Thursday, November 04, 2004

Vizinhos e besteiras

Não sei o motivo, mas as pessoas adoram andar de cueca e calcinha pela casa. Porém já ouço um leitor objetando, no fundo da platéia, que as pessoas querem apenas permanecer à vontade. E acrescenta que ele próprio gosta de estar daquele jeito, senão como veio ao mundo. Tudo bem, concedo. Mas atente para isso: essa é a única maneira de se estar à vontade em casa? E preste atenção nos problemas que isso pode te causar:

uno: Sendo homem, cairá no ridículo. Ver um homem perambular de cuequinha pela casa acaba com seu respeito, se é que já teve algum;

duo: Sendo mulher, há duas alternativas: se transformar em musa dos vizinhos ou – mas somente no caso de realmente ser muito, mas muito feia – também cair no ridículo.

tres: Tanto um caso como o outro, levando-se em consideração uma suposta pessoa que não seja simpática a voyeurs, terá que viver de cortina fechada. De noite não há muito problema, mas e de dia, tendo que permanecer com tudo às escuras? E sem contar com o clima mais abafado que fatalmente haverá em seu recinto.

Mas outro leitor – imagino sempre essas coisas – se levanta na ponta esquerda da platéia e objeta que pode haver casos em que não haverá ninguém observando, como, por exemplo, em prédios que não ficam em frente para vizinho algum, como aqueles no litoral em que olham o oceano. E acrescenta que nesse caso até mesmo um velhinho pode usar um fio dental e fazer polichinelos ao som de salsa e merengue (se baixinho), já que não permanecerá ridículo a ninguém.

Concedo em parte. Tudo bem que não haverá audaciosos vizinhos observando sorrateiramente por trás da cortina tua mulher, mas cá entre nós, leitor: velhinho usando fio dental e fazendo polichinelos ao som de salsa e merengue? Basta que ele tenha a mínima consciência do ridículo para ter vergonha em apenas cogitar uma sandice dessas. Num certo sentido é até bom que aja gente sempre por perto e potencialmente voyeur, afinal de contas deve haver uma minoria de indivíduos que só não comete loucuras justamente pelo medo de alguém lhe ver no ato.

Sabemos todos que estatisticamente a probabilidade de toparmos com uma vizinha maravilhosa – ou, para as mulheres, o homem de seus sonhos – é pequena. Dessa maneira, para indivíduos de bom gosto o vouyeurismo é um empreendimento frustrante. E pode-se aplicar esse raciocínio às praias de nudismo. Lá pior até é porque ninguém faz questão de esconder a feiúra, pelo contrário. A roupa, nem que seja uma calcinha furada ou cueca rasgada, ameniza um pouquinho o miserável aspecto humano geralmente comum a todos nós.

Mas a minha pergunta ainda não foi respondida. Por que diabos, apesar de tudo isso, as pessoas insistem em passear de calcinha e cueca pela casa? Tenho certeza que na época de antanho as pessoas se vestiam de um jeito melhorzinho em suas casas. Então o que mudou, meu deus? Alguém da platéia saberia responder? Alguém?

Adendo:

Há ainda a questão das roupas penduradas em varais para fora da casa. Dá para fazer uma idéia de quantos a habitam, como são seus moradores, se há vários homens, mulheres, crianças, etc. O lixo também é um bom indicativo.

Ora, é fato notório que um dia acabemos por topar com uma cueca-de-oncinha-quase-fio-dental do outrora másculo vizinho. Ou, daquela recatada e pudica senhora, um dia você observa estarrecido em seu varal um fio-dental escarlate, acompanhado por um misterioso chicote que por algum intrigante motivo foi posto para secar.

Todas essas coisas pertencem à esfera íntima, e bisbilhotar, eu sei, é feio. Mas a curiosidade é intrínseca ao homem. Obviamente as pessoas não estão erradas em pendurar às vistas de todos seu chicote de couro ou fio-dental escarlate, mas por que apenas eu e mais alguns têm vergonha em se imaginar fazendo o mesmo – não digo em pendurar nossos trajes masoquistas, mas nossas simples roupas mais íntimas? Será que a vizinha pudica não liga o mínimo que seja para o fato de eu saber que ontem ela usou tal calcinha, ou tal chicote, ou aliás saber quantas e quais são suas roupas íntimas?

Aliás, geralmente a gente nem precisa bisbilhotar. Está tudo tão escancaradamente à mostra que seria até um sintoma de debilidade sensorial não sabermos do vizinho essas coisas todas. Ou, como diria Ortega y Gasset, “não corresponde a esforço algum, como não seja o de respirar e evitar a demência”.

No comments: