Wednesday, May 31, 2006

Pequena e incompleta nota sobre a juventude

Eu disse há alguns posts atrás que vivo com um pé no passado. Ora, tenho 24 anos, portanto jovem. E todos os jovens têm uma característica específica: são demasiadamente impressionáveis. Portanto, nada mais natural que eu, com meus 24 anos, diga que vivo com pé no passado, porque é lógico que só digo uma coisa dessas porque alguém de algumas gerações mais avançadas que a minha me causou essa impressão. Pode ser que a questão de saber quem da geração passada me influenciou seja válida, mas agora ela é acessória. Dispensemos por ora aquilo que nos atrapalhe a voar e sigamos nosso rumo.

Para comprovar o que eu disse, conto uma conversa que tive com um professor. Certa vez eu dizia que estava querendo ler tal livro do Maritain. Então ele me disse: "Por isso e por outras coisas que você me diz, suponho que você conhece alguém mais velho que te fale sobre esses autores." Ora, Maritain era um autor muito lido e discutido há algumas décadas atrás. Meu conhecimento a seu respeito se deu através de autores que lhe eram contemporâneos, os quais hoje em dia teriam a idade para serem meus bisavós. É verdade que uma ou outra pessoa não tão velha mas ainda assim de outra geração mo indicou, o que corrobora meu argumento. Então minhas referências começaram a ser feitas a partir de gente de uma geração diferente da minha, e em muitos casos bem diferente. Nada mais natural que meu professor achasse que havia algum senhor que mo indicasse.

Talvez algum leitor imagine que o que digo seja uma restrição desnecessária, pois qualquer um, independente da idade, pode ser influenciado fortemente por outro. Isso é verdade em termos. Quanto mais velhos somos, menos propensos estamos a ir conforme a maré. A teimosia dos velhinhos é notória, assim como a impaciência juvenil. Por outro lado, o caro Ortega y Gasset já dizia que ao longo dos anos temos a tendência de confiar cada vez menos nos nossos sentidos e de nos apegarmos cada vez mais aos conceitos e coisas que estão na nossa cabeça. Vamos ficando resistentes às coisas ao nosso redor com o passar dos anos. Antes não: tudo é intrigante, tudo parece ter um colorido mais especial. Nossos sentidos parecem centuplicar cada coisa percebida, e tudo parece ser mais agradável, ou seja, mais propenso de ser amado, portanto investigado. Os sábios conseguem conservar esse dom mesmo quando muito idosos, embora ele seja contrabalanceado por aquela resistência mencionada por Ortega. De qualquer modo, em nós jovens essa qualidade se faz muitíssimo mais presente e radical. Ela se espalha por todo o nosso ser. Ai daqueles de nós que já pensam como velhinhos gagás, fechados em si e inimigos do mundo!

Esse nosso deslumbramento faz com que sejamos, normalmente, bons receptores. Estamos mais abertos às coisas, somos mais livres, e portanto somos muito mais irresponsáveis. Não quero me alongar sobre esta última nota. Meu ponto é o seguinte: somos bastante passivos quanto às informações que recebemos. E isso indica outra coisa, mais profunda: nos falta autenticidade.

Tal coisa me parece extremamente evidente. Se somos tão passivos, se recebemos tudo e não criamos nada de novo e de próprio, então agimos e pensamos segundo a ação e pensamento de outros. No máximo, podemos escolher entre o bom e o mau exemplo. Não podemos nos dar ao luxo de olhar para a nossa própria obra e dizer: "isto é especificamente meu!", como certamente Deus fez quando completou a Criação. Há, no máximo, potencialidades latentes, o que também comprova minha tese. Se realmente algo não está em ato, então esse algo não passa de uma vaga promessa.

O velho Aristóteles, quando era jovem, sintetizou bem esse caráter juvenil quando, na Retórica, disse que os jovens são educados segundo "a lei do convencional" (Ret, II, 12). À primeira vista essa afirmação pode se afigurar estranha. Não é comum vermos jovens contestando valores? Não são eles que trazem novidades?

