aquilo horrível, porque indicava falta de respeito. Pensei depois um pouco melhor. Ainda continuo achando aquilo uma falta de respeito, mas não deixava de ser algo simbólico. São Paulo já disse uma coisa que Homero, se fosse cristão, alcunharia de "palavra alada". O Apóstolo afirmou que onde abunda o pecado, superabunda a graça. Belíssima frase! A cruz no peito da moça me fez lembrar disso. Ainda que pequemos, ainda assim há a possibilidade de perdão. Deus foi crucificado justamente para nos salvar. Portanto, não há erro tão grave que não seja passível de perdão, exceto aquele que já mencionei mais acima. Mesmo naquela cena onde a falta de respeito à religião mais do que sobrava, aquela cruz tão pequenina e que estava servindo de motivo de escárnio poderia servir como ponte para redenção. A marca da salvação estava ali. O problema era ignorá-la. De qualquer forma, a possibilidade da salvação foi oferecida. Mas sou o último a querer repreender alguém. Foi minha excessiva boa vontade que me fez escrever essas coisas, talvez salpicada com um poquinho de sono.

Friday, August 04, 2006

Comentário ligeiro sobre a opinião

Atualmente Israel está em guerra contra o Líbano, conforme aqueles que têm a paciência de ler um desses jornais chatíssimos sabem. E mesmo que você não quisesse saber de nada, acabaria sendo obrigado a ouvir alguma palavra a respeito.

Esse tipo de obrigação é um mal, em certo sentido, pior que a guerra, porque você é tratado feito escravo e retardado.

Mentes esclarecidíssimas acham que temos de saber algo? Então temos de aceitar. E se não quisermos? Bem, se houver resistência, você será forçado ainda mais a saber. Você sabe aquilo que acham que você deve saber, ponto. Essa obrigação é de tal modo bizarra que muitas vezes somos nós mesmos que nos sentimos obrigados a ter uma opinião. Isso lembra aqueles mecanismos de controle de mentes no estilo de 1984. Agora bem: ninguém é obrigado a ter opinião.

Como somos atacados constantemente pelos jornais e suas inúmeras notícias, acabamos nos sentindo, quase intuitivamente, capazes de dizer alguma coisa sobre um assunto qualquer que está a léguas de nosso real interesse e entendimento. Ainda que não houvesse tantas informações em jornais, o simples fato de termos sido alfabetizados nos levaria a ter alguma posição sobre uma série de coisas. O problema é que esse esquema faz com que o sujeito só sirva como retransmissor do que foi dito. É como age o povo. Porque ele é como um sino: quando chocado pelo badalo, repica. É esta uma das características principais do povo, a retransmissão de idéias quando atiçado. Só assim, quando elas estiverem bem espalhadas, haverá como empreendê-las. Todas as loucuras no mundo tiveram início nalgum cômodo gabinete.

A educação, neste esquema, é um paradoxo esquisito. Quanto mais gente passa pelas escolas, maior é o número de gente desinformada. Chegamos então na estranha situação onde uma quantidade inacreditável de gente fala demais sem dizer nada. Suas palavras não têm corpo nem conseguem pisar no chão. É o campo predileto da fantasia, ou melhor, do reino do disparate. Ele surge quando uma quantidade descomunal de pessoas se sente obrigada a dizer alguma coisa sem conexão com os fatos ou com seus próprios interesses. As pessoas falam só por falar, cada um contribuindo com seu quinhão para a poluição de idéias. Nessas circunstâncias, o trabalho de quem quer realmente ter uma opinião sincera, pessoal, se transforma em martírio, porque acaba se vendo obrigado a trabalhar incansavelmente nesse imenso entulho a fim de encontrar uma preciosa pérola.

PS: Quem quiser saber um pouco mais sobre o problema da opinião e da informação, recomendo as seguintes leituras:

1) O Século do Nada, de Gustavo Corção, pp. 119-138 (felizmente podem ser lidas aqui);

2) A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset;

3) a palestra do Prof. Olavo de Carvalho sobre a Educação Liberal.

Sunday, July 23, 2006

Mulheres com quem vale a pena se casar: Selma Blair

Na última sexta-feira passou na Warner Legalmente Loira. O filme era engraçado, mas não vi todo porque calhou que no mesmo horário passava meu tradicional Friday Night Fights. Se o leitor não conhece, é a tradicional noitada de boxe da ESPN de sexta. (Há também o Wednesday Night Fights - ou Miércoles de Combates, dependendo de quem apresenta.) Mas o que me interessou mesmo no filme foi que apareceu uma das moças mais bonitas do mundo. Ela se chama Selma Blair.



Não sei como eu havia me esquecido dela! Vi um filme dela que não me lembro mais qual. Só lembro que ela era uma fumante. Trabalhava acho que numa empresa. Bom, que importa? Ela podia ser até vendedora de caneta no ônibus. Pena que sou duro, porque se dependesse de mim, aqui haveria uma coleção de canetas.

