Thursday, March 31, 2005

Nove excelentíssimas desculpas para se dar um murro na cara de alguém, segundo as ilustres maneiras de pensar e raciocinar de sábios contemporâneos

1)Eu te dei um murro na cara porque Deus não existe; logo, tudo é permitido;

2)Eu te dei murro na cara porque a verdade não existe; logo, você não pode afirmar que te bati;

3)Eu te dei um murro na cara porque não existe causa; logo, não posso ter te batido porque dizer o que fiz é se reportar a alguma espécie de causa;

4)Eu te dei um murro na cara porque tudo é relativo; logo, você ter apanhado ou não depende de um ponto de vista;

5)Eu te dei um murro na cara porque a moral é pura conveniência; logo, naquele instante o murro foi conveniente;

6)Eu te dei um murro na cara porque nada deve ser levado a sério; logo, foi só por uma descontração;

7)Eu te dei um murro na cara porque tudo é obra do acaso; logo, não foi minha culpa, mas dos azares da existência;

8)Eu te dei um murro na cara porque o homem é fundamentalmente átomos; logo, foi apenas um contato arbitrário de partículas atômicas por si mesmas, sem nenhuma destruição ou alteração mútua;

9)Eu te dei um murro na cara porque a vida se resume em uma luta constante pela evolução e sobrevivência; logo, pela seleção natural você é mais fraco e precisa, pelo bem comum, cair fora.

Wednesday, March 30, 2005

Um pequeno reparo ao texto sobre o caso Schiavo

Desculpe, leitor, mas preciso fazer um pequeno reparo ao texto do caso Shiavo. Eu disse que o pai de família nas tribos germânicas tinha o direito de vida e morte sobre sua mulher, escravos e filhos. Escrevi uma tolice, fazendo uma confusão dos diabos. Na verdade, quem tinha o direito de vida e morte sobre seus filhos era o pater familias. Um romano podia abandonar à própria sorte uma criança, o que equivale dizer que assinava sua sentença de morte. Nas tribos germânicas, muito embora não fosse permitido o infanticídio, ainda assim o pai podia abandoná-la. Ela, então, ficava sob a tutela dos parentes maternos.

Tal era a sorte dos mais fracos nas sociedades de onde surgiu a Idade Média. Somente na era medieval a situação dos pequenos mudou drasticamente, tudo graças ao empenho da Igreja.

Será que a nossa atual situação com relação às crianças é mais um indício do abandono do cristianismo por boa parte do mundo? É um retorno às práticas romanas e germânicas com relação à sorte das crianças? Não sei, mas toda essa história é muito sugestiva.

Sunday, March 27, 2005

Tolkien

Tolkien wrote in a 1953 letter to Fr. Robert Murray: "'The Lord of the Rings' is of course a fundamentally religious and Catholic work; unconsciously so at first, but consciously in the revision."

(Trecho de Don Feder que li aqui. Aliás, não sei se é mais legal a referência que ele fez sobre orcs (rather a cross between a troll with a really bad hair day and Barbra Streisand) ou a do Alexandre Soares.)

Oh sim, e adorei o Senhor dos Anéis, livro e filme, mais este que aquele. Bom dia.

Mais dois blogs no "Parada Obrigatória"

Acrescentei no Parada Obrigatória dois blogs muitos bons, o do Nogy e o Despoina Damale. Farei um comentário rapidíssimo sobre ambos.

