Saturday, November 27, 2004

Cinema Nacional

O que acho sobre Cinema Nacional? Enquanto eu não pisar nele está bom. Porém é detestável quando suja o sapato. Mesmo se passar papel, seu fedor parece grudar, e aí parece que a gente participa do mesmo gênero de odor.

Acho que é falta de educação não colocar num saquinho plástico o Cinema Nacional quando alguém leva um bichinho para passear e ele tem de produzir um filme. Quando eu morava em Laranjeiras, cansava de ver vários curtas e longas serem produzidos ao meu lado, sem a dona dos respectivos diretores canídeos os ensacarem. E todos eles, dado que geralmente os filmes eram produzidos - que eu assistia - na Rua Payssandu, onde muitos moravam, viviam de maneira mais abastada que eu. Não me perguntem se o Estado tinha relação com isso, muito embora ali perto exista o Palácio Laranjeiras, se a proximidade com prédio público indicar algo. Talvez tenha como força inspiradora. Talvez, talvez.

Onde moro agora, o Centro, não costumo mais assistir a filme algum, nem pisá-los. Se bem que as ruas por onde passo sejam mais semelhantes a novelas, seriados (nacionais), etc. Terça passada inclusive vi uma atriz numa esquina esperando um ator transeunte para ser levada ao set-privê de filmagem. Pois as novelas e seriados (nacionais) são todos assim: sacanagem.

Alguns acusam melhorias desde fins dos 80's. Realmente agora é melhor: a voz do ator/atriz não demora mais para surgir após ele(a) abrir a boca. E só (de resto, continuamos - pelo menos eu - a desviar para não sujar o sapato).

Por isso eu digo: mostre-me como é teu cinema que direi de que país és. My Fair Lady jamais seria concebido pelos nossos diretores canídeos nacionais, mas Pulp Fiction devidamente favelizado sim. Aliás, eu tenho a tese de que Quentin Tarantino não é mentalmente são, mas ela é refutável. O leitor ficará apenas com a curiosidade na mão, podendo pelo menos averiguar na filmografia deste sujeito o que afirmo mas desdenhosamente não demonstro. E tenha um bom dia.

Sunday, November 21, 2004

Se eu fosse mais atento...

Vejam só, meus caros: prestem sempre atenção nos acontecimentos ao redor de vocês. De preferência aqueles menores e mais bobos. Eles sempre servem como um aviso.

Por exemplo: quando eu estava ainda no meio do segundo grau – naquela época já doido para entrar numa faculdade de história – uma velha veio falar comigo. Mas antes que um de vocês pergunte o que isso tem de mais, pois realmente parece ser um evento tão pequeno que chega a ser idiota, vou me explicar melhor. Naquela época eu estava lendo o Ascensão e Queda do Terceiro Reich, de W. Shirer. Como eram quatro volumes, então eu aproveitava todo momento vago que eu tinha (eram muitos, incalculáveis) para lê-los, e o ônibus era, por assim dizer, minha sala de leituras predileta. Então estava eu num belíssimo dia lendo quando uma velha sentou ao meu lado. O livro chamou sua atenção e eu me pus a lê-lo mais ainda, rezando para que aquela senhora não me perturbasse. Aliás, antigamente no ônibus vez ou outra alguém vinha me encher a paciência enquanto eu lia algo. Teve uma vez que um senhor veio me aconselhar cautela, a fim de poupar-me de um terrível e potencial deslocamento da retina. Mas enfim, voltando à velha, nem minha cara quase afundada no livro adiantou:

- Que bom encontrar um jovem que gosta de ler! É tão difícil uma coisa dessas hoje em dia!

- Como se antes fosse mais fácil – responderia eu hoje, mas de uma forma mais educada. Naquele dia me contentei com um “é...”, seguido por sorriso.

- Ah, esse livro... Eu o li antes. Você gosta de história?

- Farei vestibular para história...

- Meus parabéns – respondeu sorrindo, com dentes meio amarelados. – Qual o seu nome?

- Ibn-Sinâ – mais uma vez é o que eu responderia hoje, como da vez que desgraçadamente fui inventar para um desses evangélicos que entregam papel na rua que eu era judeu e, portanto, não podia aceitá-los. Pelo que ele começou a dizer e pela sua expressão facial, parecia que eu tinha dito que acabara de beber guaraná com o Demônio. Mas dei uma resposta ultra-conservadora para a velha, dizendo meu nome verdadeiro.

