Tuesday, April 19, 2005

Os cavaleiros contra um terrível mal - Parte I

Chovia. Os caminhos pelo meio da floresta permaneciam lamacentos. Os cavalos trotavam com muita dificuldade. Era noite fria e os cavaleiros não achavam uma área para acampar. Imaginavam que seria possível, conquanto a chuva atrapalhasse, atravessar todo o percurso naquela noite. O pequeno grupo então fazia o possível para avançar.

A cada estrondo de trovão alguns cavalos empinavam. Um dos cavaleiros, tendo ribombado um sinistro relâmpago, foi jogado ao chão pela sua assustada montaria. Outros cavaleiros não pensavam noutra coisa senão pedir a Deus proteção. Seus corações anunciavam qualquer coisa de estranho e bizarro prestes a ocorrer. Um deles, tomando coragem, falou para o capitão:

- Senhor – sussurrou para que apenas o capitão ouvisse –, acho melhor pararmos. Meu coração está petrificado. Acho que o Espírito do Senhor está me avisando que alguma coisa terrível está para acontecer conosco.

- Meu caro fiel – disse pausadamente o outro –, acreditas seriamente no Nosso Senhor?

- Por São João, e como não?

- Ama e crê com todas as tuas forças?

- Por minha vida, senhor.

- Então – disse abrindo um sorriso – entrega tua vida nas mãos do Eterno. Se tua hora for essa, resignas-te. Caso contrário, siga com teu cavalo até o fim que não acontecer-te-á nada.

Mal terminou de dizer tais palavras, um violento relâmpago iluminou sua face. Em um momento, o outro cavaleiro foi tomado pelo pânico e cerrou os dentes. Outros fizeram o sinal da cruz. Mas aquele que antes vacilara domou seu próprio espírito e permaneceu em coragem.

O capitão seguia na frente, enquanto seus homens permaneciam em fila, cavalgando o mais rapidamente que a estrada lamacenta permitia. A chuva parecia aumentar tanto que um deles exclamou:

- Não vos parece, varões, que o Senhor esqueceu da aliança com Noé e se pôs a inundar novamente o mundo?

Alguns riram. Mas um deles, extremamente piedoso e conhecido pela sua frugalidade e austeridade, respondeu:

- Valente, não blasfemai. Tais palavras apenas acarretam para ti e para nós a ira do Senhor.

- Este lugar é de tal maneira tenebroso que não parece ter sido criado por Deus – disse alguém.

- Que falastes, miserável? – esbravejou o austero cavaleiro. – Tudo no mundo é obra de Deus!

E a discussão talvez terminasse mal se o capitão não interrompesse, pedindo calma a todos, afinal de contas não havia motivos para que perdessem seu espírito daquela maneira. E acrescentou:

- Fostes à peleja contra os bárbaros para lá do Oriente, onde, segundo alguns, aquela gente se alimenta, em épocas de necessidade, primeiro dos próprios filhos, depois dos anciãos, enfim das mulheres e por último dos varões menos capazes. De tal gênero de gente passamos em disparada com nossos cavalos por cima. Ali sim era uma ocasião para temermos, pois além de tudo mais havia uma multidão de inimigos contra alguns poucos de nós. Falo tanto com propriedade que perdemos muitos irmãos na peleja sangrenta, embora tenhamos vencido, em nome de Deus. E estando Ele conosco, qual o motivo para que fiqueis tão receosos de meros trovões e relâmpagos?

- É verdade, senhor – responderam os homens.

- Muito bem: orem para vossos santos protetores e calem vossas bocas até atravessarmos essa maldita floresta.

Assim prosseguiam. Contudo, a despeito dos sons da chuva martelando o solo, da copa das árvores balançando sob as chibatadas dos ventos e das constantes trovejadas, ouviram algo que os deixou inquietos. Não era possível identificar que espécie de barulho era aquele; parecia algum animal respirando lentamente. A julgar, talvez fosse grande. Mas eram baixos os sons. Aquilo inquietou de sobremaneira os homens. O capitão fez alto e se pôs a identificar de onde vinham os ruídos. Pareciam próximos. Então ordenou que seus homens descessem dos cavalos e o acompanhassem. Titubeando muito, enfim o seguiram.

Seguindo a origem daquele estranho som, deram-se com um riacho pequeno, embora agitado pela chuva e pelos ventos. Furtivamente andavam, ao passo que, pela aproximação da origem daquele som, os ruídos aumentavam. Até que, de uma distância segura, observaram algo que lhes infundiu temor maior ainda. Havia uma besta grande sorvendo com sua grande língua a água do riacho. Não era possível precisar que gênero de criatura ela aquela, tão estranha e bizarra se afigurava. Estava apoiada por quatro patas, tal qual um cavalo, mas eram muito grossas. Aliás, toda a sua pele aparentava ser revestida de couro muito espesso. Na sua cabeça disforme havia chifres grandes e assaz pontiagudos. Sua cauda lambia o solo em movimentos lentos. Tal criatura emanava de si qualquer coisa de poderoso, infundindo a quem quer que a observasse, caso não estivesse possuído de espírito forte o suficiente, um sentimento de inferioridade perante o monstro. Fatalmente tal gênero de criatura já subjugou muitas coisas deste mundo, e provavelmente era adorada por algum idólatra.
Ela não estava só. Ao seu lado, sussurrando vez por outra, havia um ancião. Vestido de trapos, embora sua face não aparentasse qualquer coisa de malévola. Ele passava a mão na cabeça do monstro – maior que ele muitos côvados –, e parecia satisfeito em observá-la a sorver com tanto apetite a água do riacho.

(continua...)

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