Friday, December 21, 2007

Tocata e fuga em ré menor, por Karl Richter



Eu não tinha noção de como é possível encontrar músicas legais no Youtube. Para dizer a verdade, nem sei se postei direito. Mas se tudo der certo, passarei a colocar algumas músicas de vez em quando. Espero que o leitor, agora ouvinte, consiga ouvir a interpretação de Karl Richter da famosa Tocata e Fuga em ré menor, BWV 565, de Bach.

O Gandhi brasileiro

Eu não poderia deixar de expressar a minha felicidade quando soube que enfim terminou a greve de fome do lamentavelmente conhecido Dom Luiz Cappio, já que seria uma lástima morrer de forma tão imbecil.

Sei bem que vivemos em tempos loucos. Prova disso foi a própria ação deste senhor, utilizando o martírio como forma de suicídio a fim de embargar uma obra puramente técnica do governo. Se ela é boa ou não, que os interessados investiguem. Contudo, é o fim da picada utilizar Cristo crucificado como justificativa a fim de manifestar descontentamento para com uma obra governamental e, pior ainda, como instrumento para impor a sua vontade. Eu até compreenderia, embora discordasse, se Dom Luiz Cappio se mortificasse em protesto contra os constantes assédios do governo para a liberalização do aborto, do casamento gay, da manipulação de embriões para pesquisas de células-tronco etc. Conforme uma vez disse Cícero a respeito de Marco Antônio, nada mais cômodo do que falarmos acerca de seus podres, já que a matéria para tanto é fecundíssima. Mas parece que na hierarquia de valores do tristemente célebre Dom Luiz Cappio, a engenharia, para não falarmos de sua vontade, é superior a tudo, inclusive ao próprio magistério da Igreja que ele teoricamente representa ou deveria representar.

Note bem o leitor como tudo isso é tragicômico. Sabemos bem que algumas crianças, quando se vêem constrangidas a fazer alguma coisa, simplesmente se atiram no chão e de lá não saem senão pela violência. Embora às vezes seja um espetáculo desagradável de ver, no final das contas é uma daquelas situações ridículas que nos fazem rir. Agora bem: que dizer de um adulto que, mutatis mutandis, não só faz a mesma coisa como inclusive põe a sua própria vida em risco? Porque foi exatamente a atitude de Dom Luiz Cappio. Já que sua vontade não seria acatada, preferiu lançar mão do recurso da chantagem. Ora, sabemos que um adulto tem noção do que é certo ou errado, ou ao menos deveria ter, o que implica num senso de hierarquia. Toda essa situação foi de um ridículo atroz, mas quase uma piada mortal. Eu diria que a greve de fome daquele cavalheiro foi tão-somente uma encenação barata destinada a comover os mais sensíveis e desatentos, ou quem sabe para o deleite dos mais cínicos, ainda que sua vida corresse perigo, e aliás mesmo se ele viesse a falecer. Foi uma situação que lembra a daquela outra figura tristemente célebre, deputada Cida Diogo, que veio às lágrimas se dizendo mortalmente ofendida por causa de certas declarações do deputado Clodovil. Por mais que essas duas pessoas enganem a si próprias, é tudo farsa, ação de mocinhos satisfeitos, conforme já dizia o mestre José Ortega y Gasset. Daí que, tentando ser Gandhi, não passou de uma paródia bisonha, parecido com aquele personagem de Chico Anísio, o Vampiro Brasileiro.

Friday, November 02, 2007

Do site Permanência

O dia de hoje ficará marcado na História como um dos mais tristes para a Civilização dos homens. Em mais uma atitude anti-católica, os parlamentares espanhóis votaram uma espécie de "excomunhão" do General Franco. Condenaram a glória do exército espanhol que, vencendo com bravura os assassinos comunistas, encerraram um ciclo negro da história deste povo católico, que viu seus padres e freiras sendo violentados e assassinados, centenas de igrejas serem queimadas, o sacrilégio e o terror, dignos dos tempos das guilhotinas revolucionárias, espalhados pelo glorioso solo espanhol.

Mais uma vez a mentira dos intelectuais, dos jornalistas, dos políticos "moderados", da mídia ignóbil, que lambem as botas tintas de sangue dos terroristas e assassinos, derruba um marco de heroísmo e de bravura das nossas vitórias contra a Besta do comunismo. Mais uma vez a vingança dos derrotados atinge em cheio aqueles que, mortos e sem direito à defesa, vêem do céu sua honra, sua honestidade, seu patriotismo, elameados pela mentira.

Nossos leitores menos atentos poderiam dizer que, pelo menos, na véspera, a Igreja beatificou os 498 padres, religiosos e freiras, vítimas destes mesmos comunistas assassinos. Mas o meu coração não consegue encontrar aí nenhum repouso, pois eu ficara justamente estarrecido, amargurado e triste, profundamente triste, diante da covardia e da cumplicidade de todos os Eminentíssimos senhores cardeais e bispos que subiram em cátedra para as homilias em comemoração desta beatificação. Não encontrei, em nenhum dos três sermões que li, uma só explicação, uma só menção dos algozes daquele quase meio milhar de mártires. Em vez de explicarem para o povo fiel (que tinha o direito de saber a verdade) que aqueles católicos tinham sido mortos por COMUNISTAS ASSASSINOS, pelo simples fato de serem padres, de serem freiras, de serem católicos, os senhores bispos correram para avisar: - Olhem, não é por motivos políticos que eles são beatificados. Em outras palavras: não estamos aqui condenando o comunismo! Não. E se dessem, nos jornais, a estes senhores a palavra, eles certamente repetiriam as mesmas barbaridades históricas que os vingativos derrotados, nas Assembléias espanholas, proferiram hoje, mentindo e enganando o seu próprio povo, condenando o homem que salvou a Espanha e que deixou no coração dos espanhóis apenas lembranças de prosperidade e de paz. Agora vão destruir tudo. Vão destruir os monumentos, violar os túmulos, cuspir na honra de tantos heróis; vão arrancar do coração guerreiro a memória de tanto heroísmo. E daqui há poucas semanas, até técnico de futebol dirá que tudo de ruim na Espanha é culpa de Franco.

Tudo isso vem se somar à mesma vingança dos Comunistas derrotados que encontramos em toda parte, inclusive na nossa história recente, quando uma massa impressionante de dinheiro, de jornais, de artigos, de filmes, de livros, vem tentar varrer da mídia a verdade, como vemos hoje fazer o governo, e o jornal O Globo, com sua televisão e tudo o mais, quando o livro do Cel. Brilhante Ustra conseguiu rachar a carapaça de mentira e de marginalização que sofrem os que insistem em dizer a verdade histórica.

A condenação ao Comunismo não foi renovada no Concílio Vaticano II por causa de um pacto macabro entre a Secretaria de Estado do Vaticano e o Kremlin, pois era a condição imposta por Moscou para que os "observadores" cismáticos ortodoxos pudessem participar do Concílio. Desde então, nunca mais se ouviu falar na encíclica Divini Redemptoris, de Pio XI, que mostra a malícia intrínseca, visceral, desta seita diabólica que vomitou o inferno nos infelizes povos que viveram sob seu domínio. E é deste fedor que respiramos hoje, neste mundo alegremente esquecido de toda a barbárie centenas de vezes comprovada pelos governos comunistas. Hoje, nós caminhamos de mãos dadas com esta América Latina entregue, sem forças, sem um mínimo de vontade de reagir, de levantar-se, de por para fora este mal terrível.

