Tuesday, February 24, 2009

Pedagogia do cemitério

A disposição de certos locais mais ou menos próximos de onde moro me chama a atenção, tanto por ter sido fruto do acaso como pela significação simbólica. A Lapa, chamada de área boêmia do Rio, é um bom exemplo. Logo no início, há vários estabelecimentos festivos, onde há tanta gente apinhada que não raro é difícil de andar. Não raro também é o consumo de drogas e prostituição. Se continuarmos andando e passando pelos Arcos de Lapa, ainda haverá as mesmas coisas, porém bem mais a frente está uma funerária, e ao seu lado o Instituto Médico Legal. Caminhando mais um pouco, deparamo-nos com o INCA e o Hospital da Cruz Vermelha, embora haja outros estabelecimentos de saúde próximos. Ora, o sentido disso sempre me foi muito presente: além do desregramento está a morte. Não sei se muitas pessoas fazem alguma reflexão desse tipo ao passar por todos esses lugares, mas deveriam.

Bem próximo de onde moro, a ponto de ser impossível de dormir no meu quarto quando há carnaval, há o Sambódromo. O que muitos não sabem ou não se deram conta é que ali perto há o Cemitério do Catumbi, talvez a menos de duzentos passos. Considero simplesmente inacreditável que nenhum carioca tenha refletido acerca disso. Os mortos jazem a não muitos metros das extravagâncias. Deveria ser, aliás, costume fazer uma peregrinação até aquele cemitério após ir ao Sambódromo, como medida educativa. Vejam os gregos por exemplo. Lembro-me muito mal de uma aula em que um rapaz falava acerca de uma festa muito estranha na Grécia clássica. A certa altura das festividades, as pessoas, dentro de tavernas, ficavam por algum tempo caladas e concentradas, de cabeça baixa e olhando para suas canecas. Não me lembro exatamente da razão desse comportamento, mas tinha alguma coisa a ver com a presença de espíritos: era como se cada um se concentrasse a fim de não ser perturbado pelos mortos. Em seguida elas voltavam ao normal e voltavam a beber e conversar. É algo análogo à missa: há o momento em que todos se confraternizam dando a paz de Cristo, mas também todos se calam imediatamente após a comunhão, sendo que anteriormente os mortos são lembrados: Memento etiam, Domine...

Fosse eu pastor ou padre e teria feito um sermão de domingo levantando esses pontos.

A morte é uma das realidades da nossa existência. Assim, toda a nossa vida está ancorada, queiramos ou não, em sua presença. Contudo, mais de um século de positivismo escamoteou tudo aquilo que não passava pelo crivo da ciência experimental. Como a morte poderia ser considerada do ponto de vista científico, ou, melhor dizendo, que ciência teria a morte como objeto? Um materialismo implícito fez com que simplesmente uma das realidades mais próprias de nossa existência fosse considerada um não-assunto. Ela ficou, no máximo, relegada ao domínio das crenças subjetivas e à conversa informal. Todavia, seria injusto considerar o positivismo o único vilão. Por mais estranho que pareça, os avanços técnicos e políticos, que permitiram a existência de uma enxurrada de pessoas como nunca se vira antes, contribuíram igualmente para o quase esquecimento da morte. Com as expectativas de vida subindo cada vez mais e com a relativa melhoria das condições de vida, uma quantidade imensa de luxo e conforto foi disponibilizada para virtualmente quase toda a humanidade. A existência começou a parecer não mais tão penosa como no passado -- um engano lamentável, mas é essa a sensação. A profunda instabilidade da vida, que se refletia tão materialmente que mesmo no Pai-Nosso é sempre pedido "o pão nosso de cada dia", atualmente parece ter se tornado um problema meramente filosófico: com efeito, a urgência do "pão nosso de cada dia" não parece ser mais tão grave assim. Catástrofes de abastecimento tais como houve na Rússia em fins do séc. XIX parecem aos olhos do observador mediano algo circunscrito tão-somente a regiões remotas do mundo. Tudo isso fez com que a realidade da morte fosse uma experiência longínqua para muitíssimas pessoas. Diferentemente de um Bach, que se tornara órfão bem jovem, perdera a primeira esposa e ao longo de sua vida quase metade dos filhos, quantos de nós passaram por algo semelhante? Para muitíssimas pessoas, realmente a morte não tem sido uma experiência próximo: quando muito, chora-se a perda de algum parente afastado ou um amigo. Quanto não conhecem a morte tão somente por assim dizer de oitiva? Contudo, mais cedo ou mais tarde, todos enfrentarão a presença da morte.