No Despoina Damale li que na tradução de Nenhuma Paixão Desperdiçada, de George Steiner, disseram que "Agostinho, em uma passagem famosa, registra o fato de seu patrão, Amboise, ser o primeiro homem que ele via ler sem mover os lábios". Animus meminisse horret, já pôs na boca de Enéias Virgílio na Eneida, e faço coro com ele quanto a esta tradução tenebrosa. Mesmo se o leitor nunca tiver lido o original, o bom-senso serve como guia. Coincidência ou não, esta semana mesmo - ou semana passada, não lembro -, eu estava comentando para minha mãe sobre esta mesmíssima passagem das Confissões. Se Sto. Ambrósio era patrão de Sto. Agostinho, e a julgar que este aderiu de vez ao cristianismo graças àquele, então que maravilhoso salário Sto. Agostinho recebeu daquele homem! Noutro post, foi particularmente delicioso saber, tão bom quanto receber uma flechada no ombro, que tem gente, em universidades, que acha que a música clássica é um "maldoso passatempo dos compositores daquele tipo de música para confundir a cabeça dos não informados sobre o assunto". Imaginem a cara indignada dos doutores que disseram isso caso estivessem ouvido, como eu cá estou agora, o último quarteto de cordas de Beethoven, composto quando ele estava completamente surdo. Uma belêuza, craro.

O blog, como o próprio autor diz, é seu "particular oasis, mas está aberto aos companheiros de viagem". Ainda estou fuçando seus vastos arquivos e já deu para encontrar muita coisa boa.

Por fim, quanto ao Nogy, ora, leiam tudo: há por enquanto apenas alguns post, mas todos ótimos. Pior que ele escreve direito sobre algumas coisas que eu esboço terrivelmente mal na minha cachola confusa, como por exemplo Da Virtude como Cosa Mentale
, ou Tempos Modernos, que chama bastante atenção: frases curtas e incisivas, demonstrando o código de conduta que o policamente correto quer de nós, revelam quão patético e aviltante ele é para uma pessoa. No entanto, conforme a primeira frase do texto, "não se fazem homens como antigamente". É então uma mistura de indignação e melancolia com esta situação. É bem provável que muita gente (e eu incluso), que apenas vagamente já pensou no assunto, acabe por se identificar com ele. Vale a pena lê-lo.

Schiavo

Uma coisa que não entendo nesse caso, além deste nome esquisito, o qual nem sei nem quero saber se escrevi da maneira correta, é o seguinte: se a família quer religar o aparelho - exceto o marido, pelo que entendi -, por que diabos a última palavra é do Estado? Está na lei? Se está, que mudem, porque é algo particularmente extravagante.

Acho que antigamente a coisa seria resolvida mais ou menos assim: o ancião da família daria o veredicto, permanecendo quedos os outros membros da família, ou pelo menos o peso de sua palavra seria fundamental. Hoje em dia não é desse jeito. Uma pena. Se bem que já ouvi dizer que o marido tinha direito de vida e morte, nas tribos germâncias, sobre mulheres, filhos e escravos. Para os filhos entendo em parte, pois deve ser uma idéia como "se te pus no mundo, então posso te tirar também". Quanto à mulher já não sei. Deve ser algo do tipo "melhor só que mal acompanhado", em palavras variadas há milênios germânicos atrás. E em relação ao escravo, ora, quem liga? Afinal de contas, quem mandou ser bobo a ponto de se tornar propriedade?

Voltando ao caso Schiavo, não deixa de ser interessante notar que, para justificarem o assassinato da mulher, dizem que é para terminar de uma vez por todas um sofrimento inútil. No entanto, pelo pouco que acompanhei o assunto, parece que ela mal fala ou se mexe. Então como diabos acham que ela está sofrendo? Noto que um leitor está pensando que pelo menos ele não acharia lá muito agradável passar uns dez anos sem poder falar ou se mexer direito. Ora, isso não implica que qualquer um acharia melhor morrer, ou esteja sofrendo horrores. Mas talvez eu esteja mal informado e ela esteja mesmo sofrendo horrores e pediu para alguém dar um fim àquela situação. Escolheram desligar o tubo de alimentação para que morresse então logo. Então a pergunta é: quer dizer que matá-la aos poucos, de fome e sede, não a fará sofrer? Nesse caso, acho que ninguém precisa esperar a coitada proferir uma única palavrinha para imaginar o quão ruim seja passar por isso. Além do mais, parece que ninguém quer sujar as próprias mão, porém deixá-la a cargo tão-só de seu parco sustento. Já que morreria sem os aparelhos, então desligam tudo. Eu estou muito curioso para ver os médicos usando este argumento, de agora em diante, nos hospitais. Exemplo:

- Desculpe, rapariga - diz o médico todo sem-graça para a filha de uma paciente -, infelizmente não podemos usar nossa máquina de hemodiálise em tua mãezinha.