Talvez isso tudo faça parte das dores... "quando tudo isso acontecer, levantai vossas cabeças, e sabei que está próxima a vossa redenção" (Ev. de S. Lucas, 21). Afinal de contas, se já não existe mais a Civilização Cristã, se já não é em torno dos critérios de virtude, de honestidade, de honradez, que se forma o homem do século XXI, então, talvez seja mais lógico que as atitudes dos governantes e dos intelectuais levem os homens a destruirem a memória de tantos santos e de tantos heróis. Portanto, você, caro leitor católico, não se espante, não se turbe, não tenha medo de dizer, ao menos no seu coração: eles mentem! Mas Cristo é nossa Vitória, e quando ela vier, brilhará do Oriente até o Ocidente, como o raio que atravessa o céu, e todos os homens verão a sua glória, enquanto seus inimigos serão confundidos.

Que fazer ?
Lutar. Combater. Clamar. Guerrear.
Roguemos pois a Deus, com todas as forças; desfaçamo-nos em lágrimas de rogo e gritemos a súplica que nos estala o coração: enviai-nos Senhor, ainda neste século,
um reforço de grandes santos, de grandes soldados que queiram dar a vida, no sangue ou na mortificação de cada dia, pela honra e glória de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Compadecei-vos, Senhor de nossa extrema miséria, e sacudi os homens
para que eles saibam quem é o Senhor !


Gustavo Corção
“O Século do Nada”



Recomendamos veementemente a leitura de Gustavo Corção, em seu O Século do Nada, no seu magistral capítulo sobre a guerra da Espanha. Essencial para se conhecer a verdade. Leia também O Alcazar de Toledo e O Mito de Guernica.

(Em http://www.permanencia.org.br/; de 31/10/07)

Sunday, May 27, 2007

Desculpa para meus erros bobos

Vira e mexe deixo passar uns erros idiotas. Outro dia eu estava relendo o que escrevi há posts atrás sobre ciência e descobri um "consiguisse" e um "univeral". Praguejei e consertei. Isso que dá escrever meio que às corridas e sem revisar nada direito. É que quando tenho alguma idéia corro e escrevo logo aqui. Às vezes preparo o que escrevo antes de publicar, mas isso não é muito comum, até porque já notei que, quanto mais preparo o texto, menor é a probabilidade de eu sequer terminá-lo. E quanto aos textos publicados, normalmente só mudo uma coisinha ou outra depois, principalmente naqueles textos que eu já aviso que são rascunho. Eu deveria escrever: "rascunho do rascunho". Por sinal, naquele último sobre o Brasil, reescrevi muita coisa e se bobear vou mexer no texto de novo. Outra desculpa é que, por um motivo que nem eu entendo, mas que imagino que seja um gracejo de alguma musa, costumo publicar os textos quando estou para dormir. Esse post mesmo é um bom exemplo. Eu estava caindo de sono (e ainda estou) quando de repente me veio a idéia de escrever essas coisas. Como não consigo dormir enquanto não escrevo de uma vez o que me vem à cachola, tive de acomodar meu traseiro na cadeira e colocar aqui no blog todas essas coisas entre mil bocejos. Aliás, peço logo desculpas ao leitor pela minha falta de educação.

Tendo escrito, dormirei. E tenha um bom dia.

Friday, May 18, 2007

Um pouco sobre o Brasil

Ortega y Gasset dizia que uma das principais características dos "mocinhos satisfeitos" (señoritos satisfechos) era sua falta de autenticidade. Os "mocinhos satisfeitos" têm a noção de que algumas coisas têm de ser o que são, mas eles fazem questão de berrar justamente o contrário. É tudo fingimento. Vejamos o que o filósofo espanhol diz sobre isso em A Rebelião das Massas:

Seria bom que estivéssemos forçados a aceitar como autêntico ser de uma pessoa o que ela pretendia mostrar-nos como tal. Se alguém se obstina a afirmar que dois mais dois é igual a cinco, e não há motivo para supô-lo demente, devemos afirmar que não o crê, por muito que grite e ainda se deixe matar para sustentá-lo.


(Só um adendo: esse ensinamento é valiosíssimo. Na esdrúxula polêmica entre Clodovil e uma deputada, podemos ver de que forma ela, que de autêntica só tem o fato de ser uma "senhorita satisfeita", fez todas as pirraças do mundo para debalde nos convencer que Clodovil a atacou terrivelmente. Claro que foi fingimento, além de petulância assombrosa. Foi exatamente esse tipo de fanfarronada que notabilizou os fascistas.)

Faz pouco tempo que nosso país entrou na bagunça dos tempos modernos, talvez em meados dos anos 50. E entrou desamparado, feito um filhote de gato perdido entre milhares de transeuntes velozes e desatentos. Esse é um dos nossos principais e mais graves problemas. Porque agora, como aliás ocorre em outros lugares, há a proliferação incrível de homens-massa em todas as partes da sociedade, mas, ao contrário do resto do mundo, aqui não há nenhum porto seguro onde possamos baixar velas e descansar. Se quisermos nos salvar - é isso que está em jogo -, teremos de levar a sério o velho ensinamento da Bíblia e suar muito para encarar esse problema. Estamos todos perdidos e é preciso que encontremos nosso rumo, pois não há brasileiro que possa responder satisfatoriamente o que é, afinal de contas, ser brasileiro. Essa alienação impressionante faz com que nossa nação exista apenas em forma de esboço. Nada mais propício para que todas as mazelas do mundo aqui encontrem acolhida segura e entusiasmada. Isso é urgente, porque do contrário não só nosso futuro estará comprometido como o pouco que ainda resta do passado será jogado no lixo.

Ainda é preciso enfatizar um ponto. Parece que a distância oceânica entre nosso país e a Europa acabou repercutindo no nosso afastamento de seu legado, o que redundou numa distância quase de civilizações. Aqui peço licença ao leitor porque é urgente um parêntese. Correndo o risco de ser arbitrário, preciso agora dizer apenas que me refiro em especial à Europa e não aos EUA porque acho que ainda devemos muita coisa àquele continente de onde saiu certa vez o almirante Cabral. Embora uma nação admirável, os EUA hoje são uma espécie de sonho da Alemanha antes da Grande Guerra. Além do mais, talvez seja preciso mais tempo para vermos se o poder de mando dos nossos belos irmãos do norte é comparável ou até superior ao da Inglaterra, que foi uma espécie de diretora de escola do mundo inteiro por tempo considerável. Mas eles têm feito, já há algum tempo, o meritório esforço de trazer para si o legado passado. A Alemanha, por exemplo, já o fez: o alemão foi se tornando uma língua culta à medida em que Homero, Platão e Aristóteles foram sendo entendidos segundo o ponto de vista alemão. Via-se claramente que era ali que se encontrava os ecos da velha Atenas. Em parte isso fez com que eles começassem a olhar seus vizinhos de uma forma mesquinha, mas isso é outra história. O que quero dizer é o seguinte: será que ao ler em inglês temos a mesma sensação de irmos ao Liceu ou à Academia como nossos vovozinhos tinham quando liam em alemão? Mas talvez não haja motivos para muita incredulidade, porque os EUA, sendo a encarnação da técnica e da liberdade política, essas duas forças sem as quais nossos países definhariam de forma catastrófica, precisam se manter, quase por necessidade absoluta, à altura do que são. Daí que essa questão de legado, que para nós às vezes pode parecer mais um jogo de espírito, para eles terá de ser uma questão imperiosa de vida ou morte. Deixemos que o tempo mostre como eles vão lidar com esse problema