Não quero empreender uma análise a fim de descobrir se o positivismo é causa ou efeito do avanço técnico-político. Desejo apenas salientar que a morte acabou sendo posta para debaixo do tapete. Ora, tudo aquilo que é uma realidade na vida humana jamais poderá ser escondido sem prejuízo. A conseqüência disso é que ela surgirá com força redobrada. O século passado foi assaz ilustrativo: quando a morte parecia sob controle, duas guerras mundiais sangrentas e regimes totalitários causaram a morte de mais de trezentos milhões de almas, e essas mortes totalmente desprovidas de sentido não param. Ao mesmo tempo, a decadência da política tem transformado os centros urbanos em moedores de carne, principalmente em países como Brasil, onde a taxa de homicídios é assombrosa. Embora tenham tentado transformar a morte em peça de antiquário, ela vem se mostrando com uma vitalidade apavorante.

Essa situação é desconcertante. Com todo o aparato técnico, simplesmente nos vemos por assim dizer mais inermes do que nunca contra os grilhões da morte. Ela desempenha sua função com um desassombro particularmente humilhante.

(Continua...)

Ida ao concerto

(Como estava pessimamente escrito, decidi republicar este post, ainda que certas coisas provavelmente tenham me passado em branco. Não é improvável eu reescrevê-lo novamente.)

*

Sábado fui assistir à apresentação de Daniel Taylor na Sala Cecília Meirelles acompanhado por mais um Taylor, A.J.P., o falecido historiador inglês que escreveu A Segunda Guerra Mundial. Não sei se os dois têm algum parentesco, mas direi alguma coisa sobre ambos. Contudo, direi primeiramente certas coisas imediatamente anteriores à apresentação.

Tendo chegado cedo, cousa espantosa vindo de alguém tão mal relacionado com os ponteiros como eu, decidi fazer uma hora numa igreja ali próxima. Mal entrei e vi um sujeito baixinho ensaiando umas músicas com um coro tão animado quanto feminino e de idade algo avançada. Ao lado, uma senhora tocava um teclado num estilo tal que julguei ser alguma performance ultra-moderna. Devo mencionar ao leitor que uma das pragas modernas é, na minha opinião, o teclado. Por mais que digam que ele soe como qualquer coisa imaginável, na minha modesta opinião ele soa apenas como um teclado tentando ser qualquer coisa imaginável. A falta de entrosamento entre o coro e o teclado era impressionante, sendo compensada pela extrema desafinação daquelas almas piedosas, algo que o baixinho, animado como estava em lhes ensinar canções, parecia ignorar completamente. Sua boa vontade era igualmente impressionante, e então percebi que talvez ele estivesse cumprindo algum tipo de penitência inusitada misturada com algum tipo de masoquismo, o que talvez tornasse a penitência inútil.

Aquilo não foi minha primeira comoção musical do dia, pois sentira algo semelhante ao passar, muitas horas antes, em frente à Igreja da Santa Cruz dos Militares, caso minha memória não me engane. No momento da comunhão, alguém teve a belíssima idéia de fazer um acompanhamento musical num estilo semelhante a Ivan Lins, porém em tons por assim dizer sacros. Nunca me passara pela cabeça uma missa sitiada pela cafonice, mas naquele momento as pessoas conseguiram esse milagre. Infelizmente meu dáimon me mandou apertar o passo, embora eu esteja até agora querendo saber que raio de música era aquela.