- Cassiano, você deve ser um jovem que adora ler. Que bom que fará faculdade de história. Eu sou professora de história aposentada. E... – começou a contar a vida boa mas dura de um professor de história, como cuidou de não-sei-quantos-filhos, como um deles foi parar nos EUA, outro virou um renomado não-lembro-o-quê, e por aí vai.

Naquele momento eu comecei a reparar que a velha estava muito, muito, muito mal-arrumada. Então a história dos não-sei-quantos-filhos que se tornaram homens bem-sucedidos parecia cada vez mais insólita. Bom, longe de duvidar, mas havia algo estranho. De qualquer jeito, aquela senhora estava realmente acabada. Ela falando toda contente sobre história e eu só pensava no quê foi que eu pensara para escolher um troço desses. A conversa durou acho que uns cinco minutos, tempo que levou entre ela pegar o ônibus na Pedro Américo e saltar no Largo do Machado (se você não faz a mínima idéia de quê raio de lugares são esses, azar o seu, me desculpe). Educadamente, antes de sair, ela me desejou sorte e mais uma vez disse que essa era uma bela carreira. Minha reação foi parecida com a de alguém que entrou em contato com algo de que tem alergia. E quase arremessei o Shirer pela janela, mas meu corpo reagiu bem e pude me controlar. Virou um episódio burlesco apenas.

Só hoje, uns seis anos depois daquele incidente, é que percebo que ali, na minha frente, estava um sinal. Era um aviso do tipo “pensa bem nisso, rapaz, pensa bem...” Se fosse nos tempos de Tirésias, qualquer um perceberia (ainda mais se de repente ao mesmo tempo caísse um raio, um bicho fosse atacado por outro ou uma jumenta parisse um sapo). Ignorei o agouro funesto e me meti no que me meti. Portanto, leitores, prestem muita atenção nestes pequeninos acontecimentos. Vocês poderão se poupar de muita coisa insólita.

PS: Essa história de prestar atenção nos acontecimentos de nossas vidas me fez lembrar um filme muito bom, Aurora. Muito bom? É um filme espetacular, uma das melhores coisas que já vi! Um dia comentarei sobre ele, embora se vocês lerem isso, verão que quase não terei mais o que dizer de relevante. É outra das minhas recomendações-se-eu tivesse-alguma-autoridade-para-isso.

Friday, November 19, 2004

Um tipo muito chato de blog

A coisa mais chata que existe são esses blogs onde a pessoa faz questão de contar única e exclusivamente eventos de sua vida. Pelo menos eu, lendo-os e relendo-os, não consigo evitar um bocejo e um sinal de desaprovação. Porém, vividamente sinto meu fígado girando quando me deparo com um daqueles fotoblogs. É muito, muito, muito chato. Nunca atinei o motivo, porém a forma mais simples de encontrarmos um barnabé é acessando uma dessas coisas. E as mensagens – oh, horror! – dos amigos apenas justificam que, decididamente, somente pessoas que participam timidamente da humanidade gostam daquilo. Não compensam as eventuais fotos de moças bonitinhas. Quer dizer, compensam só um pouquinho, não o suficiente.

Se pensarmos com carinho, concedendo onde houver verdade, veremos que o problema não está tanto em contar sobre nossas vidas, pois isso é até um desejo natural, mas em seu conteúdo. Aqui há um divisor de águas. Há uma diferença entre a vida de um Alexandre Magno ou um César e a da Vivi, amiga da Fê, que adoram ir à praia e ao shopping, sempre choramingando quando o tempo fecha, ou então da Suzana, que é mais séria, mas mesmo assim mantém teimosamente a mania de nos oferecer um espetáculo do nada.

Exemplo de blog da Vivi, amiga da Fê (e sem esquecer, leitor, que as letrinhas são coloridas):

oiezzz!! NoIzzz tÉmUsss Ki PaSsAr Na PrAiA! Má xó Xovi :////! BeJusssss!! :***

O da Suzana é uma variação sobre o tema da Vivi, amiga da Fê:

Gente!
Esse tempo brinca comigo! Na hora que ponho aquele biquíni já com cheiro de naftalina (tanto tempo que o sol não vem), mas logo que coloco meus pezinhos para fora cai o toró. Entro; então para. Retorno; continua. Ninguém merece!
Vamos torcer, dedos cruzados! Operação-Verão!