Bom, se o leitor ainda não percebeu, este texto é mais para encher lingüiça. Pois quem lá vai preferir ler um monte de coisas ao invés de ficar olhando para uma das moças mais bonitas do mundo, que é Selma Blair? Compare este post com o de baixo e adivinha qual que mais agrada de cara. E vou colocar agora mais uma foto logo abaixo de uma das moças mais bonitas do mundo, Selma Blair. Você não vai mais esquecer esse nome, não é?




Com essa não vale se casar?





Ok, não resisti. Mais uma aqui ao lado. Só não vale ter inveja, leitora. Admita, tenha bom gosto. Não te esqueça daquela história do belo ter valor trascendental, etc. Ainda mais quando vemos uma das moças mais bonitas do mundo, Selma Blair.

Saturday, July 22, 2006

Senso poético

Nota: O texto é de meados do ano passado, mas eu o reescrevi quase todo hoje.

Em certo post, Ruy Maia Freitas, do ótimo Despoina Damale, disse algo sobre a importância do senso poético. Curiosamente, eu também havia pensado sobre isso, porém em termos um pouco diferentes. Talvez alguém ache até mesmo inusitado o que direi.

Que eu seja cobrado pelo mais empedernido leitor: que raios eu quero dizer? Vou dar um exemplo que parecerá muito, muito idiota, mas não o é – creia em mim. Digamos que eu, ou mesmo você, faça uma troça ingênua sobre determinado assunto, por exemplo o teatro, afirmando que seria menos pior ele não existir a ser cuspido o tempo todo na platéia. Muito bem. Vamos continuar dando asas à imaginação e suponhamos que um sujeito de humor um tanto canhestro, tendo ouvido a troça, resolva logo em seguida explicar passo a passo a grandeza e o esplendor do teatro, cite de cor inclusive a Poética, explique direitinho a história da tragédia, sua relevância para o homem, tudo sem nunca deixar de cobrar exatidão filosofia e quiçá escolástica sobre os conceitos empregados na troça, etc, etc. Ótimo, ninguém duvidaria que quem nos respondesse assim não é uma pessoa de todo mal-informada: quantos seriam aqueles que leram a Poética e algo da escolástica? No entanto, e farei uma comparação com a música, é evidente que houve uma desafinação aqui, porque o que eu – ou você – disse com determinado tipo de espírito, em tom de pura galhofa, o nosso amigo entendeu de outra forma ou não conseguiu manter a conversa no mesmo tom.

Nem discutamos se o sujeito é ou não pedante, ainda que pareça que sim. O problema todo é a maneira com que o nosso caro e suposto amigo encarou a circunstância. Mesmo tendo razão e mesmo tendo o direito de cobrar maiores explicações, o fato é que a situação não exigia de maneira alguma tal tipo de postura. Não sei se o que quero dizer ficará mais claro ou obscuro com a analogia que direi a seguir, mas é como se ele exigisse uma visão escolástica de uma intuição mística, o que seria absurdo. Claro que aqui no exemplo nem há mística ou escolástica, mas fazer cobranças desse tipo naquela circunstância é falta de senso poético. A resposta correta deveria vir mais ou menos na mesma clave. É como se cobrássemos – mais uma analogia – de alguém que contou para a gente uma piada de judeu exatidões filosófico-históricas a fim de provar que a piada não faz jus aos judeus.

Encarar as coisas sem o menor espírito desportivo - espécie de variante do senso poético – é uma característica de duas classes de seres: os animais e os loucos. Sim, os animais, porque afinal de contas alguém já viu um animal irônico ou, fazendo aqui uma concessão a um leitor louco o suficiente para ainda teimar, pelo menos irônico de propósito? Quanto aos loucos, não é difícil entender o motivo: eles encaram tudo de maneira racional demais, colocam a razão acima de tudo, o que naturalmente leva qualquer um à demência. Já dizia Chesterton: O doido é o homem que perdeu tudo, exceto a razão. Alguém lelé da cuca necessita de uma explicação sumamente racional para tudo justamente porque perdeu todo o senso poético do mundo. É sempre assim: começa elogiando até o exagero a ciência e a razão, depois não entende mais as razões das pessoas darem um simples “bom dia” umas às outras, acaba acreditando piamente em toda uma série de disparates (apoiados no que ele chama de ciência), até que, no fim, caso ele seja coerente consigo mesmo, termine seus dias num hospício. Daí haver duas classes de loucos: a daqueles que de fato vão parar no hospício achando que vivem no passado, em outro planeta e demais coisas intrigantes do gênero, e a de alguns intelectuais. A diferença de um doido que está no hospício e alguns intelectuais é que estes não têm coragem de levar suas idéias até as últimas conseqüências. Mas vez ou outra aparece algum mais corajoso e que vira lenda. O exemplo que me vem à mente é o de Empédocles. Segundo uma anedota, após ter salvado os selinúncios de uma grave peste, Empédocles, durante um banquete em comemoração do fim daquela desgraça, foi honrado pelos habitantes da cidade como se fosse um deus. O sábio então teve a esdrúxula idéia de comprovar a opinião dos selinúncios jogando-se dentro de um vulcão ali próximo, o famoso Etna. Segundo alguns, o vulcão logo em seguida cuspiu uma de suas sandálias de bronze que ele costumava calçar. Bom, se dermos crédito à história, temos um belo exemplo de uma falta completa de senso poético, embora o cronista desconhecido tenha introduzido o elemento faltante na conclusão do episódio, ressaltando ainda mais o caso insólito. A falta de senso poético do filósofo fica então compensada com a ironia do cronista. O pobre Empédocles levou toda a história a ferro e fogo, até literalmente no caso do fogo e menos literalmente em relação ao bronze. Mas longe de ele ser um caso isolado dentre os intelectuais que embirutaram. Há pelo menos cerca de trezentos anos parece que alguém resolveu deixar que os loucos publicassem fartamente suas “reflexões”, muito embora, a bem da verdade, eu tenha de admitir que a loucura pareça rondar a vida de qualquer intelectual desavisado.