Quanto à igrejinha do baixinho animado, igrejinha aliás muito bela e que conheci graças a um evento totalmente mundano, isto é, quando da apresentação de quartetos de cordas de Beethoven, decidi, pois, ficar ainda mais, pelo menos até a hora da comunhão, esperando que Deus não me julgasse mal por ter de sair no meio da missa por causa do concerto. Chamou-me a atenção todas as pessoas serem de idade avançada. Numa igreja aqui perto de casa algo semelhante parece ocorrer no meio de semana, exceto uma vez que vi uma senhorita de minissaia lá dentro. Mas aquela igrejinha estava razoavelmente cheia, num sábado frio e chuvoso, cousa mui louvável. Em todo o caso, eu era o caçula. Obviamente não havia razões para me incomodar com nada disso. Um incômodo, na realidade, irrompeu mal tendo começado a missa. Antes que alguém me julgue destituído de espiritualidade, advirto que me refiro ao andamento estranho da missa. Aquele sujeito baixinho, que então descobri ser o pároco, juntamente com seu assistente, coreografava um balançar de braços dos fiéis. Havia uma cantoria de gosto duvidoso, uns gestos estranhos, uma música mal feita, uma leitura um tanto canhestra de passagens bíblicas, enfim, tudo era terrivelmente mal conduzido. Naqueles momentos, enquanto eu me perdia a olhar aquela igreja tão agradável, eis que me surgiram as palavras que certa vez meu amigo Carlos escrevera em seu blog sobre a união da beleza com a liturgia. O que ele escreveu é, garanto, produto de considerações mui pessoais, pois ele próprio experimentara cenas litúrgicas esquisitas. Mas, pedindo gentilmente licença a meu amigo, eu avançaria um pouco mais e diria que toda a missa que não leva suficientemente a sério a união da beleza com a liturgia cai, na menos pior das hipóteses, no cômico. Em certa ocasião, durante missa em lembrança à minha avó falecida, havia um cidadão que entoava cânticos numa voz tão bizarra e com um jeito de falar tão inaudito que foi um empreendimento heróico manter o auto-controle para não rir durante tão grave evento.

Como eu estava com um espírito de concerto, não pude deixar de matutar que atualmente seria um período glorioso para as missas de Haydn, as quais, na época, foram ignoradas por causa de seu espírito alegre demais. Ora, sequer precisaríamos de uma orquestra e coro: bastaria um tocador de cd ou um desses cacarecos tecnológicos atuais que desconheço velhacamente. Por que, dentre as opções, há o hábito de sempre escolherem a mais infeliz? O mais curioso é o raciocínio de que o povo precisa daquilo que mais lhe convém, tendo implicitamente a noção de que o povo só gosta do que for pior. Música mal feita no lugar de Haydn parece ser, na cabeça de alguns, mais próprio ao povo.

Deixei, pois, a agitação de papéis de lado, mesmo antes da comunhão, e me dirigi à sala de concerto, embora, para meu espanto, faltasse ainda meia hora para o início da apresentação. Sentei-me e decidi conversar um pouco com o historiador inglês, autor de A Segunda Guerra Mundial.

Não há nada pior que estar em má companhia. Talvez a única coisa pior é não poder desembaraçar-se dela. Para me gáudio, não era o caso em questão. A.J.P. Taylor me foi um ótimo companheiro de conversações, de tal modo que o deixei falar o tempo todo a fim de aprender.

Esse livro foi escrito no início da década de 60 e se tornou um clássico, embora tenha sido inicialmente detestado, exceto por "ex"-nazistas. Eu tinhja ouvido falar de Taylor graças a um outro excelente historiador, John Lukács, mas não podia imaginar que, além de ser inteligente, ele era tão divertido. Sua ironia é sutil -- às vezes nem tanto --, bem agradável, o que me rendeu algumas risadas, como no momento em que ele diz que as indenizações de guerra da Alemanha eram motivos "de insatisfação intelectual; coisa para lamentar à noite, e não motivos de sofrimento na vida cotidiana", que, em bom português, significa "frescura". Na mesma página, ainda sobre as indenizações, ele continua: "O homem de negócios em dificuldade, o professor mal pago, o trabalhador desempregado, todos as culpavam pelas suas dificuldades. O choro de uma criança faminta era um protesto contra elas. Os velhos iam para a cova devido às reparações." Ironia e sarcasmo que segundo meu imaginar só os ingleses conseguem desempenhar tão bem. Contudo, não pude deixar de perceber como tudo aquilo se aplica extraordinariamente ao Brasil, com a única diferença de o culpado ser a "exclusão social" ou o "capitalismo". Numa página anterior, ele diz que os ingleses começaram "a denunciar a loucura das reparações, tão logo se apossaram da frota mercante alemã", cousa que deve ter irritado mais de um inglês ao ler isso. Essas e outras passagens indicam que Taylor era polêmico, porque ele estava atacando todos os sagrados lugares-comuns: que a Alemanha não tinha como pagar as indenizações de guerra; que o Tratado de Versalhes foi totalmente péssimo para aquele país; que o programa de rearmamento alemão foi pesado durante quase toda a década de 30; que a guerra mundial foi tramada por Hitler; que o ditador, aliás, era um estadista -- Lukács desenvolveu mais esse ponto; que planos como a anexação da Bélgica e Ucrânia, guerra contra a França e o Lebensraum não eram idéias típicas de Hitler, mas alemãs, e desde a Primeira Guerra. A lista é ainda mais extensa. Não foi por acaso que seu livro teve inicialmente uma recepção péssima e, para piorar, acabou erroneamente saudado por "ex"-nazistas, portanto interpretado por todos como uma espécie de reabilitação de Adolf Hitler: interpretação completamente torta, diga-se de passagem.