Para mim – e para muita gente – seria uma alegria deparar com um blog escrito por Alexandre Magno. Imaginem só como seria:

Alexandre aos leitores, saúde.

Neste dia, atravessei o Helesponto. Julgo que facilmente desbaratarei os exércitos bárbaros do Rei. Não tenho dúvidas que conquistarei a Ásia. Aproximo-me do Granico rapidamente, muito embora meus homens o receiem por sua profundidade. Seria uma ofensa ao Helesponto se, tendo-o atravessado, o Granico me impedisse! Meus afazeres me proíbem de alongar o texto. Quando a Pérsia for minha, enviarei por e-mail minha foto nas portas da Babilônia. Adeus.


Ou um de Júlio César:

César aos seus leitores, salve.

Tendo se aproximado do Rubicão, César hesitou muito em atravessá-lo. E ainda não o fez, tendo em vista o que está em jogo. O general permanece pensativo. César acha que as opiniões dos seus leitores seriam levadas muito em consideração. Deixai comentários sobre este tão auspicioso evento. Valet.


Não há dúvidas que muitos acompanhariam bem ansiosos as aventuras destes dois homens. Centenas e centenas de acessos seus blogs (Bucéfalos e Veni Vidi Vici, respectivamente) receberiam todos os dias.

Como nem eu nem a maioria das pessoas que compõem a humanidade são césares ou alexandres, muito embora haja raskolnikoffs da vida que pensam sê-los, então seria de extremo bom gosto evitarmos chilrear sobre nossas vidas e passássemos para outros temas. Ah não ser, é claro, que de um tema pitoresco se crie ótimos textos. Eu seria o primeiro a lê-los com orgulho.

PS: Este aqui é um exemplo bom daquela receita que eu disse. O filósofo algumas vezes parte de um evento de sua vida para desdobrar num tema interessante. Digamos que aqui esteja um bom exemplo da diferença entre o ter e o não-ter que dizer.

Memoráveis batalhas que travei ao longo dos séculos


Eu entre dois generais gregos: bolando uma estratégia para derrotar Xerxes (circa 480 a.C.).



Desastre de Agincourt (1415): até hoje tenho pesadelos por isso.



"Charge of the 21st Lancers, Omdurman": Churchill e o autor destas linhas foram um dos que lutaram gloriosamente contra os dervixes do Mahdi na Batalha de Omdurman (1898)

Thursday, November 18, 2004

Wednesday, November 17, 2004

Nostalgia dos bons tempos das boas batalhas

Esse dia chuvoso me lembrou da vez em que eu e vários antigos amigos defendíamos as Termópilas, sob a fúria das torpes flechas do Grande Rei. Que coisa agradável atravessar o peito do bárbaro com nossas lanças meio toscas mas que na época eram o que de melhor havia! Tenho uma certa nostalgia daqueles idos.

Digo isso sem menosprezar, claro, também as boas cargas de cavalaria que participei em diversas ocasiões ao longo da Guerra dos Cem Anos. Infelizmente, aqueles patifes ingleses puseram um termo a essa bela distração, com seus esfomeados arqueiros sustentados a preço de banana. Se já nos tempos das Termópilas eu considerava o uso de flechas coisa de gente covarde, imagine então na melhor das épocas da história, aquelas em que a gente podia usar armadura e espada sem parecer um idiota, ter de confrontar aquela ralé que, medrosa, mal chegávamos perto e já se dispersava confusamente?

De cargas de cavalaria, a última que conheci e gostei bastante foi aquela do Churchill. Onde li mesmo isso? Na sua autobiografia? Céus!, esqueci o nome do livro, mas lembrarei nalgum momento. Enfim, ele também participou de uma carga. Hmm, mas antes de continuar, minha sabedoria prática me alerta que talvez um ou dois leitores não saibam o que significa esta tática de batalha. Bom, é mais o menos o seguinte: imaginem uma formação compacta de cavalaria, pessoas bem próximas umas das outras, talvez uns dez, vinte ou trinta cavaleiros, avançando velozmente para literalmente passar com o cavalo em cima dos soldados a pé ou para se chocar contra outra cavalaria (recomendação: assistam Coração Valente, no episódio da Batalha de Falkirk, onde quase dá certo a carga inglesa se não fossem as lanças de Wallace; ou Lancelot, aquele com Sean Connery e o insosso Richard Gere, onde há um choque entre duas cavalarias mais para o final do filme – e percebam como, além dos tradicionais anacronismos em filmes sobre Idade Média, que os uniformes dos cavaleiros da Távola Redonda parecem demais com o do pessoal da Enterprise, só mudando a cor), tudo em questão de segundos. No caso do Churchill, foi muito legal como ele descreveu sua carga, com o detalhe do exército inimigo ter gente com armas de fogo! É sério, dá vontade de ser inglês da virada do século XIX para o XX só para ser oficial de Sua Majestade e participar de uma batalha contra um desses bárbaros africanos ou asiáticos. Mas pouparei o relato de sir (já ia me esquecendo do título) Winston Churchill ao leitor, pois é mais emocionante lendo a fonte que fazer um sumário.