Fechado o parêntese, voltemos. Eu dizia que a diferença entre nós e a Europa é quase de civilizações. Isso quer dizer que estamos cada vez mais afastados de nossas próprias raízes. Agora note bem o leitor: estou me referindo ao seu legado. Porque não importa simplemente o que distinto filósofo europeu hoje pense ou escreva sobre o que for. É preciso que ele seja claramente um membro atual desse passado europeu, sem decadentismos. Quando a nossa nação começou a crescer, a Europa já estava perdendo a si mesma. Numa palavra, começou a entrar em decadência. E nos dirigimos justamente para aquele país que mais experimentava anemia: a França. Crescemos sob as asas de uma senhora que não aguentava mais a si mesma. Do outro lado do Reno havia uma nação pujante e curiosa, que moldava o mundo moderno com espírito bastante curioso. Seus cientistas ganhavam prêmios Nobel, suas universidades eram consideradas as melhores do mundo e sua literatura começava a ser reputada como fundamental - sem contar a sua música, que bem antes já era motivo de respeito e veneração. Esta nação era a Alemanha. Descontemos as imperfeições graves que não a permitiram estar à altura dos tempos. O início do século XX foi uma das épocas mais paradoxais para aquele país, porque suas glórias no saber foram contrabalanceadas pelas catástrofes no terreno político. É uma versão curiosa daquele dito: sorte no amor, azar no jogo. O fato é que foi lá que homens de espírito sacudiram todas as áreas do conhecimento humano. Pois bem, nosso país, sempre atrasado e pouquíssimo curioso, perdeu a oportunidade de se ligar com aquele movimento importante. Nação prosaica que é, para o Brasil só duas coisas chamaram basicamente a atenção: a guerra e a política. Infelizmente não houve quem percebesse esse problema e chamasse a atenção. A única coisa que interessava era o modismo. O que chegava aqui já estava marcado pelo tempo. Mas na Europa em geral também o problema era esse. O termo mais comum era "movimento". Tudo se tornou uma questão de movimento, da física até a política e o manifesto artístico. Um dia o sujeito defendia a tese A, depois cria em B só para no futuro estar com X, sempre com incrível entusiasmo. Vale mencionar um detalhe: eram sempre movimentos anti alguma coisa, mas isso, como eu disse, para esse texto é um detalhe. Feito a cobra hipnotizada pelos sons enigmáticos do flautista, o brasileiro se deliciou com tudo o que aparecia. É que temos um ranço caipira. Porque tudo o que descobrimos parece a coisa mais nova e mais bela.

Quando o brasileiro consegue entrar em contato com o que vem lá do outro lado do mar, é comum que ele se encha de confiança e represente pela enésima vez o papel do jesuíta catequizando o índio. Um homem como José Bonifácio, que de mendaz, falso ou mesquinho não tinha nada, quando voltou ao Brasil após 36 anos fora, escreveu a D. João VI: "Estou sempre pronto para servir a Sua Majestade como homem de Letras, última consolação sólida que me resta entre Botocudos e Árabes do Mato" Alerto o leitor que o grifo não é meu, mas do Patriarca. Não há religião nessa empreitada. Sem a batina, porém com o orgulho do caipira que agora está na cidade grande e conta seus triunfos diários para os da sua terra, a única figura que esse brasileiro pode representar é a do entrão. Daí essa mistura tão estranha no brasileiro que entrou em contato com o que está do outro lado do mar: é ao mesmo tempo um jesuíta e um entrão, o que equivale dizer que não é nem uma coisa nem outra. Falta-lhe, portanto, autenticidade. Onde ela estaria? Quase ninguém sabe, e os que sabem parecem criaturas nascidas de geração espontânea, porque não foi pela riqueza da terra nacional que essas pessoas surgiram. Essa terra é estranha para esse brasileiro e ele não se sente à vontade senão no círculo reduzido de seus conhecidos. Não faz idéia de pátria porque isso é uma abstração forçada demais para a sua realidade. Esse brasileiro é um apátrida: não é daqui, afinal está cercado de "botocudos e árabes do mato" que sequer imaginam o que seja la finesse; não é lá do outro lado do mar, porque não passa de um forasteiro sem espírito de jogo querendo ingressar no clube de cavalheiros. Falta-lhe o pedigree: ele é sine nobilitatis, snob. Sem pátria e sem autenticidade, o brasileiro é a criatura mais perdida do mundo.

Embora a situação exija uma resposta filosófica, o brasileiro, por ser tão avesso ao espírito, prefere deixar tudo de lado e ver se as coisas se ajeitam ou, como as pessoas gostam de falar, "dar um jeitinho". Ver que a situação é seríssima envolve uma dimensão trágica. Essa dimensão é uma das exigências para a aquisição de cultura, e não é à toa que o brasileiro, quando a tem, é de um modo insuficiente, não profundo e geralmente só estético. Cada vez mais está fadado a ser das duas uma: ou o sertanejo ultra-realista ou o intectual polido mas sem muita profundidade. Como geralmente nosso país prefere isso à própria salvação, o verso de Rimbaud poderia substituir o famigerado "Ordem e Progresso" da bandeira: Par délicatesse j’ai perdu ma vie.

Wednesday, May 02, 2007

Problemas brasileiros

- Tenho estado chateado com tudo, meu amigo...

- Essa é uma das queixas mais antigas da história do mundo. Desde que Adão foi expulso do Paraíso, houve um só choro e um só gemido, intercalados por uma visão de esperança fundada no amor. Mas me diga, qual o motivo da tua chateação?

- É que tudo parece tão sofrível... Veja este nosso país, por exemplo. Ninguém parece prestar, a começar por aqueles que deveriam dar o exemplo.

- Os políticos?

- Sim, também. Mas me refiro a todos que ocupam posições importantes. Professores, juízes...

- Bem diziam os antigos: a pior corrupção é a dos melhores. Mas você acha que o político, o professor e o juíz, para ficarmos só nesses, são os melhores?

- Pelo menos em tese deveriam ser, não acha?

- Pode ser. Mas acho também que é nessas figuras tão ilustres que muito bem pode aparecer toda a nossa miséria e nossa fragilidade. Existe maior exemplo do que estou dizendo que o caso de alguém que governou por tanto tanto tempo e que era tão respeitado mas que no fim acabou de modo lastimável? E quando um professor erra ou um juiz é injusto, isso não aponta também para a fragilidade das coisas? Para te ser franco, acho melhor irmos mais além: não acho que devemos buscar no fato de alguém ser professor, juiz ou político a razão de ser bom, mas no contrário: é por ele ser bom é que acaba se tornando juiz, professor ou político. Porque se a ordem das coisas não for a natural, o que advirá será apenas desgraça.

- Está meio complicado de entender o que você está querendo dizer. Quer dizer que eu não devo ligar para o que essa gente faz, independente dos seus abusos?

- Não foi isso que eu quis dizer. Estou dizendo que essas funções todas que você citou advém primeiramente do fato de o sujeito ser bom. Esse é o núcleo comum entre todas elas. Para você saber mandar, distribuir justiça e ensinar você precisa ter alguma virtude. Imaginar que do fato de alguém ser professor, juiz ou político decorra que ele seja bom é uma meia-verdade, na melhor das hipóteses. Pois bem, havendo uma carência enorme de pessoas boas, como haveria gente capacitada para mandar, distribuir justiça e ensinar bem? Haverá na realidade uma quantidade anormal de pessoas que de modo algum estarão aptas para exercer a função que ocupam. A conseqüência desse tão triste estado de coisas será a desmoralização progressiva de todas aquelas importantes funções que você mencionou, até chegar a um termo que prefiro nem mencionar. Daí que o problema seja ainda mais profundo.

- Então você, no fundo, concorda comigo?

- Sinceramente, não sei dizer até que ponto. Que tudo está muito ruim, está, mas não gosto muito de me alongar nisso.

- Como não? Você não pode se fazer de cego. Se vê alguma coisa e diz que não viu, estará falseando a tua própria consciência.

