Monday, January 31, 2005

Fechemos o nariz e entremos nas escolas públicas

Fechemos o nariz e entremos nas escolas públicas. Funcionam em prédios abomináveis, projetados por arquitetos de galinheiro a soldo de políticos analfabetos.

Por exemplo, o sofrido e sofrível professor de português. Não ensina mais gramática e literatura. Como ensinar o que não sabe? Ele e seus colegas nunca aprenderam gramática ou literatura, pois estudaram nas piores universidades do mundo, públicas ou privadas — todas muito bem privadas, naquele sentido fétido da coisa.

O vestibular, nas humanidades, não existe mais para premiar o aluno competente, mas para sustentar um negócio da China que começa nos livros didáticos da escola básica e média, passa bem passado pelos cursinhos e termina em gran finale nas próprias universidades.

Selecionar os melhores é elitismo malvado, covardia de bichão-papão. É dever do professor universitário dar as mãos aos desafortunados da sociedade ou da natureza e erguê-los até o próprio nível — o que, aliás, não é muito difícil. Encolhe, cada vez mais, a diferença de conhecimento que sempre houve entre aluno e professor. Nunca um doutoramento foi tão fácil como no Brasil depois da ditadura militar (que teve o honroso mérito de começar a massificação do ensino, brilhantemente continuada pela esquerda peemedebista, peessedebista e petista, que no fundo não passam de farinha do mesmo saco).

Gramática virou sinônimo de torpe repressão burguesa, embora não se usem mais essas palavras do velho e carunchado comunismo. Gramsci ensinou a esquerda a ser mais sutil... A própria Escola de Frankfurt teria um vocabulário mais light para repetir a mesma idéia. Literatura, sobretudo a boa, é disfarce ideológico (no sentido marxista da palavra) — blablablá de intelectuais pequenos burgueses a serviço das classes dominantes. Bom escritor é quem usa linguagem coloquial, em sadia identificação com as massas oprimidas pelo açúcar e o colesterol. Ou quem não usa linguagem alguma, como os concretistas e os minimalistas.

Com a bunda confortavelmente sentada na poltrona multiculturalista, jurando serem iguais todas as culturas e terem o mesmo direito à luz do sol pedagógico — niilismo caridoso —, a inteligência iletrada escreve livros didáticos para aprimorar nos alunos a idéia, mil vezes engolida na tevê, de que uma letra boçal de rap é igual ou superior a um soneto de Camões.

Para usar a linguagem dessa gente: querem excluir a literatura do currículo e incluir o lixo da mídia, expresso segundo a doce cartilha do politicamente correto. Para agradar o aluno, difunde-se todo tipo de besteira, universalmente reduzida a texto. Hoje, tudo é texto. No mesmo nível estão o artigo de jornal, a bula de remédio, a receita de bolo, a letra do Chico e o conto de Machado. O que importa é “ler o texto do mundo”, palavra de ordem dos cursos de letras, propagada no incompreensível dialeto acadêmico pela imbecilidade semiótica, de braço-dado com as sobras requentadas do marxismo ressentido.

Só um Deus pode nos salvar, diria Heidegger. Ou um dilúvio. De preferência, com água sanitária.


(Texto de José Carlos Zamboni, do dia 30 de janeiro. Tem muito texto interessante sobre literatura por lá, visitem, visitem)

Saturday, January 29, 2005

Provérbios

Mulher? Pois faço minhas as palavras do antigo provérbio:

Nem tam fermosa que matte, nem tam fea que espante,

Até porque

A quem tem molher fermosa, castello em fronteira, vinha na carreira, nam lhe falta cançeira.

Mas também não é sempre ruim casar com mulher feia de dar medo (segundo o provérbio, claro...), já que

Quem casa com molher rica e fea, tem ruim cama e boa mesa,

E caso sejas feia, porém pobre, tranqüiliza-te, leitora, pois

Nam há panella tam fea que nam ache seu cobertouro.

Todavia, se por maldade do fado além de feia não fores muito inteligente (tadinha de ti), nem assim tudo está a perder, porque

De noite à candea, a burra parece donzella.

Agora, se o leitor ou a leitora não gostaram do que escrevi, nada poderei fazer, senão concluir tristemente que

Nam ha geraçam, sem rameira ou ladram.

(E se quiserem mais, procurem por 500 provérbios portugueses antigos)

Silogismo de véspera de carnaval

Se moro perto da Marquês de Sapucaí, e todo homem é mortal, então quero minha cota de virgens no Jardim de Allah.