Ah, a cavalaria... Segundo lendas, até na Segunda Guerra Mundial usaram a cavalaria. Pena que foi contra tanques... Foi num combate entre poloneses e alemães, onde os últimos passaram com seus tanques pelos cavalos dos primeiros. Não deve ter sido uma coisa muito bonita de se ver.

É uma pena que hoje em dia não posso mais combater a boa luta como nos tempos das Termópilas, dos séculos XIII, XIV e XV e da época de sir Churchill. Talvez se eu tivesse nascido muito tempo atrás, podia até lutar no Paraguai, mas não seria a mesma coisa, embora talvez fosse algo curioso observar o Almirante Tamandaré literalmente atropelando as frágeis naus paraguaias, num estilo de batalha naval dos tempos de Pompeu ou até de bem antes. E me incomoda essa impossibilidade. Pois quem de nós que já partiu ao lado de Xenofonte e capitaneados por Ciro, o Moço, não é nostálgico dos bons tempos em que se podia comprar suas própria lança e armadura e, se fosse o caso, liquidar alguém sem ter de fazer tratamento psicológico ou dar entrevistas sobre a verdade crua da guerra? Já se foram aqueles bons tempos, meu e teu, potencial amigo leitor. O tempora! o mores!

Saturday, November 13, 2004

Do mal em ser amigo de todos

Quem é amigo de todos não é de ninguém. Daí que ser simpático com todos é indício ou de ingenuidade atroz ou de torpeza pura e simples. Em outras palavras, ser amigo de todos é implementar a discórdia em si mesmo.

Mas não faz parte do meu estilo disparar aforismos. Tratemos melhor essas idéias.

Imaginemos um exemplo absurdo. Que o leitor seja amigo de todo mundo de sua cidade. Ora, ainda que haja cidades e cidades, não é possível que em nenhuma não haja gente má entre os bons. Então o leitor necessariamente tem de ser amigo de gente boa e má. Mas que diacho de cidadão o leitor seria caso construísse amizades com qualquer tipo de gente? Donde se conclui que não é lícito conviver com qualquer um.

Há um segundo problema, que pode ser bem entendido se ilustrarmos com o exemplo da longínqua Idade Média. Naqueles tempos havia cavaleiros que juravam fidelidade a mais de um senhor. Este juramento implicava em vários deveres, entre os quais o de auxílio na guerra. Mas que acontecia se os senhores de um mesmo cavaleiro lutassem entre si? Então inventaram vários artifícios para tentar corrigir esse problema – não importa citá-los –, mas nada adiantou muito. Não devia ser raro um homem que jurara há tempos defender com sua vida seu senhor de repente virar-lhe as costas e prontamente auxiliar seu inimigo. Talvez mais sensatos fossem os japoneses: um samurai só podia ter um senhor.

E o problema da fidelidade atinge a religião monoteísta. Pois se para um islâmico só há um único Deus, como ele dirigirá um mesmo amor à outra divindade sem cometer o pecado mortal da apostasia, isto é, da traição? E aqui chego onde talvez alguém já tenha percebido: que não é possível amar incondicionalmente duas pessoas ao mesmo tempo e no mesmo instante. Haverá um momento em que nossos votos, tácitos ou não, entrarão em choque uns com os outros e cairemos numa traiçoeira cilada: atacar quem juramos defender. Pois se eu juro permanecer fiel a alguém, como terei dois senhores? A não ser no caso do leitor ser um protozoário, que consegue realizar a proeza da bipartição, suponho que seja uma tarefa ingrata servir da mesma maneira a dois amores.

