Gustavo Nogy passou a bola para mim, num tom dos mais simpáticos. Embora eu agradeça seus elogios, meu senso do real me impede de concordar com o gentil amigo, pois confesso, não sem vergonha, que não há gente mais preguiçosa e confusa do que eu. Mas enfim, então vamos lá, respondendo estas perguntas engraçadas de português de Portugal, pois, pois:
1. Não podendo sair do "Fahrenheit 451", que livro quererias ser?
Para o livro que eu direi, na verdade eu não precisaria estar num ambiente tipo “Fahrenheit 451”: bastaria a Grécia Antiga, porque eu adoraria ser um rapsodo declamando, se não toda a “Ilíada”, pelo menos os cantos VI, XVI e XXIV, que são, respectivamente, o encontro de Heitor e Andrômaca, os feitos de Pátroclo e o resgate do corpo de Heitor. Eles não apenas são bonitos como estão permeados de versos muito sábios, que só não citarei por economia de espaço. Na verdade, a “Ilíada” inteira é recheada de ensinamentos. Também adoraria decorar o “Eclesiastes” e talvez todos os Salmos, embora fosse temerário demais me confiar a salvação de um livro qualquer graças a minha duvidosa capacidade de memorização...
2. Já alguma vez ficaste perturbado/apanhado por uma personagem de ficção?
Bem que eu gostaria de dizer, como Sto. Agostinho comentou em relação ao teatro, que é loucura padecer por personagens de ficção, mas... Bom, apanhado é coisa de boiola, mas perturbado já fiquei sim. Digamos que não foi lá muito prazeroso eu ter me identificado um pouco com Raskolnikov, tirando, pelo amor de deus, o fato dele ser um assassino. Outro que me deixou desconcertado foi Édipo, porque ele me é o exemplo mais radical e terrível do problema da ignorância de nós mesmos e das nossas circunstâncias, sem contar a questão complicada de se encarar, de fato, o sentido de nossas vidas, que pode muito bem ser tão tenebroso que muitos prefeririam ignorá-lo para sempre. Hamlet e Orestes, por outro lado, sempre me deixaram pensativo porque ambos foram obrigados a cumprir um fardo imposto por algum tipo de força sobrenatural temível, e para o qual eles mesmos tiveram de pagar as conseqüências, ainda que de maneiras distintas.
3. O último livro que compraste?
Andei comprando zilhões de livros no mês passado. Não, não sou endinheirado; encontrei vários quase de graça, outros nem tanto. Vou mencionar alguns, pois senão a lista vai aumentar que só: “A Psicologia da Fé”, do Pe. Leonel Franca; “Werther”, de Goethe; “Uma Nova História da Música”, de Carpeaux; “A Nova Ciência da Política”, de Eric Voegelin; “Convite à Estética”, de Mário Ferreira dos Santos; “Problèmes de L’Art Sacré” (vários autores); “Contes”, de Boccace; “Romans et Contes”, de Voltaire; “Maria Stuart”, de S. Zweig; “Pais e Filhos”, de Turgueniev...
4. Os últimos livros que leste?
Os últimos? Mas uai, os últimos quantos? Dez? Vinte? Bom, desde o fim do ano para cá foram os seguintes: “Werther”; “Protágoras” e “Fédon”, de Platão; “O Zero e o Infinito”, de Arthur Koestler (bom para quem tenha curiosidade em conhecer na prática a maravilhosa “filosofia” da “Pátria da Revolução”, máquina de criar seres bestiais); reli “Uma Nova História da Música” e o “Mênon”, este também de Platão.
5. Que livros estás a ler?
Sempre leio várias coisas ao mesmo tempo. É aquela questão do interesse pular de assunto em assunto a todo instante. Daí não ser muito raro eu parar uma leitura pelo meio, ou só ler alguns trechos. Geralmente escolho dois livros por dia para ler, mas de forma lenta, com algumas exceções. Assim tenho lido “Os Anos de Aprendizado de Wilhem Meister”, de Goethe; “Apologia de Sócrates”, de Platão; as deliciosas “Fábulas de Esopo” (primeira tradução em língua portuguesa da integral das fábulas de Esopo em edição bilíngüe, feita pelo prof. Manuel Aveleza, que leciona na UFRJ); “Parsifal”, de Wolfram von Eschenbach (ê nomezinho), que ainda não passei da página 36; “Cartas a sus Ahijados”, seleta de cartas de Léon Bloy para Jacques e Raïssa Maritain e Pieter e Cristina van der Meer de Walcheren (há algumas interessantes; fiquei com vontade de ler vários livros dele). No ônibus, tenho algumas leituras fixas: as “Orações”, de Cícero (da coleção “Clássicos Jackson"), a “Ilíada” ou a Bíblia. Estes três são a minha oração perpétua.
6. Que livros levarias para uma ilha deserta?
Que pergunta! Ora, além da literatura básica de sobrevivência numa ilha deserta e, conforme Chesterton lembrou, quando fizeram a mesma pergunta para ele, de um manual de construção de botes? Se eu fosse parar numa ilha deserta, acho que o que menos me preocuparia seriam os livros, pois haveria trabalhos até não mais poder. Mas enfim, supondo o ócio, de cara imagino cinco para a lista: em primeiro lugar, claro, a Bíblia. Em segundo, a “Metafísica” de Aristóteles. Em terceiro, o “Fédon”. Quarto, embora eu só tenha lido um trecho ou outro, a “Suma Teológica”, de Sto. Tomás de Aquino. Por último, e também embora eu só tenha lido trechos, o “Almagest”, de Ptolomeu, pois numa ilha deserta talvez eu teria tempo e paciência de conferir aqueles cálculos todos, ainda que fosse muitíssimo mais interessante conferir os movimentos do Céu num ambiente que não seja tão luminoso quanto onde moro.
7. Quatro pessoas a quem vais passar este testemunho e porquê?
Carlos Krämer, porque ele é uma das poucas pessoas sãs que fazem História na UFRJ; Cris Alcântara, pois ela tem um blog bem divertido e estou curioso em saber o que ela lê, além de ter um gato que é meu xará - motivo fundamental; Rosselline, já que está fazendo monografia em filosofia e pode dar umas boas dicas; Francisco Peçanha, que embora eu nem saiba se ele conhece este meu blog, é, das pessoas que conheço, uma das mais cultas e com certeza indicará um monte de livros importantes. Estes dois últimos não têm blogs, então eu ficaria muito agradecido se respondessem na caixa de comentários ou, melhor ainda, se criassem algum.
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