Uma coisa que não entendo nesse caso, além deste nome esquisito, o qual nem sei nem quero saber se escrevi da maneira correta, é o seguinte: se a família quer religar o aparelho - exceto o marido, pelo que entendi -, por que diabos a última palavra é do Estado? Está na lei? Se está, que mudem, porque é algo particularmente extravagante.
Acho que antigamente a coisa seria resolvida mais ou menos assim: o ancião da família daria o veredicto, permanecendo quedos os outros membros da família, ou pelo menos o peso de sua palavra seria fundamental. Hoje em dia não é desse jeito. Uma pena. Se bem que já ouvi dizer que o marido tinha direito de vida e morte, nas tribos germâncias, sobre mulheres, filhos e escravos. Para os filhos entendo em parte, pois deve ser uma idéia como "se te pus no mundo, então posso te tirar também". Quanto à mulher já não sei. Deve ser algo do tipo "melhor só que mal acompanhado", em palavras variadas há milênios germânicos atrás. E em relação ao escravo, ora, quem liga? Afinal de contas, quem mandou ser bobo a ponto de se tornar propriedade?
Voltando ao caso Schiavo, não deixa de ser interessante notar que, para justificarem o assassinato da mulher, dizem que é para terminar de uma vez por todas um sofrimento inútil. No entanto, pelo pouco que acompanhei o assunto, parece que ela mal fala ou se mexe. Então como diabos acham que ela está sofrendo? Noto que um leitor está pensando que pelo menos ele não acharia lá muito agradável passar uns dez anos sem poder falar ou se mexer direito. Ora, isso não implica que qualquer um acharia melhor morrer, ou esteja sofrendo horrores. Mas talvez eu esteja mal informado e ela esteja mesmo sofrendo horrores e pediu para alguém dar um fim àquela situação. Escolheram desligar o tubo de alimentação para que morresse então logo. Então a pergunta é: quer dizer que matá-la aos poucos, de fome e sede, não a fará sofrer? Nesse caso, acho que ninguém precisa esperar a coitada proferir uma única palavrinha para imaginar o quão ruim seja passar por isso. Além do mais, parece que ninguém quer sujar as próprias mão, porém deixá-la a cargo tão-só de seu parco sustento. Já que morreria sem os aparelhos, então desligam tudo. Eu estou muito curioso para ver os médicos usando este argumento, de agora em diante, nos hospitais. Exemplo:
- Desculpe, rapariga - diz o médico todo sem-graça para a filha de uma paciente -, infelizmente não podemos usar nossa máquina de hemodiálise em tua mãezinha.
- Por quê, doutor?
- Porque a partir de abril de 2005 seguiremos o princípio de não sustentar alguém que sem máquinas morreria de qualquer jeito, e tua mãezinha, embora seja uma gordinha muito simpática, já tem 89 anos e está bem inútil socialmente, coitada. Mas por humanidade eu recomendo o telefone desta funerária aqui, ó.
Suponho ser desnecessário afirmar que Hipócrates sairia do Purgatório a mando de Deus apenas para refutar esses médicos, além de bater neles com um cajado e retornar desta ver para o Céu cumprida a missão. Mas consideremos que, por humanidade, matassem a pobre coitada de uma vez. Com um tiro, por exemplo, afinal de contas que diferença faz o meio aplicado, senão de um lado a cara de nojo do sujeitinho que terá em si miolos, do outro a limpeza da morte burocrática sob encomenda estatal? Pois bem, um tiro. Ainda assim a decisão é errada, pois quem disse que depois de morta a mulher não vai sofrer mais ainda? Afinal de contas ninguém sabe quê diabos acontece depois que alguém morre. Ok, só o Estado sabe (e Platão e mais algumas pessoas, só que já morreram e aparentemente não voltaram para nos contar), segundo alguns. Como por enquanto ele não tem boca para nos dizer como é o outro lado, então é melhor deixá-la viva mesmo. Fora que há o argumento da era pré-cambriana, segundo o qual ninguém tem o direito de matar ninguém. Mas prefiro o argumento mais recente.
O que ficou faltando ainda? Ah sim, a possibilidade da mulher se recuperar. Responda-me rápido, leitor: faça que nem o dr. Manhattan e pense na possibilidade de você ter nascido onde nasceu, ter tido os pais que teve e ser quem você é, sem contar outras circunstâncias. Se for mais provável a mulher sair do coma que tudo isso ter acontecido como aconteceu contigo, leitor, então faz menos sentido você estar vivo e lendo meu texto que esperarmos pela recuperação - coisa mais provável, nesta hipótese - da mulher. Se você não gostou deste argumento, tenho um outro saído do forno: é possível que ela melhore? Se for, então onde está mesmo o motivo para assassiná-la? É aquele ali que está na lata do lixo? Ah, bom lugar: a justiça é tudo estar disposto segundo seu fim próprio. E se não for? Ora, leia o parágrafo acima e tudo estará devidamente explicado.
Não sei se ficou faltando alguma coisa para eu completar meu questionamento acerca deste caso - e de outros parecidos, que ocorrerão; já me sinto satisfeito com o que eu disse. Quer dizer, faltou apenas dizer que, do ponto de vista legal, deve ser um evento sobrenatural discutir a respeito do direito de alguém se suicidar ou de um indivíduo matar outro desde que em conivência com a vítima, que nesse caso é também co-autora de seu próprio assassinato. Algo que nem Cícero poderia resolver...
Agora posso parar de escrever e fazer outra coisa, até porque nem era sobre isso que inicialmente eu queria comentar. Na verdade, primeiro eu queria perguntar se há algum leitor deste blog que leve muito à sério Darwin, no sentido de costumeiramente, ao se referir à história natural, sempre começar dizendo, num tom grave, "segundo a evolução..." e coisas análogas. Em seguida, eu gostaria de perguntar para este hipotético leitor darwinista se ele poderia me explicar pela evolução como é que surgiu a visão e a audição, de preferência através de escritos do próprio Darwin sobre o assunto, e não através daqueles "olha, eu chutaria que...", pois são muito desagradáveis. Se uma teoria explicativa finge que não vê algum dado da realidade, então ela tem de ser (re)vista com mais cuidado, sabem como é...
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