- Por quê, doutor?

- Porque a partir de abril de 2005 seguiremos o princípio de não sustentar alguém que sem máquinas morreria de qualquer jeito, e tua mãezinha, embora seja uma gordinha muito simpática, já tem 89 anos e está bem inútil socialmente, coitada. Mas por humanidade eu recomendo o telefone desta funerária aqui, ó.

Suponho ser desnecessário afirmar que Hipócrates sairia do Purgatório a mando de Deus apenas para refutar esses médicos, além de bater neles com um cajado e retornar desta ver para o Céu cumprida a missão. Mas consideremos que, por humanidade, matassem a pobre coitada de uma vez. Com um tiro, por exemplo, afinal de contas que diferença faz o meio aplicado, senão de um lado a cara de nojo do sujeitinho que terá em si miolos, do outro a limpeza da morte burocrática sob encomenda estatal? Pois bem, um tiro. Ainda assim a decisão é errada, pois quem disse que depois de morta a mulher não vai sofrer mais ainda? Afinal de contas ninguém sabe quê diabos acontece depois que alguém morre. Ok, só o Estado sabe (e Platão e mais algumas pessoas, só que já morreram e aparentemente não voltaram para nos contar), segundo alguns. Como por enquanto ele não tem boca para nos dizer como é o outro lado, então é melhor deixá-la viva mesmo. Fora que há o argumento da era pré-cambriana, segundo o qual ninguém tem o direito de matar ninguém. Mas prefiro o argumento mais recente.

O que ficou faltando ainda? Ah sim, a possibilidade da mulher se recuperar. Responda-me rápido, leitor: faça que nem o dr. Manhattan e pense na possibilidade de você ter nascido onde nasceu, ter tido os pais que teve e ser quem você é, sem contar outras circunstâncias. Se for mais provável a mulher sair do coma que tudo isso ter acontecido como aconteceu contigo, leitor, então faz menos sentido você estar vivo e lendo meu texto que esperarmos pela recuperação - coisa mais provável, nesta hipótese - da mulher. Se você não gostou deste argumento, tenho um outro saído do forno: é possível que ela melhore? Se for, então onde está mesmo o motivo para assassiná-la? É aquele ali que está na lata do lixo? Ah, bom lugar: a justiça é tudo estar disposto segundo seu fim próprio. E se não for? Ora, leia o parágrafo acima e tudo estará devidamente explicado.

Não sei se ficou faltando alguma coisa para eu completar meu questionamento acerca deste caso - e de outros parecidos, que ocorrerão; já me sinto satisfeito com o que eu disse. Quer dizer, faltou apenas dizer que, do ponto de vista legal, deve ser um evento sobrenatural discutir a respeito do direito de alguém se suicidar ou de um indivíduo matar outro desde que em conivência com a vítima, que nesse caso é também co-autora de seu próprio assassinato. Algo que nem Cícero poderia resolver...

Agora posso parar de escrever e fazer outra coisa, até porque nem era sobre isso que inicialmente eu queria comentar. Na verdade, primeiro eu queria perguntar se há algum leitor deste blog que leve muito à sério Darwin, no sentido de costumeiramente, ao se referir à história natural, sempre começar dizendo, num tom grave, "segundo a evolução..." e coisas análogas. Em seguida, eu gostaria de perguntar para este hipotético leitor darwinista se ele poderia me explicar pela evolução como é que surgiu a visão e a audição, de preferência através de escritos do próprio Darwin sobre o assunto, e não através daqueles "olha, eu chutaria que...", pois são muito desagradáveis. Se uma teoria explicativa finge que não vê algum dado da realidade, então ela tem de ser (re)vista com mais cuidado, sabem como é...