- Eu não disse que tudo está bem. Só disse que por não saber até que ponto as coisas estão ruins, prefiro não me alongar muito.

- Mas você está percebendo como tudo está ruim, não é?

- Claro.

- E não percebe como, só para dar um outro exemplo triste, mesmo aqueles que se dizem cristãos na verdade só o são da boca para fora? Na prática são todos uns ateus. É por essas e outras que fico chateado com tudo.

- Acho que agora você está tocando num problema de outra espécie, mas vamos lá, eles têm mesmo alguma relação. Só acho engraçado você dizer uma coisa dessas, a menos que você, meu amigo, seja algum santo.

- Nao preciso ser santo para ver como um monte de gente é má cristã.

- Sim, não precisa, mas é evidente que você deve estar então acima dessas pessoas, porque do contrário não estaria dizendo essas coisas.

- De certa maneira estou sim.

- Se você está acima dessas pessoas, se você percebe que elas estão equivocadas, por que não coloca tuas palavras à prova e te torna um bom pastor? Acredito que seria um bom pastor pelo que me diz.

- Como assim? Não tenho a menor vocação.

- Não ouviu o chamado ainda?

- Não.

- Será que não? Talvez a tua vontade signifique alguma coisa.

- Não, meu amigo, estou certo que não.

- Quer dizer então que está apenas fazendo algumas constatações?

- Claro.

- Se você tivesse o dom de reconduzir as ovelhas perdidas, eu seria o primeiro a te aplaudir. Mas se você não tem, é bem provável que faça parte do rebanho. Se é assim, por que você fica criticando as pessoas por serem cristãs de segundo time? Antes de você criticá-las, a primeira e mais óbvia coisa que deveria fazer é oferecer como belo exemplo a tua própria vida e mostrar através dela como se deve ser um bom cristão. Não preciso te lembrar que para os antigos a virtude não era questão de posse, mas de ser, e portanto poderia ser admirada e imitada, nunca transferida. Está me entendendo? Mas me diga outra coisa: você, embora se considere acima das outras pessoas nesse ponto, de ser um bom cristão, também acha que vive cristãmente na plena medida de tuas forças?

- Não diria na plena medida de minhas forças, porque não é algo que se faz por si só. Olha, quero dizer é que preciso sempre de Deus, porque sou muito fraco. Por sinal, acabo de lembrar uma coisa que o Apóstolo escreveu: é na fraqueza que reside a minha força.

- É um belo pensamento.

- Certamente... Mas sabe, dizendo essas coisas assim tenho a impressão de não estar tão acima dos outros...

- Por que não?

- É que todos têm problemas, não é?

- Com certeza.

- Agora entendi o que você tentou sutilmente me fazer pensar...

- Ora, de onde tirou essa idéia?

- Não me faça de bobo! Sei que a tua intenção era que eu primeiro me preocupasse comigo mesmo antes de criticar os outros.

- Achei engraçado o fato de você dizer que tentei sutilmente. Não foi sutil, foi de modo claro. Era a conclusão mais clara do que eu estava querendo dizer.

- Então posso bem deduzir que também o mesmo se refere aos maus políticos, juízes, professores...

- Enfim você começou a me entender.

- Olha, ainda não entendi muito bem, sabe? Não me acho tão desautorizado a ponto de não dizer que político que rouba é ladrão, que professor que engana aluno é charlatão e que juiz que dá sentenças mediante propinas é desonesto. Você me tem em tão má conta assim?

- É óbvio que não. Você é uma boa pessoa e tem todo o direito de se sentir indignado.

- Se você está me dizendo a verdade, só posso imaginar então que está querendo me dizer para que eu fique de preferência de bico calado. É isso?

- Sobre esse problema que estamos discutindo, eu diria que sim, na maior parte das vezes. Mas creio que você, caso reflita bem sobre o assunto, terá o discernimento necessário para criticar o que deve ser criticado ao mesmo tempo que, nesse ponto, através de teu próprio exemplo em matéria de virtude, empenhe a tua vida de forma a demonstrar qual é o modo mais adequado de ser. Porque a nossa vida é o penhor de nossas idéias. Se você criticar a maneira de alguém ser cristão, você deve ser realmente cristão, o que implica em buscar auxiliar aqueles que você porventura esteja criticando, nem que seja jogando sal nas feridas. Mas só faça isso se você tiver vencido em ti mesmo aquilo que por acaso vier a criticar nos outros. E para os outros assuntos, como o problema da corrupção de professores, juízes ou políticos, é claro que não precisa exercer a função de cada um deles, porque o problema está na falta de virtude. E a virtude, embora presente em cada uma daquelas funções, não é propriedade exclusiva de nenhuma delas. Por outro lado, sendo você mesmo alguém dotado de virtude, o teu exemplo vai acabar sendo observado obviamente naquilo que você faz, seja o que for. Naturalmente, quanto mais você reclamar, maiores serão as cobranças, portanto maiores os deveres. Saiba, porém, o seguinte: se você tiver mesmo virtude, mal sentirá o peso das dificuldades, porque ela, ao enobrecer aquilo que você faz, torna o que está sendo feito belo, e é esse embelezamento que torna tudo leve. Lembre-se que a leveza é sinônimo de alegria, e não é por acaso que as palavras "peso" e "pêsames" têm a mesma raiz, da mesma forma que "alegria" e "alígera". Se quiser, portanto, um conselho, acho que você só deve se aventurar a ser um crítico de teu país e de teus concidadãos apenas se realmente for uma pessoa virtuosa, pois assim você acabará encaminhando pelo menos uma pessoa em direção ao bom caminho. Do contrário, é melhor não te atrever a criticar ninguém e te preocupar só com teus problemas, pois o fardo seria tão penoso que você acabaria esmagado na primeira oportunidade. Sem contar que seria ridículo pedir a alguém doente salvar uma pessoa que estivesse se afogando.

Saturday, April 28, 2007

Observação sobre um texto de Julio Lemos

Em seu blog, Julio Lemos, lá numa das partes do texto Je ne Comprends pas les Gens qui Essaient de Sonner Comme en 1974, disse assim:

Uma das dádivas da temperança é poder fazer o que se quer – esse aliás é o núcleo duro das virtudes cardeais. Quem pode rejeitar um trago a mais, acordar cedo e deixar certas manias estranhas mas atraentes pode, mais tarde, ter a liberdade de pelo menos tentar conquistar uma mulher valiosa.O que acontece é que o cara pensa que é livre até se ver diante de uma mulher desse tipo ou de um ‘sistema de crenças’ coerente e exigente. Ele percebe que não [está] livre para aderir a um objeto desses. A preguiça e a sensualidade o escravizam: o máximo que ele consegue fazer é ficar em casa no sábado à noite escrevendo textos no estilo James Joyce recheado de referências eruditas e pornografia barata.Diante do desafio de merecer algo superior a ele, com a condição de abandonar antigos hábitos, o cara acaba por desistir. Orgulhoso (vai saber de que), desqualifica os valores mais exigentes – a mulher perfeita e sei lá, o “serviço aos outros” –, dizendo que não passam de ideologias cristãs ou mocinhas recalcadas. É a conhecida fábula da raposa e das uvas. Não podendo alcançá-las, o faceiro raposinho desiste, arranjando uma desculpa: “estavam verdes


Concordo com tudo, exceto com a conclusão a partir da famosa fábula. Não é sob um pretexto qualquer que os valores têm sido jogados para escanteio. Aliás, se fosse por isso, não haveria a mínima diferença entre a negação dos valores hoje em dia e a atitude de um covarde há 2400 anos. Acontece que a diferença é radical. O problema não é simplesmente decorrente de um caráter dúbio, mas da completa inversão dos valores. A raposa, quando dizia que as uvas estavam verdes, continuava sabendo que as uvas verdes eram inferiores. Ela ainda buscava as melhores, mas devido ao seu fracasso lançou mão dessa desculpa. De qualquer modo, sua escala de valores , no fundo, permanecia intacta. Essa atitude é comum. Hoje em dia o problema é outro. Porque se persegue as uvas verdes exatamente por serem verdes. Elas assumiram um valor em si superior que antes não havia, enquanto as uvas maduras, por serem maduras, são identificadas como de tipo inferior. Não é, repito, simplesmente uma questão de falta de capacidade, mas de reviravolta radical dos valores. O fundo dessa atitude é o ressentimento. Daí esse caráter equívoco das pessoas que pregam essas novas atitudes: parecem ao mesmo tempo profundamente insolentes e covardes. A cada afirmação de superioridade o fundo insubornável demonstra imediatamente a sua farsa. Daí a atitude autoritária que essas pessoas têm a fim de impor pela vontade aquilo que não são de fato. Daí que o líder de movimento negro e o militante gay andem de mãos dadas com Hitler e Stálin.