Um dos mais curiosos e badalados subtipos de intelectuais loucos é o cético materialista. Este de fato não consegue nem mesmo entender como é possível gostar de um poema, isso quando pelo menos o compreende ou imagina compreendê-lo. Note o leitor que não me refiro simplesmente àquele pasmo inicial daquele que ignora algo que de repente aparece na sua frente. Me refiro ao sujeito que só acha que algo está cabalmente explicado quando demonstrado quase de modo físico-matemático, científico. O louco que escolho para ilustrar este exemplo é Karl Marx. Dizem que ele gostava bastante de literatura, em especial a Ilíada. Mas vejam só que coisa curiosa. Ele ficava se perguntando como era possível gostar tanto de um poema feito num modo de produção tão diverso do seu. Santo Cristo! Ele tinha que encaixar o bendito livro que tanto gostava em seu modo de conceber o mundo mas simplesmente não conseguia. Se os fatos contradizem minhas teorias, pior para os fatos, já disse um outro intelectual tantã. Tivesse Marx pensado suficientemente bem apenas sobre este pequeno exemplo e talvez nunca mais viesse com aquelas histórias sobre a cultura ser uma espécie de vestimenta enganadora de uma realidade mais profunda, a saber, a senhora economia e a luta de classes. E não faltam pessoas que raciocinam mais ou menos por este esquema, o qual muitos chamam de “científico” (lembremos mais uma vez daquela frase, “o doido é o homem que perdeu tudo, exceto a razão”): gente que acha que os genes, o sexo, a linguagem e demais excentricidades explicam absolutamente tudo da vida humana. Sim, excentricidades, termo muito próprio, porque tais coisas, embora façam parte de nós, não são de modo algum a gente; é como se vivêssemos através delas, ou mediante elas, embora em última instância sejamos anteriores a elas, que são só a nossa roupagem: são a nossa epiderme. Assim, o sujeito é biruta porque pensa que a nossa vida é tão somente o superficial. Mas a realidade, como não poderia deixar de ser, se apresenta lotada de apesares. Quando o indivíduo é confrontado com eles (os apesares teimam em aparecer), ele então sobe no caixotinho escrito Raison, bate no peito estufado e diz, todo categórico: “Eles não existem! Eles não existem! Vocês estão todos loucos! Loucos!”

O mundo do doido, embora pareça ser todo bem-amarradinho, todo explicadinho, é de um brutal desleixo. Tudo, tudo que é muito bem explicado só o é porque deixou alguma coisa de fora. A simplicidade se faz às custas dos elementos indesejados. É verdade que a ciência opera mais ou menos assim, porém há sempre um limite claro. O físico sabe (ou deveria saber) que seu afazer, embora nobre e valiosíssimo, não esgota todas as possibilidades da realidade. O que não está na alçada da Física, que outra ciência busque explicar. E assim por diante. Acontece que o doido é por natureza destemperado. Então vai andar por cima de tudo como um rolo compressor. Se algo não se encaixa em seu mundo, então é porque não presta. O cético materialista sempre passa uma sensação enorme de aridez mental, de uma pobreza franciscana tremenda, mesmo sendo aparentemente um sujeito bem-informado e instruído. Na verdade, parece demais com um daqueles sujeitos pobres e muito mal-educados que de repente ganha dinheiro demais: com toda a riqueza à sua volta, continua grosseirão em essência.

