Wednesday, June 22, 2005

Sobre uma carta ao povo brasileiro

Graças ao blog do André de Oliveira, tomei conhecimento de que escreverão mais uma “carta ao povo brasileiro”. Ora, havendo a probabilidade de escreverem algo desta natureza, e sendo a diagonal do quadrado incomensurável, então a experiência demonstra que semelhantes empreendimentos jamais são sensatos e prudentes. Não cheiram bem. Aliás, o único cheiro que cartas dessa espécie deveriam exalar é o do papel carbonizado, devidamente atirado na lareira ou forno mais próximo.

Como se não bastasse sermos agraciados por mais uma carta endereçada a todos nós, eis a razão de quererem escrevê-la: um alerta contra o “golpismo de direita”. “Deuses imortais!”, bradaria Cícero diante deste escândalo. Onde, quando, como, de que forma, através de quem surgiu este "golpismo"? Apenas posso concluir que deve ter sido causado por mim mesmo e por mais alguns gatos pingados, que nem se conhecem. Sim, tenho de admitir: estou envolvido neste “golpismo”, e por duas razões: uno, porque sou de direita, a saber, simplesmente por ser um não-esquerda. Pois se Euclides definiu o ponto como aquilo que não tem partes, tão bem posso me definir como aquele que não é esquerda. Aliás, eu poderia me definir também como um não-monitor, não-jornal, não-cozinha e até mesmo como uma negação de tudo, exceto de mim mesmo. Então, neste sentido sou de direita; duo, como um não-esquerda, definição essa que parece satisfazer as exigências intelectuais de grande parte do público alfabetizado, nesta condição sou um simpático leitor de livros de Aristóteles, de Gustavo Corção, ouvinte de Bach, espectador do desenho da Liga da Justiça e do seriado “Gilmore Girls”, fã de filmes como “Os Nibelungos”, “Procurando Nemo”, “Os Incríveis” e “Senhor dos Anéis”, admirador da vida dos santos, torcedor do Botafogo, amante de pavê e, sinal inconfundível de um não-esquerda, dotado de uma preguiça inacreditável só de pensar em fazer qualquer tipo de marcha e berrar o tempo todo. A última caminhada que fiz foi de minha antiga casa nas Laranjeiras até a Barra da Tijuca, sem reivindicar coisa alguma senão o simples fato de passear a vontade – mais um indício de pensamento burguês. Como eu vez ou outra, aqui, neste blog, escrevo sobre estes assuntos e alguns outros, então é claro que participo, ainda que sem o saber, deste “golpismo de direita”, afinal de contas estou fazendo propaganda contra-revolucionária. Portanto, para provar minha inconcebível ideologia, já pegarei meu garfo e faca para, antes de mais nada, comer alguma coisa, porque gente de direita prefere antes comer o que quer e quando quer do que esperar na fila o talão de racionamento do Estadão.

Não sei como perceberam o meu “golpismo” (aliás, por que esta palavra, “golpismo”? Quem dá golpe é apenas militar?), pois meu blog é a um só tempo escuro/obscuro, pouquíssimo freqüentado e só por gente seleta, confuso e desarrumado: um porão, em outras palavras – quer dizer, não que só gente seleta freqüente porões, mas isso é apenas um pequeno detalhe. E, nas minhas condições, creio que outros também estejam.

Eu não poderia deixar de lembrar ao impávido leitor que o excitar as massas em surtos de paranóia coletiva é o esporte preferido de líderes a um só tempo igualmente paranóicos e muito ambiciosos. O século XX foi um prodígio neste aspecto, nos brindando com camaradas invariavelmente perversos. Mas, coisa curiosa, todos eles provinham daquela camada da população, com uma ou outra exceção apenas para confirmar a regra, que Hannah Arendt chamou de “a ralé”. Muito bem: da mesma forma que a caça às raposas é modalidade tipicamente da nobreza britânica, a delinqüência em massa e loucuras coletivas parecem ser as modalidades mui praticadas pelos líderes-ralé. Ei-los, alguns: Lênin, Hitler, Stálin, Che, Fidel, Pol Pot, Mao, Trótsky... Poupo o leitor do embaraço de ler mais umas centenas de nomes. E, veja bem, todos eles incentivaram surtos e mais surtos de paranóia em seus governos: ou eram os estrangeiros que estavam querendo acabar com a revolução, ou a CIA, ou os intelectuais aburguesados, ou os judeus, ou a população urbana que nada entendia da bela e boa vida coletiva rural... Por que aqui, em meio a selva e aos micos, nada disso sucederia, justamente praticado pelos seus primos pobres do sul, que eram inclusive motivo de chacota entre seus primos ricos do norte?

E ainda tem gente que duvida que história se repete, ainda que com variações. Mas esperemos, eu e você, leitor, para ver se este blog será devidamente noticiado como partícipe do “golpismo”. Ao menos confessei.

***

Haverá, parece, uma marcha que terá o apoio de integrantes de outra, a “Marcha Mundial das Mulheres”. Ora, sabemos que “movimentos sociais”, em sânscrito, significa “desenxabidos que, sem pedir a tua opinião, agem em teu nome, e ficam zangados se você protestar”. Também a experiência acumulada por anos de labuta demonstra que todo incentivo à politização e cidadania desdobra em mulheres peludas, pobres cantando rap de protesto e gente de má-catadura gritando palavras de ordem. Sendo assim, desta vez o ovo podre descambará em Goiás, pátria do empadão: esta gente é uma azeitona e meu paladar a detesta.

E a prova insofismável de que um acúmulo quantitativo não implica, necessariamente, em salto qualitativo, é o fato de que dos muitos milhares de mulheres que talvez apóiem o abre-alas, umas poucas provavelmente se salvarão, e isso com escoriações no espírito. Donde vale lembrar o exemplo de Sodoma e Gomorra, onde o Altíssimo advertiu que salvaria a cidade se houvesse ao menos um probo. Mas quem sou eu para separar o joio do trigo imersos no esterco? Insensato aquele que excogitar sua participação naquele evento a fim de namoro.

Uma bela mocinha de movimento social é um negão bem-dotado disfarçado, espiritualmente falando. Se você bobear, te papa. Eis o meu alerta.


Membros de um movimento social em plena marcha.

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