Nota: de fato, gosto de notas. Mas este é um aviso como daquele do texto sobre "Pulp Fiction": irei editar este texto no ano 520235, yadda, yadda, yadda... E outra coisa: eu deveria tê-lo publicado antes, mas esqueci completamente... Portanto, se encontrarem alguma coisa muito esquisita, eu ficaria feliz se ma contassem, certo três ou quatro leitores? ;)
Eu gostaria de pedir a palavra (como se eu devesse pedir para vocês...) para comentar a respeito do tal obscurantismo espalhado por este vale de lágrimas desde que George W. Bush chegou à presidência dos EUA. Pelo menos foi isso que li num artigo (“Para que Servem os Intelectuais?”) do dia 9/3/2005 em “No Mínimo”. Este artigo é uma resenha de José Castello do livro “Representações do intelectual”, de Edward W. Said, edição de várias conferências feitas em 1993 pelo autor. Aliás, José Castello considera que “suas conferências revelam um surpreendente caráter premonitório”, já que “de alguma forma secreta, elas previam o crescimento desenfreado do fanatismo religioso e a expansão do obscurantismo pelo planeta, eventos expressos em episódios trágicos como o 11 de setembro e as invasões do Afeganistão e do Iraque”.
O suposto caráter premonitório de Said não deixa de ser confessadamente obscuro pelo próprio José Castello, pois secreto e premonitório, mais ou menos como se estivesse escutando o próprio Oráculo de Delfos. O pior de tudo é que no mesmo artigo Said diz que não é intelectualmente certo que intelectuais se apeguem à religião, com toda aquela história de livros sagrados cheios de verdades absolutas. Claro, os exemplos de intelectuais que seguiram o correto caminho são por exemplo Sartre, Russell e parentelha, que segundo Castello deles parece que todos nós estamos na sombra. Se isto fosse uma crítica no sentido de dizer que poderíamos estar à sombra de gente melhor, até que eu entenderia. Mas não: é como se aqueles pertencessem à última grande geração de intelectuais. Bom, parece que gente como Leibniz, por exemplo, deve ser um coitado e obscuro, já que acreditava nessa história de verdades eternas, ainda que muita gente mais séria o considere um expoente enorme do racionalismo. Ou Sto. Tomás de Aquino, que a julgar as palavras de Said está bem longe de ser um intelectual do porte de Sarte, coisa que também concordo, embora por outros motivos. E nem falemos nada sobre Platão, aquele simplório que, no auge de seu obscurantismo, ousou defender a existência das Idéias, seres eternos, universais, incorruptíveis e incriados – numa palavra: absolutos. Enfim, apenas este infeliz trecho daria muito pano para manga, mas não foi sobre isto que eu pedi a palavra, e sim a respeito do obscurantismo que está se espalhando por este planeta desde 2002.
Tem gente que acha odioso quando um sujeito tenta refutar uma idéia a partir de sua (falta de) experiência pessoal. Eu penso um pouco assim também, mas enfim, como adoro me contradizer, vai lá: continuo indo à biblioteca, acesso livros pela Internet, vou ao Municipal ouvir música boa, etc, etc, etc, sem ter notado um mínimo avanço do obscurantismo, quer dizer, pelo menos ligado a ascensão de Bush. Se querem um exemplo concreto do retrocesso da cultura, não procuremos lá fora, mas aqui, desde que o latim foi expelido do currículo das escolas por ser considerado inútil . E noto também que as mesmas pessoas que escreviam antes da “era Bush” – como se ele fosse responsável por uma era – continuam escrevendo suas mesmíssimas coisas, apenas alterando o nome do “vilão” da vez. Todo mundo civilizado continua – e cada vez mais – a usar a Internet, jornais continuam saindo normalmente, os mesmos asnos que criticavam a sociedade ocidental, sendo ocidentais, continuam a criticá-la como sempre soe acontecer... Cadê este “obscurantismo”? Onde está o tal fanatismo religioso, também apontado naquele artigo como sinal de nossos tempos? Onde está a proliferação de Estados teocráticos, que poderiam indicar um avanço do fanatismo? Quantos governos europeus são formados por religiosos ortodoxos? E nos EUA? E no Brasil? Quantas pessoas são perseguidas por gente religiosa por seus credos heterodoxos? Nada disso podemos perceber, e o único avanço do obscurantismo que sinto é de gente como José Castello, porque sua obscurantíssima imaginação teima em criar imagens não condizentes com a realidade.