Essa divisão de si mesmo é a conseqüência de atos que visam apenas interesses mais imediatos. Aqui vale alongar a analogia com os cavaleiros medievais. Eles muitas vezes juravam fidelidade a mais de um senhor para obter em troca mais terras, riquezas, poder sobre homens, etc. Mas tudo isso é válido quando o preço é se duplicar e lutar contra si mesmo, a fim de atender as exigências de vários senhores ao mesmo tempo? Daí que a traição leva à discórdia e à desunião, não só em relação a outras pessoas mas primeiramente consigo mesmo. Vida dupla, expressão que ilustra bem o problema.

O problema todo dessa questão é que não é possível, pelo menos num nível humano, conciliar o inconciliável. O “amai-vos uns aos outros” não pode ser lido de maneira incondicional. Até o amor é uma lei divina e, como qualquer outra, tem seus princípios. E este princípio, em relação ao divino, deve ser primeiro amar o bem e a verdade. Por isso, não nos esqueçamos, na bizarrice que chamamos de cotidiano, que buscar amizades a todo custo é uma atitude tão errônea quão execrável. Sejamos nobres e caridosos, mas sem com isso nos unirmos em uniões abomináveis a fim de trairmos a nós mesmos.

Fechemos este texto com a figura do monge. Ele é o melhor exemplo de fidelidade, pois só ama a Um. Este amor é tão fiel que nada mais no mundo é importante. E o monge ama apenas a Um e repele todas as outras coisas porque nada pode desviá-lo do único e mais rápido caminho para a vida perfeita. Apegar-se a qualquer outra coisa que não seja Deus seria um dividir-se a si mesmo. Vale a pena desenvolver mais este assunto, mas fica para outra ocasião.

Sunday, November 07, 2004

Um dos menores, mais terríveis e mais inverossímeis contos da língua portuguesa

Saltou do ônibus um tempo depois de ver as lindas coxas de tremenda mulher no banco de trás. Estava excitado demais. Saltou, porém o ônibus estava em movimento, caindo no chão, bem em cima do seu membro viril ereto. Quebrou o pinto naquela tarde funesta.

Solução para o fim da criminalidade no Brasil

Como sabemos que os freqüentadores de faculdades públicas de humanas são delinqüentes em potencial, tenho uma sugestão para o fim da criminalidade nacional: que quem passar no vestibular seja submetido a um interrogatório policial ferrenho. Talvez o sistema fosse mais eficiente se deixássemos que o povo primeiro se formasse. No dia da formatura, todos cairiam por um alçapão (com almofadas no fundo, pois aqui deve ser um país civilizado) subitamente aberto. Permaneceriam em quarentena até haver a separação entre sãos e maníacos.

Os poucos que não fossem loucos psicóticos teriam acompanhamento médico, pois é difícil não sofrer seqüelas em tais ambientes. O tratamento poderia ser algo parecido com a cura da alma socrática.

Saturday, November 06, 2004

O ALCÁZAR DE TOLEDO

Nos dias de abril e maio que andei pelo Velho Mundo, vi muita coisa que me encheu os olhos e a alma de admiração. Não discorda Platão das Sagradas Escrituras, quando diz que a admiração é o princípio da sabedoria, porque o temor filial, segundo São Gregório e Santo Tomás, é um estremecimento da alma agradecimento que permanece e resplandece no céu. Torno a dizer: vi muita coisa que me encheu os pulmões da alma de gratidão e admiração. Deus é grande e todo-poderoso, e o homem, esse quase-nada, espécie de mofo nascido nos desvãos de um planeta, quando se ergue para louvar a Deus torna-se gigantesco e admirável, e é capaz de gravar nas pedras o sorriso dos anjos, e de construir catedrais, rosáceas, vitrais que nos enchem de estupefação. "Passou por aqui uma raça de gigantes...", dizia eu com meus botões na Sainte-Chapelle ou no Alcobaça.

Era sempre diante de um passado mais lendário do que histórico, e por isso mais verdadeiro, porque as lendas cuidam das coisas essenciais que escapam aos historiadores perdidos na imensa feira de superfluidades. "Passou por aqui uma raça de gigantes..." "Passou..."

Mas num lugar do Velho Mundo pude ver o prodígio da permanência e da sobrevivência da raça de gigantes, até os dias deste século, até ontem. Refiro-me ao Toledo.