Sunday, April 22, 2007

Ótimos exemplos do cidadão ideal

Sim, eu sei, já fiz um post sobre isso, mas sabe como é, sempre faz bem recordar.

Exemplo do homem-ideal segundo os modelos da Nova Ordem Mundial: sem preconceitos, feminista, desarmado, cosmopolita, ecologista, moderno, progressista. Eis o homem de nossa época, quer dizer, o super-homem:



A Nova Ordem Mundial também admite protestos. Eis um exemplo de um subversivo típico:



É, são os tempos modernos. Afinal de contas, como escutei um dia alguém falando, ser homem é apenas uma questão que vai da cabeça de cada um...

Wednesday, April 18, 2007

Hoje vamos falar um pouco sobre ciência

Por um desses insondáveis mistérios deste mundo de justiça imperfeita, eis que eu, no momento de publicar um texto, me vi na incumbência de escrever três, os quais não tinham a menor conexão entre si. Para dizer em termos musicais, não eram variações do mesmo tema, sendo portanto bastante improvável que deles eu conseguisse compor uma fuga; no máximo haveria aquelas justaposições tão estranhas que se tornaram comuns na música vocal em fins da Idade Média. Eu iria acrescentar que elas eram fascinantes, porém o leitor muito justamente imaginaria que eu estivesse querendo inflar o meu ego tão raquítico.

Mas em nome da minha preguiça, hoje comentarei sobre apenas um assunto.

O que eu gostaria de dizer agora é que se há uma classe de doidos, certamente é a dos intelectuais, ou intelectualerdas, como costumava dizer Gustavo Corção. Sei que esse assunto já está um pouco batido, ainda mais para o digníssimo leitor deste pobre escritor - se é que poderia me chamar de escritor - , porque não muito raramente eu insisto nessa clave. Mas eu pediria a atenção do leitor mais uma vez para que vejamos isso de um ângulo pequenino e diferente. Gastarei algumas palavras sobre a ciência.

Vejamos a grosso modo a Física. Sem querer entrar em detalhes aristotélicos acerca de seu objeto e de seu método, sabemos todos nós, ou supostamente sabemos, que ela, como ciência, reduz os objetos de seu estudo a umas tantas explicações genéricas, que por sua vez, graças à ajuda da Matemática, são traduzidas em fórmulas algébricas. Essas fórmulas algébricas são o que são porque precisam unir a variedade dos fenômenos com as chamadas leis gerais. Podemos facilmente notar o trabalho de abstração da ciência partindo dos dados, isto é, dos fenômenos observados que se prestam ao estudo. Assim, há de se unir também os dados observados a uma explicação causal determinante, que deve ser, por ser científica, aplicável a todos os casos. Numa palavra, deve ser geral. Mas note o querido leitor que esse dado observado faz parte da realidade. Portanto, a explicação de uma ciência tão imponente quanto a Física é a observação de determinados dados, não da realidade inteira. Só que essa não é a única coisa interessante a ser constatada. O mesmo dado observado pode ser entendido sob perspectivas diferentes, as quais, como não é difícil de imaginar, não esgotam o dado: há sempre brecha para mais. E menos difícil ainda é imaginar que dados cada vez mais complexos são mais difíceis de explicar. O melhor exemplo disso é o homem. Poderíamos buscar explicações as mais variadas a seu respeito, sem que, com isso, esgotássemos a idéia do que seja o homem, porque ele abrange ao mesmo tempo, como já dizia Max Scheler, todos os diferentes estágios dos seres vivos e todo o mundo espiritual. É um ser muito complexo, e como tal ele pode ser compreendido, naturalmente, através das perspectivas mais diversas possíveis. Então alguém poderia estudar o homem pela perspectiva dos seres vivos, e então estará se apoiando na Biologia, assim como poderia compreendê-lo a partir da perspectiva da alma, cujo problema é da Psicologia. Talvez buscasse também entender o homem segundo a sua relação com Deus, o que é problema da Teologia, ou então a partir das suas relações orgânicas, cujo assunto poderia cair nas malhas da Química. E assim poderíamos prosseguir infinitamente, até porque, no caso do homem, ele concentra em si, de forma admirável, uma tal profusão de elementos que mais parece ser um mundo em miniatura - daí que, não por acaso, os medievais chamassem o homem de "mundo pequeno". Enfim, as perspectivas sobre um determinado assunto são as mais variadas possíveis, ainda mais quando o objeto fornecer uma quantidade enorme de elementos para a análise.

Contudo, há um detalhe importante nessa história toda. Todas essas ciências, embora tenham pretensão de explicação universal, só a terão dentro de seu próprio campo. Cada ciência é um recorte da realidade, pois ela é muito complexa. É por meio de abstrações que a realidade vai se tornando melhor entendida - ou mais racionalmente compreendida. Não podemos esquecer nunca desse detalhe. Direi em outras palavras. Todas as ciências buscam estudar sim a realidade, mas a realidade segundo determinado aspecto. Por ter a realidade aspectos infinitos, ela pode ser encarada sob perspectivas infinitas. É por isso que todas as ciências têm sempre um aspecto frágil, já que, além de não serem a explicação de todas as coisas (isto é, da realidade), esse caráter de abstração faz com que elas tenham qualquer coisa de irreal. Há ainda outra coisa, talvez a mais reveladora. Por terem esse aspecto frágil, elas nunca bastam a si mesmas, necessitando de um suporte que esteja para além delas. A Biologia, por exemplo, estuda os seres vivos, mas as suas explicações são também um ser vivo? A Física lida com as propriedades dos corpos, mas a propriedade em si é também um corpo? Quantas moléculas têm a Biologia e quanto mede a Física? A Biologia não é um ser vivo, assim como a Física não é um corpo, até porque, se fosse de outro modo, estaríamos seriamente encrencados: nos acharíamos na emergência de saber a Física da Física, e a Física da Física da Física, e assim até não mais poder, o que seria extremamente ridículo. Se nenhuma delas é aquilo que procuram estudar, que são a Biologia e a Física? Ora, essa pergunta, "o que é", pertence não a cada uma dessas ciências em particular, mas sim a metafísica. As próprias considerações sobre cada ciência exigem uma explicação que não se encerrea tão-somente em cada ciência. Então, se por um acaso eu não tiver dado uma explicação muito complicada, o leitor poderá concluir que qualquer idéia que tome qualquer ciência em particular como modelo explicativo de tudo e em todas as suas partes será apenas uma arbitrariedade e uma fantasia.