Não é o jovem que contesta valores. Ele é apenas o local por onde ressoam as idéias de pessoas mais experientes. O século XX foi marcado por jovens na rua e em movimentos revolucionários. Mas por trás da Juventude Hitlerista estavam as idéias de Hitler, que não era nenhum moço, e, por trás dele, a pseudociência e o ressentimento da ralé para com os judeus. A propósito da relação entre Hitler e os jovens, certa vez vi um cartaz nazista que demonstrava de modo eloqüente como isso se dava. Nele havia um garoto num canto e, no fundo de todo o cartaz, em preto e branco, tal como uma sombra opressiva, o rosto em perfil do ditador. Os nazistas realmente entendiam muito bem de propaganda. Mas a manipulação de jovens não é característica só de nazistas. De modo semelhante, por trás dos jovens do Maio de 68 estava Sartre (e toda uma série de professores maníacos). Não é o jovem, portanto, com toda a sua ingenuidade, autor de algo genuíno, pois como ele não é autêntico, não faz nada que lhe seja realmente seu, exceto, é evidente, as questões mais diretas que envolvem responsabilidade pessoal pelos atos que ele mesmo executa. E mesmo assim há em muitos casos certos atenuantes explicáveis pela idade. Mas não estou discutindo isso. O problema é a autenticidade de suas obras. Eis aqui o seu problema mais angustiante, porque os mais velhos estão para ele como a idéia está para a matéria.

A própria mania que nós temos de auto-afirmação é reflexo dessa nossa radical inconsistência. Da mesma forma que todo o cristão sempre tem em vista o outro mundo, o jovem tem de viver para a sua própria madurez. Nosso estado é como um vislumbre do futuro, porque nós ainda não somos de fato: estamos prestes a ser, como se não passássemos de esboços andando para lá e para cá. Daí que se alguém fracassa na vida, fracassa porque não conseguiu ser mais que esboço de si mesmo. Vira uma caricatura de si mesmo.

Por outro lado, não é verdade que o jovem traz algo de novo. Pelo contrário. Não há nada mais óbvio que o comportamento juvenil. Nós mesmos temos a tendência de andar em rebanho, temos um comportamento padronizado segundo nosso grupo, etc. Não é mera coincidência, portanto, o fato de nós termos aparecido tanto na história como nunca acontecer ao mesmo tempo em que virávamos multidões apoiando revoluções em todos os lugares. Ainda em movimentos menos turbulentos, como no caso dos cara-pintadas, isso é evidente. Um simples raciocínio a priori ajuda a entender isso. Certamente somos agora uma idéia original encarnada de algum homem maduro de ontem ou mesmo de hoje. É como se fôssemos uma espécie de conclusão de um silogismo mais ou menos pretérito.

Se nós jovens tivéssemos realmente como própria e particular a maior parte de nossas idéias, certamente não haveríamos de trocá-las tão impunemente. O velho Goethe dizia, em tom complacente, que os jovens se caracterizam por suas promessas não cumpridas. E novamente vejamos o que Aristóteles tem a dizer sobre nós: "Também [os jovens] são facilmente variáveis e em seguida se cansam de seus prazeres, e também os apetecem com violência, porém também se acalmam rapidamente." Isso explica porque temos a tendência de marcar um compromisso para logo em seguida desmarcá-lo, ou porque pulamos de idéia em idéia como macaquinhos de galho em galho. Devo, no entanto, alertar o leitor que Aristóteles, na Ética a Nicômaco, diz que a juventude pode ser também uma disposição de caráter não relacionada com a idade. Isso quer dizer que se um sujeito com muita idade ainda é volúvel, ele permanece jovem no pior aspecto. Hoje em dia isso virou praga. São os nossos famosos "coroas enxutos", que teimam em se comportar como adolescentes – geralmente se esforçando em manter aquilo que há de pior –, muito embora o tipo "rapazinho mimado" seja o caráter predominante de nossa época. (Compare o leitor nossa época com a dos medievais. Aquela gente se sentia velhíssima e no entanto morria muito mais cedo que nós.) Só lutando podemos nos livrar do predomínio deste caráter, ou melhor, desta forma de ser homem. Infelizmente isso também depõe contra nós, já que, por natureza, estamos mais propícios a fazer só o que nos agrada ao invés de aquilo que deve ser feito. Conquista requer tempo e experiência, dois atributos que geralmente nos faltam. Mas as observações aristotélicas acerca da juventude propriamente dita são gerais. Há espaço para exceções. Nada mais claro que suas própria palavras: "[o jovem] tende a seguir suas paixões". Ótimo exemplo de exceção é o próprio filósofo, que, segundo consta, e para a minha inveja e vergonha, era um mestre da teoria da retórica e já demonstrava grande domínio lógico apenas com a minha idade. A Retórica foi escrita quando ele tinha 24 anos. Aristóteles era um jovem maduro.

(Talvez um dia continue...)

2 comments:

Anonymous said...

Parabéns.
Este texto é maravilhoso.
Francisco(esperando ansioso pela continuação).

Anonymous said...

Oi, Francisco.

Muito obrigado pelo elogio. O texto está meio capenga porque o assunto é complicado, então preferi só tocar num ponto. Se um dia eu conseguir dizer mais alguma coisa sobre uma série de outros pontos, certamente farei de ti e dos demais leitores minhas testemunhas. Abraços.