Vejam só, meus caros: prestem sempre atenção nos acontecimentos ao redor de vocês. De preferência aqueles menores e mais bobos. Eles sempre servem como um aviso.
Por exemplo: quando eu estava ainda no meio do segundo grau – naquela época já doido para entrar numa faculdade de história – uma velha veio falar comigo. Mas antes que um de vocês pergunte o que isso tem de mais, pois realmente parece ser um evento tão pequeno que chega a ser idiota, vou me explicar melhor. Naquela época eu estava lendo o Ascensão e Queda do Terceiro Reich, de W. Shirer. Como eram quatro volumes, então eu aproveitava todo momento vago que eu tinha (eram muitos, incalculáveis) para lê-los, e o ônibus era, por assim dizer, minha sala de leituras predileta. Então estava eu num belíssimo dia lendo quando uma velha sentou ao meu lado. O livro chamou sua atenção e eu me pus a lê-lo mais ainda, rezando para que aquela senhora não me perturbasse. Aliás, antigamente no ônibus vez ou outra alguém vinha me encher a paciência enquanto eu lia algo. Teve uma vez que um senhor veio me aconselhar cautela, a fim de poupar-me de um terrível e potencial deslocamento da retina. Mas enfim, voltando à velha, nem minha cara quase afundada no livro adiantou:
- Que bom encontrar um jovem que gosta de ler! É tão difícil uma coisa dessas hoje em dia!
- Como se antes fosse mais fácil – responderia eu hoje, mas de uma forma mais educada. Naquele dia me contentei com um “é...”, seguido por sorriso.
- Ah, esse livro... Eu o li antes. Você gosta de história?
- Farei vestibular para história...
- Meus parabéns – respondeu sorrindo, com dentes meio amarelados. – Qual o seu nome?
- Ibn-Sinâ – mais uma vez é o que eu responderia hoje, como da vez que desgraçadamente fui inventar para um desses evangélicos que entregam papel na rua que eu era judeu e, portanto, não podia aceitá-los. Pelo que ele começou a dizer e pela sua expressão facial, parecia que eu tinha dito que acabara de beber guaraná com o Demônio. Mas dei uma resposta ultra-conservadora para a velha, dizendo meu nome verdadeiro.
- Cassiano, você deve ser um jovem que adora ler. Que bom que fará faculdade de história. Eu sou professora de história aposentada. E... – começou a contar a vida boa mas dura de um professor de história, como cuidou de não-sei-quantos-filhos, como um deles foi parar nos EUA, outro virou um renomado não-lembro-o-quê, e por aí vai.
Naquele momento eu comecei a reparar que a velha estava muito, muito, muito mal-arrumada. Então a história dos não-sei-quantos-filhos que se tornaram homens bem-sucedidos parecia cada vez mais insólita. Bom, longe de duvidar, mas havia algo estranho. De qualquer jeito, aquela senhora estava realmente acabada. Ela falando toda contente sobre história e eu só pensava no quê foi que eu pensara para escolher um troço desses. A conversa durou acho que uns cinco minutos, tempo que levou entre ela pegar o ônibus na Pedro Américo e saltar no Largo do Machado (se você não faz a mínima idéia de quê raio de lugares são esses, azar o seu, me desculpe). Educadamente, antes de sair, ela me desejou sorte e mais uma vez disse que essa era uma bela carreira. Minha reação foi parecida com a de alguém que entrou em contato com algo de que tem alergia. E quase arremessei o Shirer pela janela, mas meu corpo reagiu bem e pude me controlar. Virou um episódio burlesco apenas.
Só hoje, uns seis anos depois daquele incidente, é que percebo que ali, na minha frente, estava um sinal. Era um aviso do tipo “pensa bem nisso, rapaz, pensa bem...” Se fosse nos tempos de Tirésias, qualquer um perceberia (ainda mais se de repente ao mesmo tempo caísse um raio, um bicho fosse atacado por outro ou uma jumenta parisse um sapo). Ignorei o agouro funesto e me meti no que me meti. Portanto, leitores, prestem muita atenção nestes pequeninos acontecimentos. Vocês poderão se poupar de muita coisa insólita.
PS: Essa história de prestar atenção nos acontecimentos de nossas vidas me fez lembrar um filme muito bom, Aurora. Muito bom? É um filme espetacular, uma das melhores coisas que já vi! Um dia comentarei sobre ele, embora se vocês lerem isso, verão que quase não terei mais o que dizer de relevante. É outra das minhas recomendações-se-eu tivesse-alguma-autoridade-para-isso.
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