Wednesday, May 02, 2007

Problemas brasileiros

- Tenho estado chateado com tudo, meu amigo...

- Essa é uma das queixas mais antigas da história do mundo. Desde que Adão foi expulso do Paraíso, houve um só choro e um só gemido, intercalados por uma visão de esperança fundada no amor. Mas me diga, qual o motivo da tua chateação?

- É que tudo parece tão sofrível... Veja este nosso país, por exemplo. Ninguém parece prestar, a começar por aqueles que deveriam dar o exemplo.

- Os políticos?

- Sim, também. Mas me refiro a todos que ocupam posições importantes. Professores, juízes...

- Bem diziam os antigos: a pior corrupção é a dos melhores. Mas você acha que o político, o professor e o juíz, para ficarmos só nesses, são os melhores?

- Pelo menos em tese deveriam ser, não acha?

- Pode ser. Mas acho também que é nessas figuras tão ilustres que muito bem pode aparecer toda a nossa miséria e nossa fragilidade. Existe maior exemplo do que estou dizendo que o caso de alguém que governou por tanto tanto tempo e que era tão respeitado mas que no fim acabou de modo lastimável? E quando um professor erra ou um juiz é injusto, isso não aponta também para a fragilidade das coisas? Para te ser franco, acho melhor irmos mais além: não acho que devemos buscar no fato de alguém ser professor, juiz ou político a razão de ser bom, mas no contrário: é por ele ser bom é que acaba se tornando juiz, professor ou político. Porque se a ordem das coisas não for a natural, o que advirá será apenas desgraça.

- Está meio complicado de entender o que você está querendo dizer. Quer dizer que eu não devo ligar para o que essa gente faz, independente dos seus abusos?

- Não foi isso que eu quis dizer. Estou dizendo que essas funções todas que você citou advém primeiramente do fato de o sujeito ser bom. Esse é o núcleo comum entre todas elas. Para você saber mandar, distribuir justiça e ensinar você precisa ter alguma virtude. Imaginar que do fato de alguém ser professor, juiz ou político decorra que ele seja bom é uma meia-verdade, na melhor das hipóteses. Pois bem, havendo uma carência enorme de pessoas boas, como haveria gente capacitada para mandar, distribuir justiça e ensinar bem? Haverá na realidade uma quantidade anormal de pessoas que de modo algum estarão aptas para exercer a função que ocupam. A conseqüência desse tão triste estado de coisas será a desmoralização progressiva de todas aquelas importantes funções que você mencionou, até chegar a um termo que prefiro nem mencionar. Daí que o problema seja ainda mais profundo.

- Então você, no fundo, concorda comigo?

- Sinceramente, não sei dizer até que ponto. Que tudo está muito ruim, está, mas não gosto muito de me alongar nisso.

- Como não? Você não pode se fazer de cego. Se vê alguma coisa e diz que não viu, estará falseando a tua própria consciência.

- Eu não disse que tudo está bem. Só disse que por não saber até que ponto as coisas estão ruins, prefiro não me alongar muito.

- Mas você está percebendo como tudo está ruim, não é?

- Claro.

- E não percebe como, só para dar um outro exemplo triste, mesmo aqueles que se dizem cristãos na verdade só o são da boca para fora? Na prática são todos uns ateus. É por essas e outras que fico chateado com tudo.

- Acho que agora você está tocando num problema de outra espécie, mas vamos lá, eles têm mesmo alguma relação. Só acho engraçado você dizer uma coisa dessas, a menos que você, meu amigo, seja algum santo.

- Nao preciso ser santo para ver como um monte de gente é má cristã.

- Sim, não precisa, mas é evidente que você deve estar então acima dessas pessoas, porque do contrário não estaria dizendo essas coisas.

- De certa maneira estou sim.

- Se você está acima dessas pessoas, se você percebe que elas estão equivocadas, por que não coloca tuas palavras à prova e te torna um bom pastor? Acredito que seria um bom pastor pelo que me diz.

- Como assim? Não tenho a menor vocação.

- Não ouviu o chamado ainda?

- Não.

- Será que não? Talvez a tua vontade signifique alguma coisa.

- Não, meu amigo, estou certo que não.

- Quer dizer então que está apenas fazendo algumas constatações?

- Claro.