Monday, January 24, 2005

Mais um desconcerto do mundo (prelúdio para um texto maior num futuro incerto)

Que mundo é esse em que as pessoas olham de jeito esquisito quando você diz que gosta de Bach? Ou que, além de olhar esquisito por isso, acharia lindo se você dissesse que adora Chico Buarque ou, se cercado por gente de má catadura, que você admira Mano Brown, Marcelo D2, Charle Brown Jr. e excrescências do gênero? Mais, mais bizarro ainda é se tal situação ocorrer não em meio ao povão - que gosta aliás de coisas menos degradantes em geral -, porém entre aqueles que teoricamente são considerados a elite, o supra-sumo da laranja podre chamada de (des)educação nacional.

Para que o leitor faça uma idéia do descalabro, darei um exemplo: certa vez alguém ficou admirado por eu estar com um cd da ópera Sigfried na mão. "Wagner? Nossa...", o alguém proferiu, e em seguida fez uma cara de quem ficou mui impressionado. "Mas que coisa bizarra", pensei, "que tem de mais isso?" Depois fui notando como em geral a reação de muitos quando eu dizia que ia ao Municipal era a mesma. A carranca era idêntica. E meu pensamento não mudava: "Mas que coisa...". Acontece, porém, que na quase totalidade dos casos isso se dava com gente teoricamente instruída - mais que a média -, e que também teoricamente deveria considerar Sigfried natural. Natural e quase obrigatório (para o bem ou para o mal).

No entanto, esse povo, a maior parte da tal da elite cultural do país, parece se sentir mais à vontade com sua Bossa Nova - ou, no pior dos casos, com aqueles semi-anencéfalos (termo em moda) drogados que se julgam artistas sublimes.

É totalmente constrangedor, num ambiente desses, dizer que adoro por exemplo Bach. Não sou um conhecedor erudito, mas aos olhos da multidão (leia-se: a maior parte da elite cultural do país) passo miraculosamente a sê-lo. Caso então eu diga por extenso e devagar o nome de uma obra sua qualquer(por exemplo, uma cantata que gosto muito, Ach wie flüchtig, ach wie nichtig (Ah, quão fugaz, quão fútil é a vida dos homens, BWV 26)), presumivelmente isso servirá para impressionar duplamente: primeiro, porque é música de Bach, e segundo, porque é alemão, e nomes germânicos (e cultura alemã em geral) costumam causar furor por essas plagas.

Aliás, por falar em Bach, lembrei de um pequeno incidente lamentável: estava eu conversando sobre música com um sujeito teoricamente mais instruído que a média quando, ao ser perguntado sobre que músicas eu costumava ouvir em casa, respondi "Bach". "Hã?", perguntou-me o infeliz, fazendo as caretas de praxe nesse tipo de situação. "Bach", tornei a responder. "Bar? Como assim?", ele ousou dizer. "Bach, o compositor alemão", eu disse meio constrangido. "Nunca ouvi falar", finalizou às tontas, e mudou de assunto.

Nem me darei ao trabalho de citar outros exemplos que comprovam um desconhecimento total, absoluto e esmagador de alguma noção de literatura universal e/ou nacional.

É sobre esse tipo de coisa que estou a reclamar cá convosco, leitor. Sobre gente que passou mais anos que a média na escola, está estudando ou já se formou nas universidades mais prestigiadas do país, mas caminha pelo universo eminentemente humano tradicionalmente alcunhado de "cultura" como se, cego, pisasse em ovos.

Daí que julgo possuir um bom método de avaliação de uma elite de qualquer país: escolha aleatoriamente três ou quatro estudantes das melhores universidades, diga que você adora o Quarteto de cordas em ré menor KV 421, em especial o terceiro movimento, e observe atentamente a reação geral. Se praticamente todos fizerem alguma careta, pode ter certeza, leitor: são brasileiros com orgulho, e não desistem nunca de serem os mocorongos felizes com seu status.

Sunday, January 23, 2005

Minha história da "estória"

A cada dia que passa mais eu confirmo minha imbecilidade. O leitor pensa que assumo tal coisa com a alma alegre e disposta a encontrar a luz fora da caverna? Engana-se! Em 99,9% dos casos, tenho a vontade de mergulhar num mutismo absoluto e opressivo, mutismo esse que sempre transforme minha cabeça em bigorna para continuamente ressoar quão pobre de alma estou.

Hoje foi um desses dias, o dia que, além de comprovar o que acabei de dizer, também comprovei a lástima de minha educação.