Agora bem, existe alguma ciência que estude a realidade, não em determinado aspecto, mas em seu conjunto, de modo radical? Se em sua forma radical a realidade é o ser, a única ciência que estuda o ser enquanto ser, segundo dizia o antigo Aristóteles, é a metafísica. Daí que, embora a metafísica não seja a explicação da realidade em todos os seus múltiplos aspectos, ela é o entendimento mais excelente a seu respeito, porque toma o ser em seu caráter mais radical. Não é estranho, pois que desde muito tempo seja ela considerada a ciência primeira, e nosso caro Estagirita também já dizia que o seu conhecimento participa do divino, já que Deus o tem em sua plenitude.

De tudo isso que o leitor acompanhou, não é difícil notar o quão esquisito é quando alguém, em nome de determinado campo de saber, exige submissão imediata de todos. Sempre tenho a impressão de que o sujeito que age assim é como alguém que construiu uma jaula tão esplêndida que, abobado com o seu trabalho, se mete lá dentro, joga fora as chaves e exige que o mundo inteiro também seja enjaulado. Semelhantes coisas sempre são ditas em tom grave. Mas não é de espantar, afinal de contas não há criatura no mundo que leve suas idéias extravagantes mais a fundo que o louco.

Wednesday, February 14, 2007

Padre Emílio, pena de morte, e a nossa época maluca

Lendo hoje o Permanência, não tive como deixar de citar aqui as considerações do Pe. Emílio da Silva sobre a pena de morte, em entrevista para A Hora Presente, em maio, 1971. Vejamos um trecho da entrevista:

Padre Emílio acha que nessa matéria "há apenas um ponto de tangência com a ordem moral e que poderia ser assim formulado: Na sua luta contra o crime, sobretudo quando o índice de criminalidade se acha em assustadora elevação, pode o Estado usar de meios os mais enérgicos, inclusive da pena capital, para restaurar a tranqüilidade e a segurança pessoal no seio da sociedade? A resposta tem sido afirmativa na Igreja docente, dos seus primórdios, até o dia de hoje. Ainda mais: o Papa Inocêncio III condenou os hereges albigenses que negavam ao Estado o direito de impor a pena capital aos delinqüentes. Se, pois, esse poder é perfeitamente lícito e aceito pela Igreja em todos os tempos, é ao próprio Estado, exclusivamente, que cabe a incumbência de verificar se é oportuna e conveniente a sua aplicação".

Acha o padre Emílio perfeitamente normal que alguém, em nome próprio, seja contra a pena de morte, "da mesma forma que é normal que alguém não goste da profissão de coveiro, mesmo sabendo que enterrar os mortos é obra de misericórdia". Mas tais opções deixam de ser lícitas, na sua opinião, "quando se passa da estimação pessoal para proferir um juízo moral condenatório sobre esses assuntos. Condenar o instituto da pena capital em nome de princípios cristãos é algo contraditório e absurdo".

O padre Emílio aponta exemplos, de Jesus Cristo -- "que declarou a Pilatos que o poder de infligir a morte de cruz era dado pelo Céu aos governantes" -- a Pio XII, que em seus escritos afirmou mais de 20 vezes "a liceidade da pena capital". É um constante ensinamento -- segundo acrescenta -- de São Paulo, de todos os Santos Padres e Doutores da Igreja, como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, dos teólogos, moralistas e filósofos. "Qualquer catecismo explicado ou tratado de moral -- diz o padre Emílio -- responde que são as seguintes as ocasiões nas quais é lícito matar: na guerra justa, por sentença judicial e em legítima defesa".


O pessoal do Permanência publicou esse trecho em razão do assassinato bárbaro daquele menino aqui no Rio. Quando aparecer algum bispo recriminando a pena de morte, seria bom que alguém lhe desse a entrevista do padre Emílio. Por sinal, deveriam ter feito a mesma coisa quando o cardeal Martino pediu para que poupassem a vida do Saddam Hussein, afinal de contas o ditador iraquiano era um monstro. Mas parece que até o papa gostou do que ele disse, o que deduzo pelo velho adágio "quem cala, consente".

Pois bem, é nessas horas que pergunto aqui para meus botões: esses bispos todos e esses cardeais realmente não sabem disso ou simplesmente dão de ombros? Sou eu um gênio tão maravilhoso que traz à luz uma doutrina contida na própria tradição e que nem mesmo um cardeal conhece, ou toda essa gente não está nem aí para isso? Aproveito para relembrar ao leitor aquele episódio ocorrido há alguns anos, onde um padre fez greve de fome por causa de um rio. Agora bem, e quanto a esse menino? Vai aparecer alguém fazendo greve de fome?

Note bem, meu caro leitor, não estou exigindo mortificações por parte de clérigos. Não. O que estou dizendo é que de repente as prioridades deram uma cambalhota e tudo ficou de pernas para o ar. De repente vejo um cardeal se humilhando perante os holofotes implorando pela vida de um ditador sanguinário e um padre fazendo greve de fome por causa de um rio, enquanto os fiéis são atacados dia após dia por gente impiedosa em todos os cantos do mundo. Para piorar tudo, eu, que não sou exemplo para ninguém, de repente me vejo obrigado, sabe-se lá a razão, a fazer esse tipo de comentário. Êta época doida, sô!

Sunday, February 11, 2007

Deus escreve certo por linhas tortas

OBS: Como escrevi com muito sono, embora não quisesse perder o lampejo, talvez haja um monte de coisas erradas. Depois dou um jeito, se a preguiça, minha companheira, me permitir. Até lá estarei dormindo e/ou longe daqui. Adeus.

Hoje farei uma pequena confissão ao amável leitor desse blog. Os meus primeiros interesses sobre Cristianismo surgiram através de ninguém menos que Nietzsche e Marx, bigode e barba, só faltando o cabelo. Sim, é verdade: o filósofo do anticristo e apologeta do materialismo dialético foram por assim dizer os motores da minha aproximação do Cristianismo.

Qual a razão desse fato tão insólito? A resposta não é nenhum pouco insólita, porque o que me levou a conhecer mais de perto o Cristianismo foi uma espécie de instinto básico e benéfico, que é conhecer mais de perto o criticado antes de abraçar a crítica. Não que eu fosse um exímio conhecedor daqueles dois alemães. Justamente o pouco que conhecia de cada um deles fez com que eu tivesse muita cautela antes de sair repetindo o que eles diziam a respeito de algo que eu não sabia direito. Por outro lado, não que na época eu imaginasse que eles estivessem mentindo ou, na mais inocente das hipóteses, só confusos, porque eu só queria ter uma opinião melhor a fim de poder falar mal com mais propriedade. E aqui vale um adendo: tal como houve a respeito do Cristianismo, minha frônesis me fez ir direto a Platão, também por causa de Nietzsche, muito embora naquela época eu já estivesse tendo uns primeiros contatos com Aristóteles por motivos que agora não vêm ao caso, os quais já começavam a ser igualmente benéficos.

Não sei se o leitor já teve a experiência de seguir (ou perseguir) as palavras de Platão ou da religião cristã. Se já passou por algo semelhante, é muitíssimo provável que de repente se veja num mundo completamente novo e curioso. É incrível a sensação de elevação que algumas leituras de Platão ou do Cristianismo nos dão. Para dizer bem a verdade, é como se de repente fôssemos compelidos a realizar um grande esforço para atingir pontos cada vez mais altos de uma montanha, de onde pudéssemos olhar através de uma perspectiva mais elevada as coisas que se movem nos planos mais inferiores. De repente surgem problemas que nunca nos déramos conta, ou alguns antigos problemões viram apenas distração de criança. E vamos seguindo sempre adiante, como que guiados por mão segura, rumo a um destino que por enquanto é ainda nebuloso. Nesse sentido, é de espanto em espanto que vamos avançando.