Tuesday, March 22, 2005

Há 320 anos atrás...

Talvez alguém não tenha entendido o motivo de eu ter dito no último post que essa semana é, do ponto de vista musical, muito importante. É que no dia 21 de março de 1685 nasceu o maior compositor de todos os tempos: Johann Sebastian Bach. Portanto, eis uma pequena homenagem deste blog àquele grande músico. Oh sim, e sugiro ao leitor que ouça de Bach sua Paixão segundo São Mateus no Corpus Christi dessa semana. Nada mais apropriado e, definitivamente, sublime.

Monday, March 21, 2005

E por falar em exército...

Como Deus quis que tudo fosse interligado neste mundo de justiça imperfeita, e inspirado pelo post anterior, sugiro então ao leitor que ouça uma marcha militar de Schubert. E como essa semana é, do ponto de vista musical, importantíssima, amanhã escreverei algo sobre música.

Minha mãe sugeriu que eu entrasse para o Exército

Minha mãe sugeriu que eu entrasse para o Exército, sob influências de minha tia, que por sua vez tem dois filhos na Aeronáutica. O argumento materno é o seguinte: 1) trabalho público é estável; 2) não haverá necessidade de perseguir bandidos; 3) o Exército é uma mãe para quem está lá dentro; 4) por conseguinte, é uma maneira tranqüila de ganhar dinheiro honestamente.

Bem, entendi o argumento materno em outras palavras: 1) é um dinheiro público gasto à toa; 2) qualquer idiota se presta para aquilo (ou seja, aparentemente estou incluso); 3) é uma relação de inutilidade profissional e salário razoável; 4) por conseguinte, é mais uma maneira de ganhar dinheiro sem fazer nada de produtivo. Logicamente, minha mãe não gostou nada da minha interpretação.

Não me perguntem a respeito de organização logística, apoio financeiro, legislação e coisas análogas sobre o Exército, mas o esquema mental que tenho em relação às Forças Armadas é o seguinte: 1) elas existem para defender o povo em situações em que a polícia não é suficiente; 2) chegamos a uma situação drástica, na qual a polícia não parece estar em condições de defender o povo; logo ......... (espaço para o leitor completar o meu raciocínio).

Qualquer conversa para definir antes muito bem quem é o inimigo contra o qual deve-se lutar é, para mim, conversa sobre o nada, algo seinfeldiano. Se depois de vinte anos de guerra contra o tráfico de drogas ninguém souber direito contra quem está lutando, então somente podemos concluir que estamos cercados de gente idiota em questões de segurança pública. E se querem continuar enrolando, já basta a minha ilustríssima pessoa para isso, ao invés de sustentarem toda uma instituição de sujeitos incompetentes. Então, se a população - eu, o leitor e adjacências - está cercada pela violência de traficantes alucinados, mas as Forças Armadas, enquanto policial morre às pencas, negam-se a defendê-la, então só posso concluir que está se acovardando e sendo um dispêndio totalmente inútil para os cofres públicos. Serve apenas para causar comoção nas mulheres que adoram homens fardados ou para enfeitarem as ruas em paradas militares, da mesma forma que os exércitos do Xá no século XIX, segundo os europeus.

Claro (para mim, o que também é claro, e para mim também...) que não estou reclamando da validade das Forças Armadas enquanto instituição. Pois afinal de contas, quem foi que salvou o Brasil? Mas parece que, do jeito que está, elas não fazem jus às suas responsabilidades. E igualmente claro (para mim... O leitor já sabe o resto...) está que a má vontade de políticos (leiam, por favor: PT e siameses) acerca do envolvimento das Forças Armadas em operações ostensivas em favelas (e mais onde for necessário) tem um efeito paralizante nesta solução.