O negócio foi o seguinte: fui passear pelo blog do Ruy Goiaba e li o texto Oh, life is bigger. Até aí tudo bem (o texto, por sinal, é bem legal). Na parte de comentários, ele disse que "estória" era um neologismo bocó e que os dicionaristas não o seguiram. Quem começou com essa história toda foi Guimarães Rosa, e os livros da Ediouro logo divulgaram essa distinção (história/fato e estória/ficção).

Eu fui alfabetizado com o diacho dessa distinção. Lembro bem de uma série de professores comentando sobre ela e inclusive acho que na própria faculdade ouvi algo a respeito. Logo, tudo aquilo me deixou confuso: tratei de pegar meu Dicionário prático ilustrado (1960); não encontrei "estória" nenhuma. Então apelei para o terceiro volume do dicionário do Laudelino Freire (1954): nadica de nada. Então surtei...

Faço questão de lembrar ao leitor que em situações assim eu jamais confio em dicionários de bolso, ainda mais dessas edições recentes.

Demorei um tempinho para voltar ao normal, após ter praguejado (mais uma vez) contra minha (má) formação. Por sinal, paulatinamente vou me tornando uma espécie de gnóstico neste tipo de situação, imaginando que ela, minha formação, foi uma pegadinha feita por alguma divindade malvada apenas para me fazer sofrer nesta débil existência.

Oh vida, meus caros... Cheguei a conclusão que ela é ao menos uma constante limpeza das porcarias do passado. Então, amigos, estou aqui lavando minha roupa suja. E a partir deste dia, onde vocês leram a palavra estória saída destes meus magros dedos, entendam história - e suspensos todos os dispositivos em contrário...

Friday, January 21, 2005

Vida que insiste em ser vivida

Vida que insiste em ser vivida,
Por que não cessa de uma só vez
Este tormento que me alucina,
Que transtorna minha vista,
Que desmembra meu corpo todo
E, como água, espalha-o no chão
Para me confundir completamente?

De que adianta erguer meu rosto
Para contemplar, admirado, apenas
Um ponto luzente no céu escuro,
Se dele não ouço coisa alguma,
Se um palmo sequer meus olhos vêem,
Se sou atacado por todos os lados
Por uma dúzia de monstros de chifre?

Ah!, se tenho sede - e sede terrível -,
Como posso ao menos dizer algo
Se não sei o que pensar ou mesmo
Para quem me dirigir, e se a idéia,
Que de repente queima minha mente,
Surge confusa na minha garganta
Mas a língua gruda no céu da boca?

A única coisa firme que sinto aqui
É o chão sob meus pés: será que
A vida a ser vivida é um arrastar-se
Perpétuo na relva para, me humilhando
Aos olhos do povo, eu prosseguir
Aos poucos adiante, nunca mais
Ouvindo, enxergando ou falando?

Wednesday, January 19, 2005

Alexander

Se o leitor achou que pelo título eu faria algum comentário geral sobre o filme de Oliver Stone, enganou-se. Pode conseguir coisa assim lendo uma entrevista com um historiador ou comentários de alguém que detestou o filme.

Posso até imaginar alguém se perguntando: Mas então esse sujeito quer escrever sobre o quê? Ora, Aristóteles aparece no filme. E meus ouvidos aguçados iguais a um bicho-que-não-lembro perceberam uma coisa estranha, dessas que só gente neurótica faz questão de perceber e corrigir. Quando em off a voz de Ptolomeu (ele é o narrador do filme) apresenta Aristóteles, diz o seguinte: "(...) e trouxe Aristóteles de Atenas para ensinar (...)", ou coisa parecida. Foi esquisito, mas deixemos por enquanto isso de lado para primeiramente vermos como ficou Aristóteles depois de quase dois mil e trezentos anos após sua morte aqui.

Quem incorporou o Estagirita foi Christopher Plummer, que se não me engano fez A queda do Império Romano. Bom, para quem não sabe, Aristóteles, quando tutor de Alexandre, tinha uns 43 anos anos. Ora, tudo bem que Plummer poderia passar por um Aristóteles mais velho, porém se com aquela idade Aristóteles tinha já cabelo e barba tão branca, além de andar de bengala, então parece que naquela época as pessoas eram mais acabadas. E pior de tudo que ginásios havia para se exercitar, o que talvez demonstre que o pobre Estagirita ou tinha algum problema genético ou, além de ter levado uma vida extremamente sedentária, se rendeu à bebida e às noites áticas em sua juventude, contrariando sua própria Ética e o que aprendeu de Platão. Ou, ainda, parecia que tinha mais de sessenta por causa de um longo desgaste físico devido aos seus fatigantes estudos, o que redimiria seu visual para a história.