Por falar em fanatismo, não acho nada religioso o que o Bush faz, tampouco as loucuras de Bin Laden, o que não quer dizer que os dois estejam fundamentalmente no mesmo nível. Pelo contrário, embora os EUA, o Afeganistão e o Iraque não tenham sido atacados por um motivo “obscuro/religioso”, de longe considero pelo menos o ataque ao Iraque como legítimo. Contra o Afeganistão não sei, porque nas vezes que parei para pensar sobre o assunto me dava vontade de tomar sorvete. Quanto ao ataque sofrido pelos EUA, este não merece comentários. Não há absolutamente nada de religioso nas revoltas daqueles bárbaros da Palestina (afinal de contas, só gente bárbara que amarra no corpo um explosivo para se matar, levando consigo várias mulheres e crianças), nem dos bárbaros degoladores iraquianos, nem entre os perversos chineses, nem nas guerras contra quem comete tudo isso (embora seja algo correto atacar essa gente), nem em qualquer maluco do mundo. Ao contrário, o que mais vemos é uma choradeira infernal justamente contra a religião, como fator de embrutecimento do indivíduo, motivo este para se reforçar ainda mais a separação entre Igreja e Estado, embora José Castello ache que o século passado foi “dominado pela expansão das grandes religiões monoteístas, que se baseiam em livros sagrados revelados e, portanto, em verdades absolutas”. O sujeito parece desconhecer a expansão do fascismo, que até hoje existe, e das sociedades liberais puramente técnicas e laicas, que talvez sejam as duas cabeças de um monstro maior: eis o expansionismo de uma “religião” moderna. Quanto à expansão do fascismo, basta sabermos que de toda a população do planeta, quase 1/5 vive sob o domínio do Estado fascista chinês há mais de 50 anos. Aliás, uma parte maior do planeta chegou a viver sob o governo de regimes fascistas no século passado, demonstrando assim que é tolice acreditar que o século XX foi dominado “pela expansão das grandes religiões monoteístas”. Se isto fosse verdade, jamais haveria lugar para o nazismo e comunismo neste mundo, nem para aquela coisa estranha que é a sociedade liberal técnica e sua “religião laica”. E sobre as sociedades liberais puramente técnicas e laicas, que o leitor se recorde que apenas o fato de o presidente atual dos EUA ter se mostrado simpático a certas causas que também são apoiadas por religiosos cristãos, isto é, contra o aborto e contra o casamento gay, por exemplo, fizeram com que surgisse uma avalanche de indignação e estupor até mesmo no nosso país. O engraçado de tudo isso é que ninguém diz nada com relação ao Irã, onde no código penal há até minúcias sobre que pedras usar contra mulheres que pularam a cerca no casamento (“que [as pedras] não sejam grandes demais a fim de não matarem rapidamente a culpada, nem tão pequenas que não causem dano”, cito de memória), nem com a China e Cuba, lugares onde os cidadãos se tornaram reféns do próprio Estado (na realidade um ultra mastodonte). Aliás, porque é prova de maldade e obscurantismo apenas a hipótese dos EUA mandarem chumbo no Irã, tal como fez no pacífico e pobrezinho Iraque, onde morreram nas mãos de um coitadinho Saddam mais de trezentos mil cidadãos, enquanto a recusa de atacar regimes tais como aquele é uma atitude sensata e equilibrada? Mas enfim, não seria um fanatismo religioso este que cada vez mais afirma os valores da pura técnica, fazendo questão de opor-se de maneira hostil a toda manifestação religiosa monoteísta? Onde ninguém ousa imaginar uma escola pública com ensino religioso? Onde todos os fiéis de uma dada religião são vistos de antemão como bando de hipócritas a serviço de algo irracional? Que prega, segundo Said naquele artigo, que todo o intelectual “deve conservar uma posição laica”?
Bom, era este curto comentário que eu queria fazer a respeito daquele artigo. Nem quero comentar sobre o restante do artigo, pois senão meu blog deveria mudar de “Asinum Asinus Fricat” para “Críticas e Mais Críticas a Certos Trechos do Artigo de José Castello do Dia 9/3/2005”. Convenhamos que o título seria horrível. Ah sim: e se Said realmente defendeu todas aquelas coisas escritas naquele artigo, longe de ser alguém de antevisão, ele é um sujeito muito, muito bobo. E José Castello, escrevendo o que escreveu, acabou sendo outro.
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