É lamentável quando o historiador é obrigado a seguir a opinião de todos tão-somente porque parece ser a mais agradável. A idéia de oposição ao establishment por si mesma é agradável apenas a quem não saiu da adolescência mental. No caso do historiador, a situação é mais complicada porque, afinal de contas, a pesquisa jamais cessa. Um estudioso busca explicar o que ocorreu, nunca se satisfazando com as explicações aparentes. Um pesquisar tem de ser uma pessoa séria, não um instrumento que ecoa a opinião do dia. O exemplo do modo como o próprio Taylor conta de como foi obrigado a rever suas posições ao longo de suas pesquisas é ótimo. Ele, como diria Aristóteles, foi constrangido pela verdade, muito embora fossem contrárias não só às suas primeiras opiniões como ao consenso: ele acabou sendo detestado por muitos. É uma infelicidade monstruosa que em nosso país os cursos de história tenham sido tomados por selvagens cujo espírito é o oposto ao do verdadeiro historiador, embora esses infelizes se considerem espíritos críticos: eles querem unanimidade tão-somente. Mas que o leitor não exagere duplamente o que estou dizendo: Taylor não tem razão sempre e eu ainda estou lendo o livro*.

Precisei terminar a agradável conversa com Taylor porque o concerto iria começar. Até o instante em que escrevo estas linhas tortas, não compreendi por que os organizadores chamaram o evento de "Música Antiga", já que nem Dowland, nem Handel e nem as composições anônimas apresentadas eram música antiga. Naturalmente, a dúvida que surge é saber o que diabos significa esse termo. O canto gregoriano é antiqüíssimo, talvez a música mais antiga ainda em uso, mas não tenho certeza se seria apropriado classificá-lo como música antiga. Talvez seja mais próprio usar o termo para as músicas da Antigüidade, mas é bom que se diga que os próprios medievais, a certa altura, dividiam os estilos em ars antiqua e ars nova, e isso nada tinha a ver com a Antigüidade. Para o nosso gosto e, por que não, da própria Renascença, ars nova é algo inacreditavelmente arcaico, tanto quanto ars antiqua. E sabemos muito pouco da música da Antigüidade. Do ponto de vista da música clássica -- o termo aqui se refere à música de um determinado período --, talvez não seja um absurdo total considerar que o período barroco e anterior não passam de algo cafona e fora de moda, ainda que seja uma extravagância colocar no mesmo saco gente tão diferente como Handel e Dowland. É sempre complicado estabelecer o que é moderno e o que é velho segundo o que parece mais antiquado. Mas, como diria Taylor, são inquietações intelectuais boas para incomodar o sono, mas que não afetam em nada a vida cotidiana. Assim, estando o termo equivocado ou não, os músicos estavam lá e havia público suficiente para a apresentação.