Quando tomei contato com o Cristianismo, uma das primeiras coisas que notei é que tudo o que sabia a seu respeito estava na verdade de pernas para o ar. Pior que não saber nada, eu achava que sabia alguma coisa, embora tudo o que soubesse não passasse de um amontoado grosseiro de erro atrás de erro. Não sou nenhum grande estudioso de Cristianismo, mas posso assegurar ao querido leitor que essa religião é tão rica e tão versátil que é literalmente impossível esgotar a sua compreensão. E da mesma forma que ela é inesgotável do ponto de vista de seu conhecimento, sua história também é riquíssima. Mas onde se lê riquíssima também se deve ler complicadíssima. Porque não há nada mais difícil que estudar algo assim tão vivo. Além do mais, o Cristianismo é das coisas mais problemáticas do mundo porque ele abarca todos os problemas mais radicais da nossa vida - note bem, leitor, tanto da nossa vida no sentido da comunidade de todos os homens (vivos e mortos) como no sentido de cada vida em particular.

Não sei bem se o sentimento de espanto em relação ao Cristianismo e a Platão surgiu em mim por causa do ensino distante que tive de ambos. Em todo o caso, aquela frônesis de repente me colocou diante de duas coisas maravilhosas. Não tenho como agradecer a ela. Mas há outro ponto que faço questão de salientar. O exemplo da minha relação com o Cristianismo e com Platão foi me fazendo compreender que eu não tinha a menor idéia do que dizia e menos ainda do que pensava a respeito de muitíssimas outras coisas. Apenas quando nos deparamos com algo verdadeiramente colossal é que sentimos a nossa pequenez. Pois bem, tanto um quanto o outro equivalem a umas dez pirâmides. Só é possivel sentir-se superior a um e outro mediante ua falsificação tão grosseira e tão radical que o resultado último é, sem a menor sombra de dúvidas, a destruição da nossa inteligência.

É uma sensação curiosa quando de repente você sente que as bases aparentemente tão firmes onde você colocava seus pés com confiança na verdade não passavam de palha, e que você só não afundava de vez no poço porque sua cabeça era tão vazia que o ar ali dentro te fazia flutuar. Penso até que, dependendo do grau de desencanto que você tiver com esse falseamento dos dados mais radicais, você pode muito bem afundar de vez. Embora não sejam exatamente nesse sentido, aqueles dizeres de J. Ortega y Gasset, segundo o qual tínhamos de ser tão profundos que tocássemos o fundo do mar, mas tão vivos que voltássemos para a superfície com a mais valiosa pérola, talvez forneçam uma bela imagem do que estou tentando barrocamente dizer.

Posso dizer que de uma forma ou de outra essa sensação imensa de ignorância me salvou de umas poucas e boas. Sim, porque é uma sensação proveniente de um fato real: minha ignorância é enorme. Agora bem, essa incapacidade para lidar com as questões mais agudas poderia muito bem ter sido aliviada pela falsa consciência de superioridade trazida pelos argumentos daqueles dois alemães, assim como de muitas outras pessoas. Poderia muito bem estar aqui comentando sobre a crítica de Kant à metafísica ou ao argumento ontológico. Isto e aquilo têm qualquer coisa de medonhos, e Kant de salvador. Pois bem, que sei eu de metafísica e de argumento ontológico? Como posso saber se Kant está certo se eu não souber de que maneira o melhor metafísico ou expositor do argumento ontológico defenderiam suas teses? Esgotei já o conhecimento da discussão do assunto para poder tomar partido? Ou então eu poderia fazer uma pergunta que de certa forma é ao mesmo tempo lateral e principal: esse assunto, qual relevância ele possui em minha vida? Digo tudo isso porque, a bem da verdade, todos nós temos a péssima mania de começar tudo pela crítica, hábito esse característico de nossa mentalidade moderna, desconfiada de tudo, exceto de si mesma. E quanto mais aparentemente grandioso for o objeto da crítica, quanto mais ele parecer já ter cabelos brancos, como é o caso da metafísica ou do argumento dito ontológico, mais a crítica parecerá essencial e básica. Essa falsa consciência adquirida pela crítica irresponsável é um dos maiores males que fazemos conosco.

(Mais um texto que no dia de são nunca continuará...)

Friday, January 19, 2007

Todos os homens são mendigos da mais fina nobreza

Embora eu esteja com sono, o último texto do Lord Ass sobre a monarquia me inspirou a escrever uma coisinha aqui no post de número 200 do blog.

Bem, vamos lá. Não tenho nenhuma opinião sobre monarquia, mas tenho sobre a mania que um monte de gente tem de buscar antepassados gloriosos. Acho isso de uma bobice fenomenal e um tiro no pé, porque, em primeiro lugar, virtude não é uma coisa transmitida por inércia, e, em segundo lugar, o fato de você ter um antepassado ilustre pode muito bem indicar que você é a decadência total desse mesmo passado glorioso, mais ou menos como se você fosse uma espécie de ruína, como os escombros que hoje podemos ver com alguma melancolia da outrora majestosa Babilônia ou da antiga Roma, capital do mundo. Além disso, na sua história provavelmente há algum tipo de contraparte dessa nobreza, se é que você mesmo não é essa contraparte. Pode haver uma série de indivíduos completamente irresponsáveis, bandidos e idiotas na árvore genealógica de qualquer um. Por que fazer abstração disso? Mas sempre é mais bonito imaginar que descendemos de um nobre... Ora, muito mais sábios eram os antigos nesse ponto, já que ligavam sua história diretamente a algum deus: esta linhagem teve origem em Asclépio, aquela em Vênus, aqueloutra em Hércules. E isso quando não resolviam tirar da cartola a idéia original de serem eles mesmos um deus, conforme imaginou o pobre e meio tantã Empédocles. Agora bem, nossa perspectiva é cristã, portanto não admite nenhuma idéia a respeito das origens exceto essa: se por um lado todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus Onipotente e Criador do céu e da terra, por outro lado somos os degradados filhos de Eva, isto é, pessoas amputadas da glória que em princípio deveríamos possuir. Vindos do pó, adquirindo o pão pelo suor de nosso rosto, retornaremos ao pó na esperança que o Pai diga: "Eu vos conheço". O contrário é a perdição. Eis uma das perspectivas que temos e que os antigos nem sonhavam.

Digo sem o menor pejo que semelhante idéia é uma das coisas mais elegantes, mais belas, mais sábias que alguém já teve. O sujeito que a bolou foi tão feliz em concebê-la que muito propriamente foi considerado como que inspirado por algo divino. E foi, de fato. Se do ponto de vista natural podemos dizer que a história do homem começa quando ele mendigava pelo mundo, por outro lado há o dado sobrenatural nesse mesmo homem, o qual nos ajuda a entender como é possível que esse mendigo, esse ser aparentemente tão desprovido de atributos naturais, possa elevar-se acima de tudo que existe no mundo. É como num conto de fadas, onde um príncipe, por motivos de contingência, foi obrigado a se tornar um pedinte ou um escravo, mas, graças a seus esforços e ao auxílio de não sei qual criatura bondosa, vai aos poucos largando a sua condição degradante para retornar à antiga posição que lhe é por direito, e agora por mérito. Esse conto de fadas é a verdadeira imagem da nobreza.

Bem, algo me diz que o texto ficou perneta, mas que pule num pé só. Espero que um dia a inspiração retorne para dar uma perna de pau ao texto. Bom dia.

