Friday, March 18, 2005

Comentários sobre a sinceridade

Se dizer sincero é, na maioria da vezes, um artifício para agir como um canalha perante as pessoas, mas de forma a arrancar aplausos. Não é à toa que todo mundo que defende o aborto, a eutanásia, o comunismo e demais monstruosidades sempre se diz sincero, muito sincero, e tem a sensação de ter agido bem, o que traz prazer.

Ora, o nazista que meteu uma bala na testa do judeu estava apenas sendo sincero, neste sentido peculiar que só uma época tão abrutalhada quanto a nossa pode ser. E ninguém pode negar que Lênin, ao condenar à forca centenas de opositores para servirem de exemplo, se considerava justo.

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Essa sinceridade é uma maneira de extravasar tudo o que há de pior. Se você estiver com raiva de alguém, não basta engolir seco: é preciso jogar-lhe na cara toda a sorte de insultos. Se você quer uma mulher, não basta dissimular seus próprios passos a fim de, aos poucos, agradar-lhe: é preciso corresponder aos instintos, fazendo jus ao animal que há dentro de ti. Ou se você considera uma pessoa um tanto quanto chata, não basta gentilmente pedir-lhe licença, sob algum pretexto: é necessário jogar-lhe na cara que ela é uma pessoa horrível (vejam, não apenas chata, mas horrível).

Alguém pode dizer que não agiria assim. No entanto, há sempre os mais descarados e os tímidos, porém sonsos. A diferença está na disposição.

É esta modalidade de sentimentos que muitos chamam de sinceridade, mas eu costumo enxergá-la apenas como mais uma forma de estupidez.

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Só há uma forma verdadeira de sinceridade, que é aquela unida a três coisinhas fundamentais: o belo, o bom e o verdadeiro.

Por isso que a sinceridade é um nobre hábito, praticado por alguns, admirado por muitos, imitado toscamente por muitos mais. Ter sempre em mente que nossos passos devem estar sobre um piso verdadeiro, e que esse é o único caminho bom a se trilhar, e que faz bem e é belo, não, infelizmente não é algo que vem simplesmente do berço. É um esforço desinteressado que nos torna possuidores de tão grande tesouro. E a sinceridade, neste caso, é a paixão que um homem sofre em direção à verdade, sendo guiado por uma consciência reta (nada mais que outra maneira de afirmação da tríade belo-bom-verdadeiro).

Digo mais: é um nobre hábito porque é uma virtude, e toda virtude é prática de nobreza. Por isso que o cristianismo é uma religião feita para seres nobilíssimos, pois impõe como meta a perfeição tal qual Deus-Pai é perfeito. E todo código militar decente também prega algo parecido, sempre o aperfeiçoamento de si mesmo, a superação, a auto-imposição de grandes fardos. Não são, cristianismo e código militar, adequados a burgueses – no sentido de seres voltados apenas para o bem-estar e a comodidade.

Mas somos todos filhos de época burguesa (há os burgueses marxistas, burgueses liberais, burgueses nazistas e demais espécies de burgueses). Então não seria mais cômodo rebaixar essa sinceridade de caráter elevado a uma correspondência primária entre ação e pensamento na moralidade?

É neste sentido que alguém pode dizer que no Afeganistão do Talibã ao menos eles eram sinceros no trato das mulheres, enquanto aqui é tudo dissimulado. Ou que pelo menos em países como os EUA ou África do Sul tratavam (tratam, no caso dos EUA) os pretos de forma mais sincera (se por “mais sincera” se entende “menos dissimulada”) que aqui no Brasil. E que o leitor imagine aqui um sem-número de outros exemplos que por extensão podem ser aplicados ao caso.

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É por causa da existência da tríade bom-belo-verdadeiro que uma pessoa que age grosseiramente em nome da sinceridade pode ser tudo, menos sincero. Age apenas como um papagaio, repetindo as palavras de alguém toscamente e sem entender nada que ouviu ou diz.

Ou seja: se o leitor não consegue harmonizar uma reta disposição de espírito com a verdade, e não sente prazer ao agir assim, então infelizmente está no time das falsas consciências. E elas, como tais, sempre se arrogam sinceras – e no entanto sua crença realmente o é, mas não a verdade.

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Apenas um desfecho para o leitor refletir.

Kalos kagathos são duas palavras gregas estranhas e que se prestam, na nossa língua, a vários trocadilhos. No entanto, é uma idéia muito elevada o que elas representam. Sua tradução é “belo e bom”. Um kalos kagathos é um nobre. Era o ideal de nobreza do homem grego. Talvez o leitor se pergunte sobre como atingi-lo. Isso não interessa por enquanto. O que importa é que não é de hoje que existe a associação entre nobreza, a beleza e a bondade.

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