Portanto, se quisermos um Exército que sirva como enfeite em paradas militares, ok, mas que os militares não reclamem quando cortarem seus orçamentos ou quando forem taxados de inúteis. E fico triste em saber que o grau de periculosidade no exercício dos soldados das Forças Armadas é tão grande quanto fazer tricô em casa, mas parece que muita gente vê nisso não uma afronta, porém um motivo de orgulho e garantia de tranqüilidade ao se imaginar soldado.

Como iniciei este texto mencionando minha mãe, com ela o fecho. Desculpe, mãe, porém estatais que tratam seus funcionários como filhinhos - como toda estatal o é -, já bastam as outras. E suponho que nem todo mundo gosta de ser infantilizado - senão apenas e como um fato consumado pelos pais naturais, já que aos olhos desses os filhos nunca conseguirão deixar de fazer caquinha na fralda...

Sunday, March 20, 2005

Mesada para bandido

Não era sobre isso que eu ia escrever, porém foram poucas as vezes que fiquei tão indignado quanto agora, tendo lido que o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vai dar 60 reais ao mês para as famílias dos bandidos da FEBEM, esses mesmos que você, leitor, como eu, está cansado de saber que degolam, estupram, depredam, amedrontam e coisas lindas do gênero. E, como sempre, usando o dinheiro público - aquele que você trabalha como um doido para pagar em impostos que serão convertidos, mais tarde, em mesada para bandido.

Esse governador merece pelo menos ovo na cabeça.

Friday, March 18, 2005

Comentários sobre a sinceridade

Se dizer sincero é, na maioria da vezes, um artifício para agir como um canalha perante as pessoas, mas de forma a arrancar aplausos. Não é à toa que todo mundo que defende o aborto, a eutanásia, o comunismo e demais monstruosidades sempre se diz sincero, muito sincero, e tem a sensação de ter agido bem, o que traz prazer.

Ora, o nazista que meteu uma bala na testa do judeu estava apenas sendo sincero, neste sentido peculiar que só uma época tão abrutalhada quanto a nossa pode ser. E ninguém pode negar que Lênin, ao condenar à forca centenas de opositores para servirem de exemplo, se considerava justo.

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Essa sinceridade é uma maneira de extravasar tudo o que há de pior. Se você estiver com raiva de alguém, não basta engolir seco: é preciso jogar-lhe na cara toda a sorte de insultos. Se você quer uma mulher, não basta dissimular seus próprios passos a fim de, aos poucos, agradar-lhe: é preciso corresponder aos instintos, fazendo jus ao animal que há dentro de ti. Ou se você considera uma pessoa um tanto quanto chata, não basta gentilmente pedir-lhe licença, sob algum pretexto: é necessário jogar-lhe na cara que ela é uma pessoa horrível (vejam, não apenas chata, mas horrível).

Alguém pode dizer que não agiria assim. No entanto, há sempre os mais descarados e os tímidos, porém sonsos. A diferença está na disposição.

É esta modalidade de sentimentos que muitos chamam de sinceridade, mas eu costumo enxergá-la apenas como mais uma forma de estupidez.

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Só há uma forma verdadeira de sinceridade, que é aquela unida a três coisinhas fundamentais: o belo, o bom e o verdadeiro.

Por isso que a sinceridade é um nobre hábito, praticado por alguns, admirado por muitos, imitado toscamente por muitos mais. Ter sempre em mente que nossos passos devem estar sobre um piso verdadeiro, e que esse é o único caminho bom a se trilhar, e que faz bem e é belo, não, infelizmente não é algo que vem simplesmente do berço. É um esforço desinteressado que nos torna possuidores de tão grande tesouro. E a sinceridade, neste caso, é a paixão que um homem sofre em direção à verdade, sendo guiado por uma consciência reta (nada mais que outra maneira de afirmação da tríade belo-bom-verdadeiro).

