Amigos, contarei a vocês uma história oriental. Não é minha, é uma dessas lendas que simplesmente brotaram das névoas da história, portanto verdadeira em espírito. O fim é meio abrupto, mas não contarei a moral.
Certa vez o sultão contemplava orgulhoso sua cidade, solitário, da varanda de seu palácio. Aquela opulência toda parecia a manifestação de si mesmo, como se fosse uma idéia excelente que por milagre se tornou ato em todos os seus pormenores. Certamente não havia cidade no mundo tão bela quanto a do sultão. Tal contemplação tinha um caráter de Narciso, porque ao olhar a cidade ele via a si mesmo em glória.
Todavia, eis que de repente o sultão sentiu um calafrio tremendo, prenúncio de toda a calamidade. Do alto da abóbada celeste escura e estrelada, desceu um anjo de beleza terrível bem ali na varanda, tal como um um raio. Não era uma criatura qualquer, mas aquele que é a boca de Deus para o flagelo. Estava ali o Anjo da Morte. E o sultão estremeceu.
Logo disse o Anjo: "Ó homem, eis que Deus me enviou para te anunciar terrível desgraça. Prepara-te, pois tocarei a tua cidade como jamais foi tocada antes." Tendo ouvido tão sinistro oráculo, o sultão lhe respondeu: "Que fiz de mal? Ora, diga-me conforme a verdade: quantos hão de tombar? Se foi o Senhor que te enviou, então pela graça de Deus misericordioso te rogo para que me digas!" Falou o Anjo: "Cinco mil tombarão nas próximas semanas de doença terrível. Prepara-te e te alegra, ó homem, porque nem sempre é dado conhecer a extensão da própria desgraça. Tu és pecador, mas Deus é fiel." E voltou aos céus o Anjo da Morte.
Mal tendo desaparecido o Anjo, o sultão, homem extremamente prático como todos bons governantes devem ser, tratou de expedir ordens o quanto antes para que a cidade suportasse o flagelo vindouro. As ordens saíam com alguma melancolia profunda, pois ele considerava a empresa difícil e o fato vindouro brutal. Mas não se discute a vontade de Deus. A cidade foi preparada, na medida do possível, para suportar a calamidade que estava por vir.
A semana seguinte chegou e as pessoas começaram a morrer. O sultão acompanhava a tudo bastante apreensivo, sem nunca deixar de contabilizar o número de mortos. Na primeira semana Deus chamou aos céus setecentas almas. Na segunda foram mil e quinhentas. Na terceira foram mais mil. O pânico era generalizado. O espírito do povo sofria golpe atrás de golpe. E não cessava de morrer gente até que houve um total de mais de trinta mil mortos em pouco mais de um mês, o que deixou indignado o sultão, ao que ele ficava repetindo para si: "Para o inferno esse demônio mentiroso!" Eis então que novamente o Anjo da Morte apareceu e lhe perguntou: "Ó homem, por que razão blasfemas tanto?" Respondeu-lhe o sultão: "Tu me enganaste, tu me enganaste! Falaste que cinco mil homens tombariam de doença terrível. Ora, em pouco mais de um mês morreram mais de trinta mil!" Disse-lhe o Anjo: "Não menti, ó homem: Cinco mil homens certamente tombaram de doença terrível. " Tais palavras exasperaram ainda mais o sultão, que disse enfurecido: "Zombas de mim, anjo! Que queres dizer com isso? Seis vezes mais homens tombaram do que me havias dito!" Então lhe respondeu o Anjo da Morte: "Ó homem de pouca fé, que duvida do aviso do céu! O restante, ó insensato, morreu de medo."
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