Sunday, October 31, 2004

Mudanças no sistema de comentários e indicações de réquiens

Para oferecer mais comodidade ao leitor, o sistema de comentários deste pobre blog será alterado. Mas como tudo neste mundo de ordem imperfeita exige uma reparação, ei-la, pois: teus singelos comentários serão deletados. Não é culpa minha, mas da tal da desordem imperante neste mundo. Sendo assim, mais uma vez sou obrigado a pedir mil perdões ao tão maltratado leitor.

Deixarei tal mudança para dia propício: Finados. In memoriam, sepultarei tuas pequenas idéias, leitor, mas que elas sirvam como adubo ao que – conto convosco – virá.

***

Finados é propício para ouvir o Réquiem de Mozart. É uma de suas mais belas obras, embora póstuma (seu discípulo, Süssmeyer, finalizou-a). Embora seja evidentemente uma música para o descanso da alma do finado, ela está imersa numa força que a torna grandiosa. Que o leitor não imagine que essa força equivale a um ritmo impetuoso ou estridente: é uma força bem serena, que só revela um vigor quase agressivo no Dies Irae, cantado por todo o coro. Seu contraponto é a Lacrimosa, também cantada por todo o coro, que é lindíssima e serena. Se lembrarmos que a Sequentia começa com a Ira de Deus e termina com as Lágrimas, talvez se torne mais compreensível o porquê disto. Pois a Lacrimosa é uma súplica para acalmar a temível Ira Divina, um pedido de perdão, uma prece pelo descanso eterno.

No entanto, a parte mais grandiosa é a Communio. Abre com o soprano pedindo ao Senhor que a luz eterna os ilumine em companhia dos santos, para sempre, apelando à Misericórdia divina. É cantada de forma doce, que chega a nos emocionar pelo sentimento de sua prece. Logo em seguida o coro, dividido em dois, após uma breve repetição da prece cantada pelo soprano e de parte da prece da Introdução, entoa uma poderosa fuga final quase obsessiva. Este ponto da obra é quase o mesmo do Kyrie, com a diferença da prece: nele o fiel somente pede piedade de Deus, enquanto no trecho final ele pede a companhia piedosa de todos os santos no descanso eterno. Tanto um trecho quanto o outro, pelo caráter obsessivo, lembram bastante a oração ininterrupta praticada por alguns ascetas, onde invocam incessantemente a piedade de Deus (Kyrie Eleison). E seria um pecado não citar neste parágrafo a fuga do último verso do Domine Jesu Christe (embora não tão poderosa quanto às outras duas citadas – porque o Kyrie também é construído como fuga.), onde é lembrada a promessa a Abraão e a toda sua posteridade.

Se eu fosse escrever aqui tudo aquilo que merece este réquiem, mais fácil seria escrever um livro. Pois deixemos este; há outros que também valem a pena ouvir. Apenas a título de citação eu recomendaria o do Verdi e o de Brahms. Mas algumas palavras indispensáveis faço questão de dizer ao leitor sobre essas obras.

O Réquiem de Verdi não é de modo algum parecido com o de Mozart, muito menos com o de Brahms. Se o leitor me permitisse usar um termo muito impróprio, eu diria que é bem “carnavalesco”. Aqui não resulta, de minha parte, nenhuma afronta à obra do grande Verdi. O seu Dies Irae, por exemplo, é muito mais potente que o de Mozart. Também aqui não faço juízo de valor. É de uma potência realmente avassaladora, embora serene aos poucos conforme se aproxime do fim. A obra toda, aliás, tem um ímpeto dramático enorme, e o coral está maravilhosamente bem entrosado com a orquestra. Este réquiem é, à primeira vista, muito impressionável, ainda mais se não conhecermos o de Mozart ou de Brahms. Porém a impressão que passa, e nisso talvez algum leitor que o ouviu concorde, é que ele é mais uma obra de impacto “cênico” que propriamente religiosa. Quero dizer com isso que dá para pedir no funeral Mozart, mas não Verdi; no teatro Verdi imediatamente causa grande impacto.

Já Brahms é diferente. Para começar, não é um réquiem no sentido tradicional: a letra é completamente distinta. Ele selecionou trechos da Bíblia e a partir daí montou o texto. Até mesmo batizou de maneira peculiar sua obra: Ein Deutsches Requiem (Um Réquiem Alemão). Ele é o oposto de Verdi: talvez alguém que simpatize demais com o primeiro não goste do segundo, e vice-versa. Ele é muito introspectivo; tanto o texto quanto a música e as vozes criam uma atmosfera de profundidade, comunicando-nos a miséria deste mundo e de nossas vidas e a glória do Senhor. Não sei dizer se aqui está, de certa forma, o espírito protestante alemão traduzido em música pelo não tão religioso Brahms. Mas – fato curioso – nada disso impede que essa música tenha seus momentos grandiloqüentes. Por sua dura visão do mundo, e pela atmosfera de introspecção que sua música e as vozes criam, talvez o ouvinte comum não se sinta bem ao escutá-la e, conseqüentemente, não a aprecie. Realmente em termos mais formais outros réquiens são melhores, mas apenas ele comunica diretamente e de forma tão patética o sentimento de miséria do mundo.

Bom, eis aqui uma pequena indicação comentada. Se não ouviu pelo menos alguma dessas músicas, que o leitor aproveite os Defuntos e faça-lhes uma pequena homenagem.

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