Toledo é uma cidade, hoje pequena, regada pelo Tejo, o mesmo Tejo de Camões e o mesmo rio de minha aldeia de Fernando Pessoa. A sudoeste de Madri, distante uma hora. Toledo é um prodígio sem igual. Sua preciosidade começa por imemorial antiguidade. Já dois séculos antes de Cristo, Toledo foi colônia cartaginesa e depois colônia romana. E logo nos primeiros dias do cristianismo Toledo se torna centro de irradiação, foco de difusão e núcleo de estudo e de doutrinação. Desde o primeiro século até o oitavo da era cristã reuniram-se em Toledo 18, sim, dezoito concílios, sendo os mais importantes os de 396, 400 e 589 com o triunfo da Igreja Católica na Espanha contra a heresia ariana.

Além disso, convém lembrar que foi em Toledo que durante toda a Idade Média se forjaram as melhores espadas com que a Cristandade defendia seu território como defendera sua doutrina. Saltando por cima dos visigodos e dos mouros, temos em Toledo a capital da Espanha até Filipe II. No século XVI temos em Toledo o pintor El Greco, cuja maravilhosa casa até hoje exibe o ainda mais maravilhoso Enterro do Conde de Orgaz.

Tudo isto se inscreve no patrimônio de grandezas deixadas pela raça de gigantes que passara pelas terras da Cristandade; mas o que me deixou sufocado na visita que fiz a Toledo foi uma cripta do Alcázar restaurada, e nesta cripta com um altar o que me fascinou foi a dupla lápide aos pés do altar, com os seguintes nomes:

José Moscardó Ituarte
Luis Moscardó

Eu não sabia que ia ali encontrar seus túmulos e seus nomes, e por isso fui tomado por uma surpresa que me prostrou de joelhos. O mundo inteiro, digo mal, o mundo inteiro que não fechou os olhos à evidência e não se recusou à admiração dos feitos admiráveis, sabe o que foi a resistência do Alcázar, em 1936. Sitiado voluntário na fortaleza de Toledo, com 1.000 combatentes — e mais mil mulheres, crianças, velhos — Moscardó organizou-se para resistir e para sustentar seus dois mil habitantes. De início teve de entregar seu filho. A história é conhecida. Estão lá ainda a mesa de trabalho e o telefono que naquele dia tocou. Era o Chefe de Milícia dos Rojos que chamava Moscardó para intimidá-lo a render-se em 10 minutos, sem o que mandaria fuzilar seu filho Luis, em poder dos 12.000 milicianos que cercavam o Alcázar. A resposta de Moscardó foi seca e instantânea:

— Você não sabe o que é a honra de um soldado, e por isso me faz essa proposta.

— Você fala assim porque pensa que estou blefando. Venha cá, Moscardó. Fale com teu pai.

Luis: — Oiga, papá?

José Ituarte: — Que hay, hijo mio?

Luis: — Nada de particular, papá. Dicen que me van a fusilar si no te rindes. Que debo hacer?

José Ituarte: — Tu sabe como pienso; tu padre no se rinde. Si es cierto que te van a fusilar, encomienda tu alma a Dios y muere como español: da un Viva España! y Viva Cristo Rey!

Luis: — Es muy facil, papá. Haré las dos cosas... Un beso muy fuerte, papá.

José Ituarte: — Adios, hijo mio. Un beso muy fuerte.

E foi depois desse começo que José Ituarte desenvolveu uma sobre-humana energia para organizar a defesa, com um mínimo de armas, e organizar a subsistência de seus dois mil filhos adotivos. O que realmente espanta nessa epopéia de nossos dias não é a bravura, é sobretudo a força de resistência, a força de paciência com que se transformou o forte bombardeado dia e noite, por muito mais bocas de fogo do que The Light Parade de Tennyson, porque sobre o Alcázar, além das quatro rosas do vento, chovia fogo do céu. Aviões despejavam bombas, e José Ituarte ocupava-se com a moenda das reservas de trigo, com um motor de automóvel, e a organização de um circo para divertir as crianças...

Não cabe aqui a centésima parte da epopéia do Alcázar de Toledo. Cabe ainda um reparo. Estas coisas aconteceram neste século de tantas degradações. Eu vivia, respirava, comia, dormia e trabalhava nos meus esquemas eletrônicos, enquanto a Espanha, Toledo, o Alcázar, Moscardó defendiam o cristianismo, a civilização, a honra, e tudo o mais que dá à vida o valor de ser vivida. Por um conjunto de bloqueios e conjurações, em que este século é fértil, passou-me despercebido o feito no momento mesmo em que eu poderia ter respirado em sincronismo com os heróis do Alcázar. Estupidamente perdi essa oportunidade de ser contemporâneo de uma raça de gigantes. Convertido à Fé Católica, ainda mais estupidamente perdi a oportunidade de agradecer a Deus tanta grandeza humana. Por um triz tive a sorte de sobreviver, e de ainda poder admirar, e de ainda poder agradecer. parte dessa história está no meu livro O Século do Nada.