Além do problema da velhice precoce, houve aquele outro que citei linhas acima ("(...) e trouxe Aristóteles de Atenas para ensinar (...)"). Quem disse isso foi Ptolomeu (Anthony Hopkins) já bem idoso, o que talvez demonstre que já estava meio esclerosado. A frase é equívoca. O leitor pode justamente se perguntar se Ptolomeu gagá/Hopkins quis dizer que Aristóteles apenas saiu de Atenas para ensinar Alexandre ou se Aristóteles era ateniense, pois era normal no mundo grego as pessoas terem como sobrenome seus locais de nascimento (cidades e aldeias). Porém ambas as hipóteses são falsas. A primeira porque Aristóteles não veio de Atenas, mas de Mitilene, para lecionar a Alexandre (se o leitor tiver curiosidade sobre o assunto, pode ler o Aristóteles, segunda parte, cap.V, de Werner Jaeger ou simplesmente entrar neste site e conferir.); a segunda pelo simples fato de Aristóteles ter nascido na Estagira, pequena cidade na Trácia perto da Macedônia e bem distante de Atenas.

Fora isso, não lembro de mais nada para reclamar sobre a participação do Estagirita no filme. Ao menos por enquanto. É que gente neurótica como eu gosta de esmiuçar tudo nos mínimos detalhes e reclamar sem parar, tanto que estou comentando sobre um personagem que não apareceu nem por dez miseráveis minutos num filme de três horas e que não teve importância quase nenhuma para o enredo. Agora, sobre o filme mesmo, não direi nada, pois basta lembrarmos um Alexandre Magno igual ao Colin Farrell.

Sunday, January 16, 2005

Samba do Estagirita

Um dos meus planos para este ano é enfim compor um samba em homenagem ao Estagirita. Faz mais ou menos um ano que planejo isso mas por incompetência não consegui nada mais que este comecinho:

(solta a bateria da minha escola de coração, vai!)

Lá na Estagira, há alguns milênios atrás atrás,

que seria cantado assim:

Lááá na Estagiiiiiira, há alguns milênios a-trááás...

Não consigo desenvolver mais nada. Não sei se é o começo que nasceu ruim ou é o tema que, por natureza, é anti-samba-enredo.

Oh sim, por enquanto não tem nome. E nem sei se terá. Mas, em todo caso, se não sair como samba, há de ser como algum ritmo musical.

O Corpo

Juro que tentei com boa vontade assistir O Corpo; não deu. Mal o filme começara e já estava instalado um clima pseudos: uma arqueóloga atéia (Olivia Williams) descobre uma ossada que supostamente seria de Jesus. O Vaticano envia então um jesuíta (Antonio Banderas) para investigar esse acontecimento e ambos, padre e arqueóloga, se vêem metidos numa trama sórdida. Que coisas óbvias provavelmente ocorrerão no filme e que nem precisamos ver o resto para saber?

uno: Discussões do tipo “religião versus ciência”;

duo: Padre posteriormente tendo crise de fé

tres: Arqueóloga também posteriormente tendo crise de fé;

quattuor: Clima entre padre e arqueóloga, etc.

Minha paciência não cessou durante os três minutos iniciais – que geralmente já indicam se um filme é ou não bom –, mas sim num diálogo especialmente bobo entre os protagonistas. Depois do padre apelar inutilmente para a relativização da verdade à arqueóloga (“você tem de enxergar também com minha verdade”, que coisa!), o jesuíta pateticamente disse mais ou menos o seguinte:

- Mas você não pode prosseguir com isso, milhões de pessoas acreditam que Jesus é Deus, isso acabará com a fé delas!

Se um jesuíta argumentasse assim comigo e tivesse suas idéias amparadas pelo Vaticano, julgo que eu escolheria entre duas alternativas: a) me converteria ao islamismo ou judaísmo; b) suporia que tudo aquilo era o prenúncio do fim dos tempos. Convenhamos, ora bolas: um jesuíta enviado especialmente pelo Vaticano defender a fé católica dizendo que seria melhor esconder que o catolicismo era realmente uma mentira para não chocar as pessoas... só faltava depois comentar alegremente sobre o movimento Economia e Humanismo, fundado pelo Pe. Lebret e pelo Pe. Desroches. E se não me engano, Banderas era um padre de El Salvador convertido tardiamente. Bem que não seria estranho se ele inclusive fizesse alguma menção à teologia da libertação...