Digo mais: é um nobre hábito porque é uma virtude, e toda virtude é prática de nobreza. Por isso que o cristianismo é uma religião feita para seres nobilíssimos, pois impõe como meta a perfeição tal qual Deus-Pai é perfeito. E todo código militar decente também prega algo parecido, sempre o aperfeiçoamento de si mesmo, a superação, a auto-imposição de grandes fardos. Não são, cristianismo e código militar, adequados a burgueses – no sentido de seres voltados apenas para o bem-estar e a comodidade.

Mas somos todos filhos de época burguesa (há os burgueses marxistas, burgueses liberais, burgueses nazistas e demais espécies de burgueses). Então não seria mais cômodo rebaixar essa sinceridade de caráter elevado a uma correspondência primária entre ação e pensamento na moralidade?

É neste sentido que alguém pode dizer que no Afeganistão do Talibã ao menos eles eram sinceros no trato das mulheres, enquanto aqui é tudo dissimulado. Ou que pelo menos em países como os EUA ou África do Sul tratavam (tratam, no caso dos EUA) os pretos de forma mais sincera (se por “mais sincera” se entende “menos dissimulada”) que aqui no Brasil. E que o leitor imagine aqui um sem-número de outros exemplos que por extensão podem ser aplicados ao caso.

***

É por causa da existência da tríade bom-belo-verdadeiro que uma pessoa que age grosseiramente em nome da sinceridade pode ser tudo, menos sincero. Age apenas como um papagaio, repetindo as palavras de alguém toscamente e sem entender nada que ouviu ou diz.

Ou seja: se o leitor não consegue harmonizar uma reta disposição de espírito com a verdade, e não sente prazer ao agir assim, então infelizmente está no time das falsas consciências. E elas, como tais, sempre se arrogam sinceras – e no entanto sua crença realmente o é, mas não a verdade.

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Apenas um desfecho para o leitor refletir.

Kalos kagathos são duas palavras gregas estranhas e que se prestam, na nossa língua, a vários trocadilhos. No entanto, é uma idéia muito elevada o que elas representam. Sua tradução é “belo e bom”. Um kalos kagathos é um nobre. Era o ideal de nobreza do homem grego. Talvez o leitor se pergunte sobre como atingi-lo. Isso não interessa por enquanto. O que importa é que não é de hoje que existe a associação entre nobreza, a beleza e a bondade.

Sunday, March 13, 2005

Pequena e atrasada homenagem ao Dia Internacional da Mulher

Relembrando todo o esforço de milhares de feministas contra o jugo opressor do macho ocidental, e também relembrando que, conforme as palavras do Estagirita, a visão é, dos sentidos, o que mais prazer nos proporciona, eis então minha pequena homenagem a esse dia tão monumental, a ponto de eu nem saber direito quando é - mas que provavelmente já passou -, nem se é correto dizer "da mulher", pois o termo talvez não remeta à diversificação do gênero feminino ao redor do mundo. Deixo como está. Mas esse problema, pensando bem, com toda a certeza haveria de ser comentado e analizado com todas as sutilezas pelo eminente e de voz grave sofista Pródico, bem sábio, rigorosa autoridade em distinções entre sinônimos e belas coisas da mesma espécie. Sem querer me alongar mas louco por dar um exemplo das eminentes distinções do sofista, ele dizia, por exemplo, que uma bela discussão não causava prazer, mas satisfação, porque o prazer é apenas uma sensação corporal agradável, enquanto a satisfação é relativa ao bem-estar da alma. Mas Pródico não está mais entre nós desde o século IV a.C., o que me obriga a apenas imaginar o que ele dissertaria a respeito do tema. Deixo o problema então para alguma bela feminista, caso haja alguma que por ventura leia estas tortas palavras, a fim de esclarecer tão importante questão.