Essa situação, justamente por ser tão errônea, nos leva a um paradoxo dos mais inusitados. É que o doido, quando corajoso, quando finalmente percebe que não consegue explicar tudo conforme a Senhora Razão, acaba acreditando piamente que este mundo é, em suma, irracional. É o caminho mais natural da “razão embirutada”. Ela começou crendo demais em si mesma e acabou perdendo o juízo e atribuindo os seus próprios disparates à própria natureza do mundo. Em face disso, surge toda uma filosofia que bem mais merecia ser chamada de antifilosofia. É o niilismo final. Nada mais faz sentido, não existe verdade, nem você é quem você é ou o que você pensa foi você mesmo quem pensou. Racionalmente você descobre que não existe razão coisa nenhuma. Uma antifilosofia desse tipo pode ter várias repercussões. Ora ela pode ser encarada de modo desesperado (ou destemperado, que o leitor escolha)– aí estão os suicidas para confirmar –, ora ela pode ser encarada de maneira resignada, com algum resquício estóico que todo o sujeito sentimental geralmente possui. Independente da posição tomada, o dado é este: o mundo é trágico. É por este motivo que imagino ser difícil encontrar um cético realmente bem-humorado. Se ri, é um riso nervoso, quase de desespero. Vive, ou melhor, sobrevive. Ele é como uma árvore seca, pois o senso poético é a seiva o que nos vivifica.

É por este motivo que, ao ouvirmos de alguém cheio de sentimento trágico, que o mundo é uma piada, devemos logo em seguida concordar e até agradecer pela pessoa ter dito tão sábia coisa. Porque apenas um ser dotado de muito bom-humor poderia criar coisas tão belas e boas. E se tudo for fundamentalmente um bem e for bom, então mais um motivo para isso tudo ser uma bela e espirituosa piada, porque tudo o que termina bem é uma comédia. Entre um mundo trágico, onde tudo é marcado pelo mal, e um mundo cômico, onde você pode se divertir porque as coisas são boas e terminam bem, há uma larga diferença. Peço inclusive ao leitor, caso tenha achado estranho o que eu acabei de dizer, que puxe pela memória acontecimentos que pareciam ruins, bem ruins, mas terminaram bem em sua própria vida. Hoje você não consegue até achar graça deles? Contudo, imagine agora se eles terminassem de fato mal: ninguém, ou melhor, nenhuma pessoa de bom-gosto costuma fazer piadas de morte de gente querida. Acho até que foi Machado de Assis que disse ser isso, a morte, um assunto sério por excelência. Mas voltando àquele ponto de vista sobre o fino humor que sutilmente marca este mundo, ele só pode ser percebido por quem possua uma visão poética da realidade, pois do contrário exigirá, como o chato que nunca entende uma piada, explicações pormenorizadas e por fim inúteis de algo que você deveria entender antes pelo espírito da coisa. Daí que uma pessoa inteligente é sempre, e antes de tudo, espirituosa. E o que mais uma pessoa assim faz senão instintivamente dar as mais sábias, curiosas e devidas respostas nos momentos mais inusitados possíveis? Isso porque uma pessoa espirituosa entende bem sua situação e seu momento: é o tal do senso de timing. E seus ditos podem ganhar tanta fama que, esquecido o sujeito que os proferiu, ainda assim eles continuam sendo usados por quem nunca o viu mais gordo e em épocas nunca dantes imaginadas, como é o caso dos provérbios, armazém do senso comum. Ser espirituoso é saber encarar a realidade com o devido senso poético, ou seja, uma espécie de sentido que a transcende e aponta como as coisas deveriam ser. Aliás, este é um outro motivo de tanta gente supostamente racional(ista) menosprezar os ditados, outra fonte do senso comum, pois não podem entender o fundo espirituoso subjacente aos mesmos. Quanta sabedoria e verdade não há naquele velho provérbio português que diz: Não há geração sem rameira ou ladrão.

Para evitar qualquer mal-entendido, aviso de uma vez por todas que no parágrafo anterior não gracejei nem do mundo enquanto criação da boa-vontade divina, nem do senso comum, nem fiz abstração descarada da tensão trágica que também existe neste mundo. Quando digo que tudo aquilo é entendido melhor à medida que tenhamos uma visão espirituosa, acrescentando que o bom-humor está subjacente a isso tudo, não quero dizer que tudo está destituído de seriedade ou que não é para ser levado a sério. Neca de pitibiriba. Embora eu não goste muito de me expressar por idéias paradoxais, ao menos não em prosa, eu diria de um modo poético que a realidade é de tal modo séria que nos faz sorrir de satisfação. É justamente sua seriedade e seu peso que acabam nos dando a real medida da alegria. Isso é uma coisa que um cético não vai entender nunca. Sempre lhe parecerá um mistério como pode haver gente que se rejubila por causa do mistério do Deus pregado na cruz.

Enfim, foi pensando mais ou menos nessas coisas que também percebi a importância do senso poético para lidarmos com o mundo. A falta dele faz com que invariavelmente representemos sem querer, também como Ruy M. Freitas comentou a respeito do caso particular de cem freiras marchando junto ao MST até Brasília dia desses, um papel tragicômico no grande palco do mundo. Ficamos naquele meio-termo que só serve para nos denegrir e nos confundir. Começa bem, começa sensato, mas termina muito mal, porque na verdade nem começou bem, nem sensato. Não é à toa que ao mesmo tempo que abundam os céticos, abundam também a loucura e toda a sorte de disparates. Mas não é nada, meu caro leitor, que São Paulo já não apontasse a solução. Porque, segundo ele, onde abunda o pecado, superabunda a graça. A marca da alegria é sempre presente. O Apóstolo tinha mesmo um baita senso poético.

