Thursday, June 01, 2006

E de repente me vi dizendo coisas sobre Bach

Eu ia dizer alguma coisa qualquer mas até perdi o rumo da meada quando comecei a ouvir a Partita No.2 de J.S. Bach.

Vou dizer uma coisa a ti, leitor. Nunca ouvi uma música de Bach e achei mais ou menos. Foi sempre de ótimo para cima. O sujeito tem mais de mil obras. É uma coisa extremamente espantosa. Já tentei, juro, ser o ouvinte mais chato do mundo, e nada, nadinha me fazia achar alguma coisa ruim. Até Beethoven e Mozart pagaram seus tributos ao mau gosto. E Bach? Coisa alguma. É um negócio impressionante. Mesmo que você vá ouvir alguma música dele que nunca escutou, criando toda uma série de expectativas, você será surpreendido inevitavelmente. Todo tiro no escuro acerta alguma preciosidade.

Levando-se em consideração a quantidade de obras que chegaram até nós, era de se esperar que notássemos em algum ponto algo destoante, um leve escorregão completamente justificável. Por exemplo, algo ruim que pudesse ser explicado pela sua inexperiência, por algum sacrifício da qualidade às exigências do tempo, sei lá. Nada mais diverso. Veja, leitor, você pode pegar qualquer uma de suas músicas mais antigas, para logo em seguida ouvir uma das suas últimas: a impressão que dá é que ele sempre foi um mestre totalmente excepcional. Uma cantata como Christ lag in Todes Banden (Cristo jazia nos grilhões da morte), que é uma de suas obras mais antigas que conhecemos, é tão magnífica quanto qualquer cantata muito posterior.

Gustavo Corção dizia que a obra do mestre tinha um caráter de homilia. Isso porque toda ela tem um indiscutível caráter de lição, de ensinamento. O próprio Corção afirmava: "Sua obra nos deixa sentir a hierarquia." É como se ouvíssemos os fundamentos da música, o que aliás não deixa de ser verdade quando lembramos de uma composição como o Cravo Bem Temperado.

Na minha opinião, ouvir a Missa em si menor é um dos melhores exemplos do que estou dizendo. É um ensinamento musical e religoso ao mesmo tempo. Não sei que música vocal está no mesmo nível daquela. É de um sentimento religioso tão poderoso, uma devoção tão autêntica, um senso de hierarquia tão claro, uma beleza tão incrível, que, por mais que você a ouça, você não acredita que foi possível que alguém concebesse uma coisa dessas e transformasse em música. Não foi à toa que alguns disseram que tal música converte até ateu.

Ficam aqui as músicas supracitadas como sugestões, embora haja muitas outras de Bach que valem a pena escutar.

1 comment:

Cassiano Farias said...

Mal acabo e já vejo a necessidade de reparos. Por enquanto é: certamente Corção não se referia tão-somente, como dei a entender, ao "métier" do compositor, quando mencionou o "senso de hierarquia".