- Se você tivesse o dom de reconduzir as ovelhas perdidas, eu seria o primeiro a te aplaudir. Mas se você não tem, é bem provável que faça parte do rebanho. Se é assim, por que você fica criticando as pessoas por serem cristãs de segundo time? Antes de você criticá-las, a primeira e mais óbvia coisa que deveria fazer é oferecer como belo exemplo a tua própria vida e mostrar através dela como se deve ser um bom cristão. Não preciso te lembrar que para os antigos a virtude não era questão de posse, mas de ser, e portanto poderia ser admirada e imitada, nunca transferida. Está me entendendo? Mas me diga outra coisa: você, embora se considere acima das outras pessoas nesse ponto, de ser um bom cristão, também acha que vive cristãmente na plena medida de tuas forças?

- Não diria na plena medida de minhas forças, porque não é algo que se faz por si só. Olha, quero dizer é que preciso sempre de Deus, porque sou muito fraco. Por sinal, acabo de lembrar uma coisa que o Apóstolo escreveu: é na fraqueza que reside a minha força.

- É um belo pensamento.

- Certamente... Mas sabe, dizendo essas coisas assim tenho a impressão de não estar tão acima dos outros...

- Por que não?

- É que todos têm problemas, não é?

- Com certeza.

- Agora entendi o que você tentou sutilmente me fazer pensar...

- Ora, de onde tirou essa idéia?

- Não me faça de bobo! Sei que a tua intenção era que eu primeiro me preocupasse comigo mesmo antes de criticar os outros.

- Achei engraçado o fato de você dizer que tentei sutilmente. Não foi sutil, foi de modo claro. Era a conclusão mais clara do que eu estava querendo dizer.

- Então posso bem deduzir que também o mesmo se refere aos maus políticos, juízes, professores...

- Enfim você começou a me entender.

- Olha, ainda não entendi muito bem, sabe? Não me acho tão desautorizado a ponto de não dizer que político que rouba é ladrão, que professor que engana aluno é charlatão e que juiz que dá sentenças mediante propinas é desonesto. Você me tem em tão má conta assim?

- É óbvio que não. Você é uma boa pessoa e tem todo o direito de se sentir indignado.

- Se você está me dizendo a verdade, só posso imaginar então que está querendo me dizer para que eu fique de preferência de bico calado. É isso?

- Sobre esse problema que estamos discutindo, eu diria que sim, na maior parte das vezes. Mas creio que você, caso reflita bem sobre o assunto, terá o discernimento necessário para criticar o que deve ser criticado ao mesmo tempo que, nesse ponto, através de teu próprio exemplo em matéria de virtude, empenhe a tua vida de forma a demonstrar qual é o modo mais adequado de ser. Porque a nossa vida é o penhor de nossas idéias. Se você criticar a maneira de alguém ser cristão, você deve ser realmente cristão, o que implica em buscar auxiliar aqueles que você porventura esteja criticando, nem que seja jogando sal nas feridas. Mas só faça isso se você tiver vencido em ti mesmo aquilo que por acaso vier a criticar nos outros. E para os outros assuntos, como o problema da corrupção de professores, juízes ou políticos, é claro que não precisa exercer a função de cada um deles, porque o problema está na falta de virtude. E a virtude, embora presente em cada uma daquelas funções, não é propriedade exclusiva de nenhuma delas. Por outro lado, sendo você mesmo alguém dotado de virtude, o teu exemplo vai acabar sendo observado obviamente naquilo que você faz, seja o que for. Naturalmente, quanto mais você reclamar, maiores serão as cobranças, portanto maiores os deveres. Saiba, porém, o seguinte: se você tiver mesmo virtude, mal sentirá o peso das dificuldades, porque ela, ao enobrecer aquilo que você faz, torna o que está sendo feito belo, e é esse embelezamento que torna tudo leve. Lembre-se que a leveza é sinônimo de alegria, e não é por acaso que as palavras "peso" e "pêsames" têm a mesma raiz, da mesma forma que "alegria" e "alígera". Se quiser, portanto, um conselho, acho que você só deve se aventurar a ser um crítico de teu país e de teus concidadãos apenas se realmente for uma pessoa virtuosa, pois assim você acabará encaminhando pelo menos uma pessoa em direção ao bom caminho. Do contrário, é melhor não te atrever a criticar ninguém e te preocupar só com teus problemas, pois o fardo seria tão penoso que você acabaria esmagado na primeira oportunidade. Sem contar que seria ridículo pedir a alguém doente salvar uma pessoa que estivesse se afogando.

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