Sunday, July 16, 2006

Prosa filosófica concretista

Meus amigos, vejamos que coisa bonita de se ver. É a prosa filosófica concretista. O segredo é você dizer várias coisas que parecem inteligentes, provocando um sentimento estético apropriado, mas que no fundo não signifique nada ou pouca coisa. E mesmo que tenha algum valor, a forma é mais impressionante. Aqui vai o primeiro exemplo, um clássico do gênero:

Podemos ver claramente que não há nenhuma correspondência biunívoca entre relações significantes lineares ou de arquiestrutura, dependendo do autor, e essa catálise maquínica multirreferencial e multidimensional.

O artista em questão é Félix Guattari - Maguari para o público nacional -, vindo daqui. E não custa perguntar: você viu claramente mesmo?

Agora, mais um outro. Dessa vez é Pierre Bourdieu. Esses franceses pós-década de 60 resolveram criar um idioma próprio, só pode. Eis o mestre:

As condições associadas numa classe particular de condições de existência produzem o habitus, um sistema de disposições duráveis e transferíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, como princípios que geram e organizam práticas e representações que podem ser adaptadas objetivamente aos seus resultados sem pressupor um fim objetivo consciente ou um domínio expresso das operações necessário para o atingir, objetivamente 'regulador' e 'regulado' sem ser de qualquer forma o produto de obediência a regras, e, assim, que pode ser orquestrado coletivamente sem ser o produto da ação organizatória de um maestro.
E eu gostaria muito de fechar com uma citação de Paulo Francis sobre uma professora de literatura a respeito de Dom Casmurro. O texto do Francis se chama Capitu na Universidade. Eu o tinha, mas não sei onde foi parar. Se algum simpático leitor deste blog mo passar, ficarei muito agradecido. E tenham um bom dia.

Saturday, July 01, 2006

Ambiente universitário

Hoje eu estava lembrando do mural do Centro Acadêmico da faculdade. Havia um monte de coisas nele, porém o que mais me chamava atenção era a parte sobre cultura. Não lembro exatamente o que havia escrito ali cotidianamente, mas eu sempre tinha a impressão de que por "cultura" os coordenadores do mural entendiam um amontoado caótico de gostos totalmente doidos que porventura tivessem alguma coisa a ver com política. "Cultura", no caso, era simplesmente um desregramento qualquer apoiado em algo que, em última instância, o justificasse, mas sempre tendo um fim político, ainda que remoto. Até a loucura tem algum método.

Além daquele mural, outra coisa que me chamava a atenção era a mania excessiva de se possuir um trejeito. Era como se o mais importante, a meta almejada na faculdade não fosse o que se estudava, o saber, mas a incorporação de modos. Podia ser o modo de falar, de se vestir, até mesmo de se sentar e de olhar. E o que é mais estranho (ou de se esperar) é que isso ocorria quase naturalmente. De repente você estava todo "universitado", se o leitor me permitir tal expressão tenebrosa. O universitário geralmente se trái. Quando você ouvir alguém dizendo alguma coisa bizarra, como por exemplo "Eu, entrando aqui, será uma fogueira de paradoxos", pode ter certeza que é universitário. Claro que o bizarro admite graus, porém nunca deixa de ser esquisito. Em todo o caso, o camarada podia ser burro feito uma porta, mas ele haveria de conquistar, talvez por osmose, todo um repertório de ademanes que indicariam de onde ele era, quase como se fosse uma nova impressão digital. Isso não deixa de ser um caso interessante de estudo antropológico.

Querem ver um dos rebentos desse estado de coisas? A TVE é um belíssimo exemplo. Com um pouco de prática você é capaz de dizer qual é a universidade, o curso, o período e as notas de cada um daqueles jovens apresentadores, ou mesmo se fazem pós-graduação e qual a tese. Posso até mesmo listar um conjunto de sujeitos mui apreciados pelos nossos simpáticos universitários: Raul (perdão, Raulzito), Francisco Buarque de Hollanda (perdão de novo, é Chico), Marisa Monte, os grandes poetas Caetano Veloso, Renato Russo e Bob Dylan, Sartre, Nietzsche, Bukowski, um poeta de boca meio mole e brasileiro que esqueci o nome mas vive aparecendo na TV dizendo que é beatnick, Paulo Leminsk, talvez algum rock... E tudo isso porque o camarada é culto. Mas ser culto é coisa esnobe. Então ele vai gostar também de coisas do povo, como um sambinha (não qualquer um, senão é esculhambação, tem de ser da época de D. João Charuto) e um pagode ("de raiz", conforme dizem, seja lá o que isso for). É assim que fica o intelectual depois de tomar muito sol na cuca. E há mais coisas. Fiquemos apenas nessas.