Estou me alogando demais, como de costume. Eis então, logo abaixo, todo um grupo de mulheres que, na minha opinião, com muito esforço e perseverança tornou nosso mundo mais agradável para se viver. Sejamos sempre gratos, pois elas merecem, indiscutivelmente, não só um dia, mas uma semana inteira de festividades.















Eu quase ia esquecendo de mencionar tão preciosa fonte: basta clicar aqui.

Saturday, March 12, 2005

O jogo esquerda-direita

Eu escreveria sobre uma coisa qualquer, porém felizmente topei com um extrato de O século do nada, último e mais combativo livro de Gustavo Corção, no bom site Permanência. É o capítulo II, livro I, chamado O jogo esquerda-direita, que pode ser lido aqui. Recomendo fervorosamente aos leitores deste blog, ainda que sintam preguiça por causa da extensão do texto, pois nada mais útil, em relação a um tema tão cheio de falácias, expugarmos nossa tolice, como diria mais ou menos o próprio Corção.

Mais um comentário: é impressionante como este jogo foi difundido e gruda em nossos cérebros como chiclete no sapato. Talvez pela simplicidade e comodidade do (falso) raciocínio, atribuindo tudo de bom à esquerda e tudo de ruim à direita, ou então criando falsas dicotomias (como por exemplo opor justiça, que seria de propriedade da esquerda, à ordem, propriedade da direita, ou liberdade-esquerda e autoridade-direita, etc.), quem quer que caia nessa gandaia intelectual terá o cérebro transformado em pamonha. Daí que não é à toa que é difícil convencer alguém intoxicado até a medula com o jogo esquerda-direita que o comunismo, longe de ser libertário e herói da justiça, é uma proposta completamente ditatorial e promovedora de injustiças por todos os cantos por onde é semeada.

Ah sim, e o artigo demonstra a tremenda mancada de Maritain, que entrou muito catita nesse esquema. Aliás, o livro é recheado de mancadas de Maritain - uma das coisas mais assombrosas do século passado, a julgar a inteligência do filósofo, e que de certa maneira representa as mancadas de boa parte da Igreja sobre o assunto, o socialismo. O neotomista é um caso sui generis, pois em se tratando do conjunto de sua obra, parece que devemos levar a sério tudo o que escreveu sobre filosofia e jogar fora tudo que ele disse sobre política, sociedade, etc, etc - dentro do contexto do século XX, em relação ao socialismo.

Agora chega, pois vou beber água e fazer alguma outra coisa, pois até quem escreve para blogs tem mais o que fazer, por mais assombroso que isso possa parecer a alguns.

Sunday, March 06, 2005

Great Books

Na década de 50, enfim foi publicada a coleção Great books of the western world (Chicago, Encyclopaedia Britannica, Inc., 1952, 52 vols; na segunda edição, em 1990, ela foi aumentada para 60). Ela foi criada graças aos esforços de dois homens, Mortimer Jerome Adler, um dos maiores educadores americanos do século XX, e Robert Maynard Hutchins. Em Great books encontramos reunidos autores das mais variadas estirpes, tais como Homero e Freud, Kant e Newton, Lavoisier e Faraday, Virgílio e Aristóteles, Galeno e Euclides, Ptolomeu e Cervantes, Marx e Eurípedes, e muitos outros. Como uma introdução há um livro à parte chamado The great ideas, a syntopicon of great books of the western world (em 2 vols, também pela Encyclopaedia Britannica, Inc., 1952, segunda edição de 1990).

A coleção segue uma ordem cronológica. Começa com a poesia de Homero e com o Velho Testamento, varando os séculos até chegar, enfim, no século XX. É como se seguisse um roteiro. A leitura seqüenciada é útil porque não raro um autor se refere ao seu mestre e predecessor, tornando claro para nós o desenvolvimento das mais diversas questões.

O conteúdo de cada volume é dividido por autor, salvo em alguns casos de proximidade de um mesmo assunto: aí autores são agrupados em um único volume. Assim, por exemplo, o quarto é dedicado apenas a Homero, enquanto o quinto é dedicado a Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes, ou seja, o teatro grego. Gente mais gulosa como Aristóteles, Sto. Tomás de Aquino, Shakespeare e Gibbon abocanhou dois volumes cada.