Thursday, January 11, 2007

MST e índios bravos, tudo a ver

Em seus Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Império do Brasil, José Bonifácio, listando as grandes dificuldades para os "cathequizar, e aldear", diz certas coisas que poderiam muito bem ser empregadas a respeito do MST, mutatis mutandis:

[Algumas das grandes dificuldades para a catequização e aldeamento dos índios bravos no Brasil] provém 1° de serem os Indios Povos vagabundos, e dados a continuas guerras, e roubos: 2° de não terem freio algum religioso, e civil, que cohiba, e dirija suas paixões: donde nasce ser-lhes insupportavel sujeitarem-se a Leis, e costumes regulares: 3° entregues naturalmente á preguiça fogem dos trabalhos aturados, e diarios de cavar, plantar e mondar as sementeiras, que pelo nimio viço da terra se cobrem logo de matto, e de hervas ruins: 4° porque temem largando sua vida conhecida, e habitual de Caçadores, soffrer fomes, faltando-lhes alimento á sua gula desregrada: 5° para com as Nações inimigas recresce novo embaraço, e vem a ser o temor que tem que depois de aldeados vinguemos a nosso sabor as atrocidades contra nós commettidas: ou porque não tendo provado o devido castigo de seus attentados, desprezam-nos, confiados na sua presumida valentia: e achando ser lhes mais util roubar-nos, que servir-nos: 6° porque os mais valentes e poderosos d'entre elles temem perder a occasião de cobrar entre os seus naturaes o nome de guerreiro, que muito prezam, esperando ficar seguros das nossas armas no meio de suas Mattas e escondrijos (...)

Sunday, January 07, 2007

Alguns avisos sobre a vida boa

Vou aproveitar esse post e apresentar ao leitor uma idéia que deu "olá" para minha cachola enquanto eu estava preparando misto-quente e Nescau (perdão, Nescau genérico). Aliás, por algum estranho motivo as idéias geralmente surgem quando a última coisa que faço no momento é ir atrás delas: na hora de dormir, ou quando acordo, ou quando vou tomar banho, ou quando como, ou quando minha mãe vem contar a piada que ouviu no rádio (como no dia em que ela contou uma piada e aí de repente entendi o que aquele Aristóteles quis dizer com as quatro causas). Freqüentemente na hora em que estou estudando a idéia não vem nunca, mas é só olhar para o céu e de repente pimba!, lá vem a idéia. Ela gosta de fazer surpresa. Por essas e outras que sempre agradeço, embora talvez na hora possa não parecer, a quem enviou a idéia, afinal de contas é que nem ganhar presente sem o menor motivo.


Após a digressão, contarei logo a idéia, mas já me vejo na iminência de faz outro pequeno desvio, porque agora ela não me parece tão legal quanto antes. Parece agora até meio boboca, mas enfim, vamos lá. O que eu queria dizer apesar de toda essa enrolação é apenas o seguinte: se por ventura o amável leitor se ver de repente em meio a uma discussão onde passem zunindo que nem flecha ou bala perdida os Nietzsches, os Foucaults, os Deleuzes ou os Montaignes da vida, jogue-se no chão e saia do recinto o mais corrido possível. Depois de passar na igreja para tirar qualquer resquício de encosto, em casa tome um bom banho para refrescar a cuca e em seguida vá direto à leitura do primeiro Chesterton que encontrar, ou simplesmente dê boa noite para seus pais e amigos, beba uma coca, tome um sorvete e veja como é bom conversar com gente normal.

Digo isso porque a influência daquela trupe (só não dou outros nomes porque senão aí vira carnaval), se você levá-la realmente a sério, pode acabar te fazendo mal. No final das contas, você talvez não conseguirá nem mesmo dar bom dia para ninguém exceto aos cavalos, e ainda por cima em tom sentimental, trágico ou simplesmente babão. Conheço inclusive alguém que levava a ciência tão a sério que, num belo dia, não conseguiu mais entender a razão de uma pessoa dar bom dia a outra na rua, nem o motivo de alguém ficar olhando perdidamente a paissagem. Achava que todo mundo era doido, menos ele, é claro. Infelizmente ele não havia cogitado a hipótese de estar padecendo da falta de senso poético. E nem poderia, já que se deixou levar por uns caminhos tortos. Mais uma vez parecia se repetir a cruel saga do tantã: levava tudo tão a sério que no final das contas virou a piada trágica de si mesmo.

Às vezes quem lê por ler algum dos membros da trupe não atina direito com o problema. É o caso do sujeito de boa vontade. O ruim disso é que se você realmente tiver boa vontade de encarar aquela trupe, vai ter uma hora em que você não atinará mais com o problema porque você se tornou parte do problema. Só através de um esforço quase miraculoso conseguirá sair disso ileso. Como diria um professor meu, parece pegadinha mas na verdade é mesmo.

Enfim, está dado meu conselho. Ao menor sinal da trupe, fuja como se tivesse visto o filhote de cruz-credo, e vá procurar um livro realmente útil ou uma companhia minimamente sensata.

***

Agora o avesso do post.

Dizem que se você souber o nome do demônio você poderá controlá-lo e vencê-lo. Pois bem, da mesma forma que o vírus pode servir para combater o vírus mediante a vacina, a trupe pode servir como anticorpo contra si mesma mediante a sabedoria autêntica. Ainda aproveitando a analogia medicinal, eu diria que a trupe, se bastante diluída pelo contato com a filosofia autêntica - ou nem isso, porque o contato com uma vida sadia já basta -, pode mesmo fazer bem. Assim, por razões profiláticas, vale a pena conhecer a trupe para evitar males maiores.

O pressuposto disso é que você esteja mais ou menos inteirado do que é a sabedoria autêntica ou vida sadia. Ora, da vida sadia basta o contato com gente minimamente normal (não subestime jamais isso). Da sabedoria autêntica a coisa é um pouco mais complicada, mas de qualquer forma não é um tormento pelo simples fato de ela também servir como aprimoramento da própria vida de quem realmente a leva a sério. Escute o que Platão tem a dizer e em troca você nunca mais terá vontade de explodir o mundo ou achar que poderia explodi-lo. Ouça atentamente Aristóteles e aquele cinismo em demasia que você por um acaso abriga no peito vai se tornar um verdadeiro bom humor. Preste atenção em São Tomás de Aquino e você perceberá que o mundo pode ser mais legal do que parece, simplesmente porque tudo fará sentido a partir de algo aparentemente obscuro. Leia devagar Ortega y Gasset e você poderá mergulhar na profundidade quase enlouquecedora do mundo, mas conseguirá retornar à superfície são e salvo com uma valiosa pérola.

Todos esses homens podem, de um jeito ou de outro, apresentar algum tipo de escapatória da loucura aparente do mundo. Nenhum deles te aprisionará em loucuras forjadas pela mente deles mesmos. Porque mais do que a loucura do mundo, a loucura dos sábios é a mais tenebrosa. Há em comum entre eles qualquer tipo de idéia de salvação. Na medida em que vão compreendendo a realidade, idéias fantasmagóricas do mundo vão desvanecendo.

Se você não estiver minimamente inteirado de nada disso, melhor nem se meter com aquela trupe. Vai querer cutucar onça com vara curta para quê?

***

Se o leitor for um sujeito curioso, talvez já tenha notado que as destruições da família e do exemplo do homem superior foram acompanhadas pelos ataques kamikazes à inteligência. Numa palavra, a vida sadia e a sabedoria autêntica foram golpeadas juntas e sem dó. Não poderia ser de outro modo.

Levando-se em conta as circunstâncias, é mais do que natural que a impostura, em todos os sentidos e níveis, ganhe terrenos. A falta de modos vai desde as relações entre as pessoas até a relação com o conhecimento. Quem não consegue agir minimamente bem com o outro não pode cogitar nada a respeito de Deus, da beleza, da alma etc. É incrível o número de enxeridos que ignoram pomposamente essas constatações mais básicas e insistem em opinar a respeito do que só deveriam em última hipótese ou simplesmente não deveriam.