A universidade é um enorme centro de recreação e terapia. Vira clube, onde os pais deixam seus pimpolhos. Lá eles fazem cabriola. Porque onde não há regras sobra bagunça. E aí percebemos o que leva esse povo alegre e festeiro a ter uma concepção tão troncha de cultura. Ninguém quer saber de regra nenhuma. Mas façamos aqui uma concessão. Há uma quantidade imensa de sujeitos que poderiam te dizer que gostam deste ou daquele grande escritor, deste ou daquele grande pintor, etc. Pode parecer mesmo que na verdade repudiam aqueles ademanes todos, conservando-os tão-somente como máscara para espantar a multidão de brutos e inconvenientes. Isso por si só já demonstra que a atmosfera ambiente te obriga a tomar uma determinada postura. Agora bem: quantos seriam capazes de sustentar suas opiniões de modo objetivo, racional, acurado, sem temor da multidão? Sabemos que os menos aptos a sobreviver em dado ambiente acabam morrendo ou tendo de procurar outros ares. Não seria diferente nesse caso. A tendência de que haja pessoas capazes dessas coisas vai tendendo perigosamente a zero, e daqui a pouco será uma questão de façanha. Ora, nada mais diverso do que teria de ser um ambiente de intelectuais.

(continua)

Friday, June 30, 2006

Sexo

Em homenagem a M. (Não o "M" do filme de Fritz Lang, pelo amor de Deus. Ele é mau, o filme é bom.)

(I) É bom, mas os porcos (e, segundo dizem, também os morcegos, dentre alguns outros animais) sentem orgasmo. E macacos se masturbam. Donde se conclui que quem ama falar sobre sexo pode ser comparado a um porquinho ou macaquinho falante. (Não custa nada dizer ao leitor que o homem, bem entendido, é o "asceta da vida". Não é por acaso que temos uma coisa chamada espírito.)

(II) Não foi o Cristianismo que fez a proeza de dizer que sexo é intrinsicamente mau. Sexo não é pecado. Tampouco devemos olhar com desprezo os Santos Agostinhos e Tomás de Aquinos da vida que comentaram sobre o assunto. Se você quer arrumar algum culpado, ele tem nome: cátaro, gnóstico e demais da mesma espécie.

(III) É verdade que a Igreja, por outro lado, sempre teve algumas reservas quanto ao sexo. Mas, entenda-se bem, não contra ele em si. O problema é o desregramento. Se algo não está conforme a sua finalidade, esse algo está viciado. Mais uma vez podemos trazer à baila os Santos Agostinhos e Tomás de Aquinos da vida. Até numa obra como Filotéia - Introdução à vida devota, São Francisco de Sales não deixa de fazer algumas reflexões sobre o que ele chama de "leito conjugal": "assim o que se requer no matrimônio para a geração dos filhos, e multiplicação das pessoas, é uma coisa boa e muito santa, porque é o fim principal do casamento." Mas também diz: "É o grande mal do homem, como diz S. Agostinho, querer gozar das coisas de que só deve usar, e querer usar daquelas de que só deve gozar: devemos gozar das coisas espirituais, e das corporais somente usar; e quando o uso destas se converte em gozo, a nossa alma racional converte-se outrossim em alma brutal e bestial."

(IV) Também se iludem aqueles que acham que apenas a tradição judaico-cristã faz esse tipo de reserva. Nada disso. A filosofia é mestra nesse quesito. Se observarmos por exemplo os ensinamentos de Aristóteles, podemos ver que ele também critica quem se deixa comandar pelos apetites. Pedro Sette Câmara explicou bem este ponto em seu blog: "a idéia de que a promiscuidade é ruim não é nem cristã em sua origem, e nem necessariamente religiosa. Aristóteles já á propõe abertamente, admitindo que o desejo sexual é uma paixão - a qual, como toda paixão, deve ser ordenada pela razão."

(V) Um dos problemas do uso de preservativos e anticoncepcionais é que eles fazem com que a gente dissocie, no sexo, causa e efeito. Você faz sexo ignorando solenemente as suas conseqüências mais simples. Ora, estabelecer simples nexos causais é, do ponto de vista da inteligência, algo básico. Então, de um jeito ou de outro, fazer a propaganda de camisinhas e anticoncepcionais ao mesmo tempo que se faz vista grossa às suas conseqüências só é possível mediante um ataque maciço à inteligência. Por outro lado, a ignorância das conseqüências mais imediatas é uma apologia enorme da irresponsabilidade, em níveis colossais, que vão desde as relações desajustadas entre as pessoas até os problemas mais graves de saúde pública de um país e quiçá do mundo todo. Mas não podemos esquecer que vivemos na época dos señoritos satisfeitos, conforme observou Ortega y Gasset em seu antológico livro A rebelião das massas. É a época dos mimos e das cabriolas. Todos querem tudo sem ter de arcar com a responsabilidade de nada.