Um problema que salta aos olhos de qualquer um é o do critério da escolha dos livros para a coleção. Não é uma questão das mais fáceis. Mortimer Adler, no entanto, disse certa vez que não foi um, mas três os critérios adotados:

O primeiro era o significado contemporâneo do livro - relevância para os problemas e questões importantes do século XX. Os livros não foram feitos para serem olhados como relíquia arqueológica - monumentos em nossa tradição intelectual. Eles seriam obras que tanto nos interessa hoje quanto na época em que foram escritos, ainda que há séculos atrás. Eles são portanto eternos - sempre contemporâneos, e não confinados a interesses que mudam de tempo em tempo ou de lugar em lugar.

O segundo critério foi sua infinita readaptabilidade ou, no caso das mais difíceis obras matemáticas ou científicas, sua análise incessante. A maioria dos 400 mil livros publicados a cada ano não vale a pena ler nem mesmo uma única vez; bem menos de mil a cada ano vale a pena ler novamente. Quando, o que não é freqüente em qualquer século, um grande livro aparece, vale a pena lê-lo de novo e outras vezes. É inexaustivelmente readaptável. Não pode ser completamente entendido em uma, duas, ou três leituras. Mais é para achar em toda leitura subseqüente. Isso é um critério exato, uma idéia que é completamente atendida por unicamente um pequeno número de 511 obras que selecionamos. Ele é aproximado em vários graus pelo resto.

O terceiro critério foi a relevância da obra para um número bem extenso de grandes idéias e grandes questões que ocuparam as mentes de pensadores individuais dos últimos vinte e cinco séculos. Os autores desses livros pegaram parte na grande conversação, não somente para ler obras de muitos de seus predecessores, mas também para discutir muitas das 102 idéias tratadas no
Syntopicon. Em outras palavras, os grandes livros são os livros nos quais a grande conversação ocorre sobre grandes idéias. É o conjunto de grandes idéias que determina a escolha dos grandes livros.

M. Adler, em Como ler um livro, disse que buscava oferecer uma educação liberal. Seria uma baseada nas antigas artes liberais medievais. Elas eram divididas no trivium (gramática, retórica e dialética) - a arte das coisas humanas e do bem falar, discutir e raciocinar - e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia) - arte das coisas do mundo e do segundo patamar de abstração. Auxiliada pelos mestres através do contato direto com as fontes em Great books, uma pessoa entraria em contato com a tradição que lhe foi legada e teria uma compreensão superior dos problemas fundamentais do mundo, podendo muito bem dar-lhes inclusive solução prática. Daí que M. Adler vislumbrava esse ensino como uma forma de desenvolvimento da liberdade dos cidadãos.

Tal é, em poucas palavras, a importância do Great books. Embora até hoje existam discussões sobre o cânon que ficou estabelecido na coleção, o fato é que ele reúne o mínimo que precisamos para sermos bem educados e trabalharmos bem a nossa inteligência. É uma leitura nas fontes, que nem sempre são fáceis de compreender, mas que são sempre extremamente férteis. E o próprio Adler, em meio de suas centenas de livros, dá várias dicas para uma melhor compreensão dos livros.


Mortimer J. Adler (1902-2001)


Robert Maynard Hutchins (1899-1977)



Coleção Great books of the western world

Saturday, March 05, 2005

Sabedoria popular

Dois sujeitos conversando numa lanchonete (segundo testemunhos de alguém que conheço):

- ... mas tô cheio de pobrema na vida.

- Não se fala "pobrema"! "Pobrema" é quando tu tem que resolvê conta. Quando tu tá com a vida ruim, cê tem que falá "probrema".

- Ah é.


E o dia se tornou ainda mais alegre para mim.