Friday, October 14, 2005

Aplicação de selvagens e falta de beleza

Dia desses eu estava me lamentando pelo fato de não haver mais aquelas aventuras em território inóspito e repleto de selvagens de antigamente, quando um amigo meu me relatou suas agruras no Colégio de Aplicação aqui do Rio de Janeiro. Ofensas, ataques da turba, relaxamento moral, covardia da direção, tudo isso houve. Pois então eu pensei cá comigo: na falta de índios do Velho Oeste, bárbaros citas, dervixes furiosos ou repugnantes canibais, temos os nossos selvagens estudantes do secundário (sem contar os do ensino superior) - e por extensão seus rudes mestres.

Quando uso a expressão "selvagem", apenas constato o fato da civilização não ter se aprofundado na alma de boa parte dos indivíduos que está na escola - que, ironicamente, em teoria serve para lhes ensinar seus rudimentos. Aliás, não digo algo muito diverso do próprio Ortega y Gasset quando ele se referia ao barbarismo moderno. Quando você tem apenas as noções superficiais de civilização, quando você não a tem radicalmente em tua vida, então você é um bárbaro, independente da espessura da casca de saber que haja em ti.

O mais bizarro de tudo é que essa selvajaria é tão disseminada, tão reproduzida, que não seria loucura nenhuma imaginar que ela, como aliás costuma haver em qualquer tipo de loucura, é metódica. É um fato presente demais para ser um simples acaso: daí essa sua característica moderna - e "técnica". Há mesmo professores e teóricos que dão seu sangue em prol dela. Pois como explicar que normalmente, ao contrário das expectativas de qualquer indivíduo minimamente sensato, o sujeito saia mais burro, perigoso e selvagem da escola que antes de ter entrado? Como explicar que num tempo em que tantos freqüentam escolas, nunca houve gente mais tola e sem-educação quanto agora? Não era para ser precisamente o oposto?

Vou me explicar melhor. O problema não é a nossa notória indolência, nem o nosso temperamento cordial, nem o nosso caráter frívolo e/ou festeiro. Neca de pitibiriba. Se essa fosse a questão, então ninguém olharia para o passado a fim de relembrar dos nostálgicos tempos em que, segundo os mais velhos, as escolas eram boas (ainda que sempre achemos o passado melhor): sempre teria sido como hoje em dia. Mas não é verdade. Essas loucuras e desordens são muito claramente atuais.

Por que as coisas estão desse modo?

Resposta: não sei dizer. Mas que é muito esquisito, é.

Porém ao menos essa situação vexatória serve como experiência interessante, pois assim dá para termos uma pálida idéia do tipo de coisa que os missionários portugueses tiveram de enfrentar durante a catequização dos índios, ou assim podemos imaginar como se comportavam as tribos germânicas pré-romanização e pré-cristianismo. A substância, definitivamente, é a mesma. A originalidade é o fato de ser sistemática a transmissão da loucura, como uma doença contagiosa. Numa palavra: sistematicamente idiota. E tem gente que até se orgulha disso...

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A Cris, do blog Ego Confession, disse: "Cada dia que passa eu tenho mais vontade de me enfiar num filme do Fred Astaire ou num dos desenhos dos Jetsons." Ela não é a única... Eu mesmo já me imaginei cerca de cento e trinta e duas vezes em um mosteiro. Não haveria monges dançando na chuva ou pilotando carros voadores, mas é, no meu estranho ponto de vista, algo equivalente.

Aliás, o ambiente ao nosso redor é projeção de nosso espírito. Mesmo quando as circunstâncias nos são desfavoráveis é possível fazer o bem. A arte, por exemplo, não tem a sua medida de grandeza no fato de vencer a resistência da matéria inerte a ponto de transformá-la em coisa quase espiritual, uma espécie de reflexo da alma do artista? E que é o senso poético senão uma forma de transcendência da precariedade deste mundo? Ora, onde faltam o senso poético e a arte o caos e a matéria bruta imperam. Sendo assim, pelo menos a minha cidade, o Rio de Janeiro, está assim tão caótica e brutal (numa palavra: feia) porque tem faltado a nós cariocas um mínimo senso poético e artístico. Nosso espírito tem comido muito pó ultimamente.

Onde faltam Astaires, abundam Cidades de Deus.

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Um assunto está relacionado intimamente ao outro, porque onde impera a selvajaria, falta a beleza. Se nosso espírito é selvagem, como nosso ambiente poderá ser belo? Não, pelo contrário: é essa feiúra de doer que costuma nos agredir assim que colocamos nossos pés para fora de casa. Melhor dizendo, nem dentro de nossas casas estamos a salvo. Basta ligarmos a tv ou o rádio para sermos chicoteados pelo mau gosto. Ou mesmo basta irmos até a janela e nos depararmos, atônitos, com um vizinho enorme de gordo fazendo polichinelo ao som de música sertaneja. Eis o bravinho novo mundo.

Não sei dizer qual a solução para um mal tão enorme. Da minha parte, sigo o lema do Chapolim Colorado: "Siga-me os bons!" A imitação dos bons é um fruto que certamente dará bons resultados. Isso implica em saber escolher. Qual é o critério? Talvez experimentando de tudo e ficando com o melhor. Não é assim a nossa vida? Então nada melhor que nos educarmos da mesma maneira que vivemos. É ao menos a minha idéia e o que tento fazer, se bem que toscamente.

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