(VI) Já dizia Goethe: “Os grandes homens estão ligados ao seu século através de alguma fraqueza.” Por conseguinte, nada mais natural que nós, os pequeninos, acabemos sendo carregados também por toda essa avalanche de confusões e erros, como se tivéssemos de contribuir obrigatoriamente para o sempiterno livro das besteiras humanas. Mas não devemos ficar abalados por conta de nossos próprios erros. Eles mesmos trazem sua própria solução. Daí as palavras de Benedetto Croce em seu Breviário de estética: "O erro fala com voz dupla, uma das quais proclama o falso e a outra o desmente; e é um contender de sim e não, que se chama contradição... O erro condena-se, não pela boca do juiz, mas 'ex ore suo'."

Thursday, June 29, 2006

O Sultão e o Anjo da Morte

Amigos, contarei a vocês uma história oriental. Não é minha, é uma dessas lendas que simplesmente brotaram das névoas da história, portanto verdadeira em espírito. O fim é meio abrupto, mas não contarei a moral.

Certa vez o sultão contemplava orgulhoso sua cidade, solitário, da varanda de seu palácio. Aquela opulência toda parecia a manifestação de si mesmo, como se fosse uma idéia excelente que por milagre se tornou ato em todos os seus pormenores. Certamente não havia cidade no mundo tão bela quanto a do sultão. Tal contemplação tinha um caráter de Narciso, porque ao olhar a cidade ele via a si mesmo em glória.

Todavia, eis que de repente o sultão sentiu um calafrio tremendo, prenúncio de toda a calamidade. Do alto da abóbada celeste escura e estrelada, desceu um anjo de beleza terrível bem ali na varanda, tal como um um raio. Não era uma criatura qualquer, mas aquele que é a boca de Deus para o flagelo. Estava ali o Anjo da Morte. E o sultão estremeceu.

Logo disse o Anjo: "Ó homem, eis que Deus me enviou para te anunciar terrível desgraça. Prepara-te, pois tocarei a tua cidade como jamais foi tocada antes." Tendo ouvido tão sinistro oráculo, o sultão lhe respondeu: "Que fiz de mal? Ora, diga-me conforme a verdade: quantos hão de tombar? Se foi o Senhor que te enviou, então pela graça de Deus misericordioso te rogo para que me digas!" Falou o Anjo: "Cinco mil tombarão nas próximas semanas de doença terrível. Prepara-te e te alegra, ó homem, porque nem sempre é dado conhecer a extensão da própria desgraça. Tu és pecador, mas Deus é fiel." E voltou aos céus o Anjo da Morte.

Mal tendo desaparecido o Anjo, o sultão, homem extremamente prático como todos bons governantes devem ser, tratou de expedir ordens o quanto antes para que a cidade suportasse o flagelo vindouro. As ordens saíam com alguma melancolia profunda, pois ele considerava a empresa difícil e o fato vindouro brutal. Mas não se discute a vontade de Deus. A cidade foi preparada, na medida do possível, para suportar a calamidade que estava por vir.

A semana seguinte chegou e as pessoas começaram a morrer. O sultão acompanhava a tudo bastante apreensivo, sem nunca deixar de contabilizar o número de mortos. Na primeira semana Deus chamou aos céus setecentas almas. Na segunda foram mil e quinhentas. Na terceira foram mais mil. O pânico era generalizado. O espírito do povo sofria golpe atrás de golpe. E não cessava de morrer gente até que houve um total de mais de trinta mil mortos em pouco mais de um mês, o que deixou indignado o sultão, ao que ele ficava repetindo para si: "Para o inferno esse demônio mentiroso!" Eis então que novamente o Anjo da Morte apareceu e lhe perguntou: "Ó homem, por que razão blasfemas tanto?" Respondeu-lhe o sultão: "Tu me enganaste, tu me enganaste! Falaste que cinco mil homens tombariam de doença terrível. Ora, em pouco mais de um mês morreram mais de trinta mil!" Disse-lhe o Anjo: "Não menti, ó homem: Cinco mil homens certamente tombaram de doença terrível. " Tais palavras exasperaram ainda mais o sultão, que disse enfurecido: "Zombas de mim, anjo! Que queres dizer com isso? Seis vezes mais homens tombaram do que me havias dito!" Então lhe respondeu o Anjo da Morte: "Ó homem de pouca fé, que duvida do aviso do céu! O restante, ó insensato, morreu de medo."

Saturday, June 17, 2006

Thursday, June 08, 2006

Três métodos de avaliação de sábios

Você pode avaliar o sábio em questão vendo se ele já tratou alguma vez do amor. Se ele nunca escreveu nada sobre o assunto, então ele sabe tanto de gente quanto nós de viagem no tempo. Portanto, seu conhecimento é supérfluo para o que temos de mais radical, problemático e autêntico: a nossa própria vida. Que adianta, radicalmente falando, ser um virtuose da física?

