Saturday, November 02, 2013

Do estupor diante de certas revistas

Seja por acaso ou não, chegaram às minhas mãos edições da revista Men's Health. Devo dizer ao leitor, primeiramente, que eu, celerado que sou, havia perdido o costume de folhear revistas impressas. Este produto do engenho humano, é verdade, a mim não se havia tornado de todo exótico, não ao ponto de eu sentir ganas de cheirá-lo ou lambê-lo, como quem se priva da mente para atender os sentidos. Bastou-me ver as letras, não obstante o apelo das muitas imagens, e reminiscências dos bons modos de leitura de outrora surtiram efeito logo, poupando-me da vergonha de digerir não idéias, mas pura celulose.

Mal tendo me posto à tarefa de perscrutar as capas, porque quem se detém na capa se poupa do conteúdo, perguntei-me da relevância de envidar esforços para folhear as revistas. Eis algumas das mensagens, ou melhor, ordens, que constavam em pelo menos quatro edições: "Tchau, pança!" — não a possuo — "Aposente seus pneus!" — não os tenho — "Derreta seus pneus!" — ver o que eu disse anteriormente — "Coma bem & fique magro!" — já o sou. Confesso, entretanto, que não resisti ao desejo de apurar se o digníssimo amigo corpo não velava algum pneu, algum vestígio de gordura zombeteira, mas, de fato, eu realmente não havia me enganado. Nada de pneus, panças ou de flagrantes adiposidades, apenas uma magreza despudorada. Aliviado, supondo ser a gordura um delito, sorri, como aliás todos os homens que estampavam as quatro capas faziam. Estar aquém do peso fez-me um subversivo por natureza e me esquivou dos desmandos da tirania publicitária. Tampouco fui seduzido pelos apelos eróticos. "Sexo já!" — não aprecio imposições panfletárias — "Transe mais!" — não acato ordens de quem não reconheço autoridade — "Mais sexo!" — autocontrole é a base da civilização — "Elas abrem o jogo" — não sou padre a ouvir confissões.

Se meus ouvidos eram moucos, subtraindo-me àquelas palavras de ordem, os editores da revista, engenhosamente, tendo já imaginado uma possível resistência, haviam de antemão recorrido a outro artifício, o arsenal peculiar de imagens da capa, como que supondo que na vista residisse alguma fraqueza. Os olhos também teriam de sofrer a carga. Estampadas na capa, havia pequenas fotos de simpáticas mulheres, fossem de biquíni ou roupas de baixo, como iscas, mas nem assim fui apanhado, pois, sendo as imagens grandes ou pequenas, belas ou feias, tenho para mim que saciar-se com elas é a idolatria da mendacidade. Não me foi possível, entretanto, deixar de notar o contraste curioso entre aquelas pequenas fotos de mulheres e as grandes, que eram de homens, ou protótipos de homens conforme a publicação, contraste que me fez recordar, imediatamente, das gravuras medievais, em que as figuras mais importantes costumavam aparecer em proporção mais destacada que as demais. No caso presente, havia nas entrelinhas a peculiar mensagem de que nós, pobres coitados, fisicamente ridículos e fracassados contumazes nos jogos do amor, poderíamos nos livrar de tantos opróbrios caso emulássemos nossos mais bem-destacados irmãos de espécie, submetendo, portanto, as fêmeas mais notáveis, ao custo de alguns alguns vinténs pela aquisição da revista. Maravilhei-me, pois logo refleti que o apelo de todo o arsenal epicurista dos editores remotava a uma época vetusta, quando a serpente, que não rastejava nem era maldita, sibilava engodos de divinização às custas de uma tola adoração. Hoje, pela boca publicitária, centauro de malícia e ingenuidade, a proposta adquiriu certa sutileza, mascarando-se em simples ofertas de sucesso mundano ao custo da assinatura de uma revista.

Entre um e outro gole de café, meditando um pouco mais sobre o assunto, veio-me o ensejo de chamar a revista não pelo nome que consta, Men's Health, posto não tratar o leitor como homem, mas Animal's Health, por querer conduzi-lo pelo que há de baixo.