(Este texto é de Gustavo Corção, retirado do site Permanência. Que mais não estamos perdendo também? Não apenas por sermos católicos ou não, mas gente?)

Agradecimento ao Carlos

Eu devia ter feito isso há mais tempo: é um agradecimento ao Carlos pelas valiosas ajudas ao pobre escritor destas linhas. Indicou onde e como eu conseguiria este novo sistema de comentários, me ensinou a por os links que o leitor pode observar ao lado da página, além de construir nosso site O Teocrata. E isso só para dizer algumas coisas. Portanto, aqui vão meus cumprimentos ao Mascate.

Hoje é dia de polemizar; então falemos sobre os anencéfalos e terminemos este assunto de uma vez por todas

Hoje resolvi buscar uma polêmica qualquer para discutir. No caso, escolhi sobre a dos anencéfalos.

Bom, basicamente é o seguinte: se ele tem esse problema, não significa que está morto: apenas está privado de parte do encéfalo, assim como os manetas, caolhos e eunucos estão privados, respectivamente, de mãos (ou braços), da vista e do bilau.

Alguns acham que precisamos discutir o que é o ser humano, a vida, a alma e outros blá blá blás para se saber se o bebê (ou feto) com este problema é ou não gente. É uma idéia bonita até, e eu mesmo já perdi meu tempo achando que a discussão devia seguir por esse pedante caminho. Mas o negócio é o seguinte: é um bebê com doença terminal, ponto. Apoiar aborto é apoiar assassinato, ponto. E se nasceu com uma doença terminal, isso não nos autoriza a matá-lo. Se é para matar todo mundo que seja doente terminal, vamos erradicar de uma vez por todas as pessoas com câncer, AIDS ou aqueles estropiados por causa de um acidente qualquer e que ainda gozam de um pouquinho de vida. Câncer um dia terá cura? AIDS também? Tudo isso implicaria que não devemos matar quem tiver essas doenças? E por que diabos anencefalia também não teria cura algum dia? Na verdade, a pior doença terminal é a vida, então nos matemos todos de uma vez.

Alguém pode querer um argumento que valha mais que a intuição para resolver este problema. Isso por si só deve ser prova de decadência da nossa espécie – aliás, a discussão também o é. Em todo caso, me imagino travando a seguinte discussão:

-- Na tua opinião, o sol é quente?

-- É.

-- A cabeça é menor que o tronco?

-- Claro.

-- Monica Bellucci é a idéia perfeita de mulher encarnada?

-- Lógico.

-- Então se você consegue perceber que o sol é quente, a cabeça menor que o tronco e a Monica Bellucci a idéia perfeita de mulher encarnada, como é que você diz para mim que anencéfalo não é gente, ou não tá vivo? Me explica como você faz isso porque de repente até dá dinheiro num circo de horror.


Mas sempre tem um mais enjoado que acha que isso é fugir da discussão, ou que até agora não provei nada. Então para provar que anencéfalo é gente, primeiro temos de começar das coisas mais fundamentais: por que o sol é quente, a cabeça menor que o tronco e a Monica Bellucci a idéia perfeita de mulher encarnada.

Por último, podiam dizer que na justiça meus argumentos não são válidos. Nem se eu mostrasse um anencéfalo chorando talvez valesse. Mas talvez se eu falasse bem enrolado, juntando a Bíblia, a medicina, a história da humanidade, a filosofia e o “atual contexto mundial” num samba do intelectual doido, em tom eloqüente e trágico, muitos me levariam mais a sério. Tudo bem. Fico apenas com meus poderosos argumentos, todavia.

Só espero que ninguém vá encher minha santa paciência pra duvidar também que a Bellucci é linda de morrer.