***

Há também um outro jeito, interligado ao primeiro. Veja se ele já tratou seriamente sobre a pessoa. Se nunca disse uma palavra decente a respeito, fuja: sua filosofia é totalmente inútil. Na melhor das hipóteses, um belíssimo acessório.

***

Agora o derradeiro método. Perceba se ele só fala sobre coisas. Há uns que colocam um muro de coisas entre eles e as pessoas para poder se esconder. Como exemplo, os físicos, matemáticos, etc. Mas veja. Se ele só fala sobre o quê, e não quem, também ouso dizer que sua filosofia, se é que podemos chamar algo assim de filosofia, não vale nada de fato.

***

Faço apelo ao leitor inteligente que não interprete tudo isso como uma birra contra a física-matemática. Pelo contrário, eu a adoro. Jamais na história do mundo um conhecimento ofereceu coisas tão espantosas para nossa comodidade. Mas há limites. E é uma impostura tremenda utilizá-la para todas as instâncias da realidade. Entricheirar-se nela é um modo de ser tacanho, muito embora um tacanho que pode ser estupendamente virtuoso nesse campo. Confesso que ela é extremamente elegante e sedutora, porém já passou da hora de nos livrarmos de seus efeitos residuais mais tacanhos. (Digo residuais porque estou longe de ser o primeiro a criticá-la; não falta gente que já demonstrou a necessidade de um outro tipo de saber que nos forneça algo vital e autêntico acerca de nós mesmos.)

Tuesday, June 06, 2006

Filmes horríveis que entraram para a história - A Bolha Assassina

Detesto filme de terror. Todos me parecem uma porcaria.

Talvez a minha ojeriza a esse gênero tenha raízes na minha infância, época em que vi muita coisa especialmente terrível. E a coisa mais bisonha que me lembro daqueles tempos é um chamado A Bolha Assassina.

Será que o leitor lembra desse filme? Espero que não. Eu também não lembro direito. Mas um filme chamado The Blob não pode inspirar respeito. Traduzido então para A Bolha Assassina, bem, certamente é inscrever o filme por antecipação na galeria das bisonhices da história do mundo, talvez ficando no nível do Tony Ramos imitando sotaque de grego.

Dá para imaginar a conversa que tiveram antes de traduzir o título?

- Hm... The Blob... ninguém vai entender...
- É... Põe aí A Coisa.
- Pô, mas já existe um com esse nome.
- Então que tal A Bolha Maligna?
- Existe alguma do bem? Pra mim bolha é neutra. Se bem que essa daí veio do espaço e come todo mundo. Tem que ser um negócio assustador.
- Então coloca aí A Bolha ASSASSINA! - e assim ambos sorriem triunfalmente.

E foi isso que algumas pessoas, talvez com título universitário, pais de família, etc, conceberam. Mas não as reprimamos. A matéria-prima era a pior possível. Que outro título você daria, leitor?

(Por sinal, nunca ouvi alguém dizer que achou esse filme pelo menos legalzinho. As reações que costumo observar são as mesmas daqueles que logo após tomarem cachaça fazem uma cara horrível. Aliás, se cachaça fosse boa, por que todo mundo faz uma cara de Silvester Stallone interpretando o Rocky naquela parte onde ele fica chamando, todo arrebentado, no final da luta, a sua mulher? Ninguém faz essa cara quando toma suco de uva.)

Divertido mesmo foi um comentário que encontrei num site qualquer enquanto catava alguma imagem do filme para colocar aqui. Vejam que obra-prima: Sem problemas de consequencia ou intelecto a bolha faz apenas uma coisa - e o faz muito bem. Ela come tudo e todos que se movem: Homens, mulheres e crianças. Fiz questão de grifar aquele trecho porque é muito bonito. Será que quiseram dizer "consciência" em vez de "conseqüência"? E será que insinuaram que intelecto é problema? Como os intelectuais são aqueles que geralmente aparecem na TV dizendo as maiores atrocidades, estou longe de criticar este ponto. Por outro lado, talvez fosse ainda mais esquisito se a Bolha tivesse problemas morais ou desvio de personalidade. Já pensou se houvesse uma continuação, algo como A Bolha no Terapeuta? Outra coisa digna de nota é que no site onde peguei aquela citação diziam que havia legendas no DVD até para tailandês e coreano. A perspectiva então é de que o filme corra pelo mundo. É um pouco desconcertante para mim saber que em termos culturais o que pode me unir a um coreano é a Bolha Assassina. Mas havia também uma versão em francês, e confesso que acharia curioso escutar o pessoal gritando cafona, tosca e desesperadamente Oh mon Dieu, qu'est-ce que se passe?

Sinto a tentação de bater a cabeça na parede até que minhas recordações desse filme desapareçam. Mas fico com uns versinhos de uma velha e melancólica elegia de Camões:

Se me desses üa arte que em meus dias
me não lembrasse nada do passado,
oh! quanto milhor obra me farias!



Oh mon Dieu, qu'est-ce que se passe?