Evidentemente, a atração principal do concerto era o contratenor Donald Taylor, o qual, repito, não faço a menor idéia se é parente ou não do historiador inglês. A primeira parte da apresentação foi consagrada a Dowland e compositores anônimos. Se o leitor nunca ouviu o compositor inglês, saiba que suas músicas são ótimas para incentivar a produção de bílis negra. É impressionante como Dowland compôs tantas músicas melancólicas. Na minha opinião, um dos melhores momentos foi quando Taylor cantou I saw my lady weep, embora não tenha havido uma segunda voz. Não que ele tivesse se apresentado sozinho: havia uma soprano extremamente bonitinha com ele, trajando um longo vestido esverdeado. Dentro do meu limitado entendimento musical, ela cantava muito bem. Pensei nas palavras de um poeta que dizia não haver nada mais agradável que ouvir um talento combinado a uma feição bela. Não posso cometer a injustiça de esquecer o senhor do alaúde, instrumento delicado que foi muito bem tocado.

A segunda parte foi dedicada quase inteiramente a Handel, com acompanhamento de piano. Confesso que seria mais agradável se houvesse uma pequena orquestra de câmara, mas não quero choramingar porque o pianista era muito bom. Se alguém tinha alguma dúvida de sua habilidade, suponho que ela tenha desabao após a execução de uma transcrição de Liszt de uma peça bachiana, se não me engano algum prelúdio e fuga. Algumas árias de Handel sustentaram alguma melancolia, ainda que bela, como durante a apresentação de um duo da ópera Theodora. Para quebrar a melancolia, o espetáculo findou com duas árias heróicas da ópera Giulio Cesare, em que Taylor alternava entre contratenor e barítono, exibindo suas habilidades vocais. Durante as árias heróicas, ele também fazia questão de interpretá-las, explicando antes ao público brevemente do que se tratava.

Eu estava tão perto do palco que não perdi um único perdigoto, nem uma eventual enxurrada deles, mas suficientemente afastado para me pôr a salvo deles. Eu gostaria de ter visto mais o pianista usando o pedal, mas a cabeça de um senhor na primeira fileira embargou-me o intento, bem como do senhor desprovido de cabelos que estava atrás dele. São detalhes irrelevantes, pois a apresentação foi boa, mesmo quando Taylor disse que o Ptolomeu da ópera conseguia ser ainda mais malvado que Bush.

Foi uma sensação curiosa voltar para casa depois daquele evento, pois tive de passar pelo mafuá dos Arcos da Lapa, zona considerada boêmia. Era como se eu estivesse me perdendo nas mais profundas trevas da antiga Germânia ou nos pântanos da velha Britânia. Minha imaginação não concebe as razões que levam um semelhante meu a embrenhar-se prazerosamente num local tão feio e lotado de mafomas e demais gentes de má catadura. Agora bem: a memória do espetáculo anulou aquele ambiente. Segui embalado por aquelas músicas até meu lar, como aliás já o tinha feito em outra ocasião, durante o festival dedicado a Beethoven, o que comprova que a boa arte nos permite sustentar muitos tormentos.

*Isso foi quando publiquei pela primeira vez esse post. Tendo já terminado de ler o livro, apenas devo repetir que ele é realmente excelente. Sua principal contribuição foi reorientar a história diplomática do período do entre-guerras, além de fazer repensar muitos lugares-comuns que infelizmente até hoje são repetidos. Certas vezes Taylor exagera: ao contrário do que ele diz, Hitler bem provavelmente desejava atacar militarmente a Tchecoslováquia e a Polônia, mas é também provável que ele não quisesse envolver as potências ocidentais no jogo. Ele, porém, era um homem de inclinações extremas, até mesmo suicidas, ignorando os riscos de suas cartadas: ao contrário de homens como Chamberlain, Hitler era um jogador.

Há um apêndice interessantíssimo, que é trancrição de um breve curso dado por Taylor numa universidade na década de 70. Ele explica que em raros casos as guerras são realmente planejadas de antemão. Mas há outro motivo para esse apêndice ser interessante. Taylor diz que seu livro A segunda guerra mundial, no qual ele buscava as causas do conflito mundial, tinha um equívoco: ele não analisou os fatos até 1941, quando realmente o conflito se torna mundial. O livro termina com uma análise da crise polonesa. De 1939 a 1941, a guerra teria sido apenas européia, e como tal, fadada a ser contada tão-somente como mais um dos inumeráveis conflitos europeus ao longo da história.