Thursday, November 04, 2004

Vizinhos e besteiras

Não sei o motivo, mas as pessoas adoram andar de cueca e calcinha pela casa. Porém já ouço um leitor objetando, no fundo da platéia, que as pessoas querem apenas permanecer à vontade. E acrescenta que ele próprio gosta de estar daquele jeito, senão como veio ao mundo. Tudo bem, concedo. Mas atente para isso: essa é a única maneira de se estar à vontade em casa? E preste atenção nos problemas que isso pode te causar:

uno: Sendo homem, cairá no ridículo. Ver um homem perambular de cuequinha pela casa acaba com seu respeito, se é que já teve algum;

duo: Sendo mulher, há duas alternativas: se transformar em musa dos vizinhos ou – mas somente no caso de realmente ser muito, mas muito feia – também cair no ridículo.

tres: Tanto um caso como o outro, levando-se em consideração uma suposta pessoa que não seja simpática a voyeurs, terá que viver de cortina fechada. De noite não há muito problema, mas e de dia, tendo que permanecer com tudo às escuras? E sem contar com o clima mais abafado que fatalmente haverá em seu recinto.

Mas outro leitor – imagino sempre essas coisas – se levanta na ponta esquerda da platéia e objeta que pode haver casos em que não haverá ninguém observando, como, por exemplo, em prédios que não ficam em frente para vizinho algum, como aqueles no litoral em que olham o oceano. E acrescenta que nesse caso até mesmo um velhinho pode usar um fio dental e fazer polichinelos ao som de salsa e merengue (se baixinho), já que não permanecerá ridículo a ninguém.

Concedo em parte. Tudo bem que não haverá audaciosos vizinhos observando sorrateiramente por trás da cortina tua mulher, mas cá entre nós, leitor: velhinho usando fio dental e fazendo polichinelos ao som de salsa e merengue? Basta que ele tenha a mínima consciência do ridículo para ter vergonha em apenas cogitar uma sandice dessas. Num certo sentido é até bom que aja gente sempre por perto e potencialmente voyeur, afinal de contas deve haver uma minoria de indivíduos que só não comete loucuras justamente pelo medo de alguém lhe ver no ato.

Sabemos todos que estatisticamente a probabilidade de toparmos com uma vizinha maravilhosa – ou, para as mulheres, o homem de seus sonhos – é pequena. Dessa maneira, para indivíduos de bom gosto o vouyeurismo é um empreendimento frustrante. E pode-se aplicar esse raciocínio às praias de nudismo. Lá pior até é porque ninguém faz questão de esconder a feiúra, pelo contrário. A roupa, nem que seja uma calcinha furada ou cueca rasgada, ameniza um pouquinho o miserável aspecto humano geralmente comum a todos nós.

Mas a minha pergunta ainda não foi respondida. Por que diabos, apesar de tudo isso, as pessoas insistem em passear de calcinha e cueca pela casa? Tenho certeza que na época de antanho as pessoas se vestiam de um jeito melhorzinho em suas casas. Então o que mudou, meu deus? Alguém da platéia saberia responder? Alguém?

Adendo:

Há ainda a questão das roupas penduradas em varais para fora da casa. Dá para fazer uma idéia de quantos a habitam, como são seus moradores, se há vários homens, mulheres, crianças, etc. O lixo também é um bom indicativo.

Ora, é fato notório que um dia acabemos por topar com uma cueca-de-oncinha-quase-fio-dental do outrora másculo vizinho. Ou, daquela recatada e pudica senhora, um dia você observa estarrecido em seu varal um fio-dental escarlate, acompanhado por um misterioso chicote que por algum intrigante motivo foi posto para secar.

Todas essas coisas pertencem à esfera íntima, e bisbilhotar, eu sei, é feio. Mas a curiosidade é intrínseca ao homem. Obviamente as pessoas não estão erradas em pendurar às vistas de todos seu chicote de couro ou fio-dental escarlate, mas por que apenas eu e mais alguns têm vergonha em se imaginar fazendo o mesmo – não digo em pendurar nossos trajes masoquistas, mas nossas simples roupas mais íntimas? Será que a vizinha pudica não liga o mínimo que seja para o fato de eu saber que ontem ela usou tal calcinha, ou tal chicote, ou aliás saber quantas e quais são suas roupas íntimas?

Aliás, geralmente a gente nem precisa bisbilhotar. Está tudo tão escancaradamente à mostra que seria até um sintoma de debilidade sensorial não sabermos do vizinho essas coisas todas. Ou, como diria Ortega y Gasset, “não corresponde a esforço algum, como não seja o de respirar e evitar a demência”.