Essa argumentação singular do jesuíta não deve, presumo, encontrar apoio em nenhuma parte das Escrituras, nem nos Santos Padres e nem na tradição da Igreja. Pois não é humanamente possível que uma religião de dois mil anos, defendida por uma multidão de filósofos, possua suas bases em algo tão chinfrim.

Isso foi o bastante para eu desligar a TV. Aliás, já que o assunto deste texto versa sobre fé, imaginei um filme onde “descobrissem” (como se os estudiosos do assunto já não soubessem) que Galileu, o fundador da ciência experimental, estava completamente errado e a Inquisição certa. Ou um filme sobre a vida de Karl Marx, mostrando, entre outras coisas muito apreciáveis, o episódio em que, malgrado seus protestos contra o tratamento dado pelos patrões às suas domésticas, ele expulsa de casa sua doméstica por tê-la engravidado, ou o episódio em que ele, escrevendo O Capital (refutado há mais de cem anos), percebendo que estatisticamente o proletariado melhorava de vida graças ao capitalismo, utiliza dados de trinta anos antes para supostamente mostrar como eles viviam na miséria.

* * *

Para finalizar, embora eu não tenha lido O Código Da Vinci, a opinião de algumas pessoas que o leram e que julgo inteligentes me fez achar que é mais uma obra pseudos, dessas para ganhar dinheiro às custas da ignorância alheia. Confiando nessa boa gente, tratarei de seguir o conselho de Bismarck – “a gente aprende com erro dos outros” – e procurarei ler o que todo mundo deveria: os clássicos. Entenda o leitor que me refiro a um plano de leitura baseado na educação liberal tal como ensinava Mortimer J. Adler. E isso leva um certo tempo. E se é para perder tempo, que seja com Civilization, embora eu ainda cisme com a civilopédia da segunda versão, onde diz que o comunismo é um ideal nunca realizado na história.

Tuesday, January 11, 2005

Do comportamento do público em salas de concerto

Por acaso, pulando de canal em canal, peguei pela metade o Oratório de Natal de Bach. Como elogiar essa obra é querer explicar ao leitor que o fogo queima, digo apenas uma coisa: que a platéia sempre se supera nesse tipo de evento. Ora, imagine só, leitor: numa obra de mais de uma hora, a platéia aplaudindo a cada término de ária ou duo... Nos quinze minutos finais, provavelmente com a mão já em carne viva, o público parou de se intrometer. Ainda bem; imagino que simbolicamente foi Bach que do Céu usava a palmatória naquela gente mal-educada.

Interrupções fora de hora, ao menos em concertos, são coisas de praxe por estas plagas verde-amarelas. Não sei dizer como é lá fora; mas aqui a coisa chega a um nível absurdo. Coisas de brasileiro, coisas de brasileiro...

Já prevendo algumas (más) reações devido a minha simpática alusão aos brasileiros, peço licença para contar algo que eu presenciei com estes olhos muxoxos que a terra há de comer e passar mal: eu e meu amigo Thiago fôramos ao Theatro Municipal (aqui no Rio) assistir a alguns trechos de Beethoven, se não me engano no ano passado ou retrasado. Pois bem, a orquestra tocava o último movimento da Nona, quando, no meio da parte coral, após uns dez minutos, quando o coral silenciava para a entrada do tenor (no verso Und der Cherub steht vor Gott), de repente a platéia veio abaixo. As pessoas começaram a aplaudir freneticamente, provavelmente achando que a música terminara por ali mesmo. É verdade, admito, que aquele trecho é bem empolgante, mas daí interromper a música é demais. Não lembro bem, mas acho que inclusive houve um princípio de u-hu!, que graças aos céus morreu prematuro. Naquele fatídico instante, meu corpo se contraiu de tal maneira e meus olhos, pasmos, procuravam com tal ênfase uma explicação visível para aquilo que possivelmente meu amigo deve ter se assustado comigo. Acho que ele mais tarde até confessou que já ia aplaudir – oh, desejo mimético! -, mas se viu inibido ante minha expressão de horror.

Um público despreparado é sempre imprevisível. Imagine o leitor um tatu-bola que seja perseguido por agentes do FBI munidos daquelas armas que dão choques, e eventualmente acabe por ser acertado uma ou duas vezes: coisa tão esquisita quanto à percepção do público ouvindo a Nona. Veja bem, não estou aqui dizendo que apenas criaturas intelectualizadas têm a capacidade de ouvir Beethoven, mas sim que uma gafe é bem provável caso não estivermos adestrados o suficiente para enfrentar certas situações.

Noutra ocasião, acho que no início do ano passado, também no Municipal, à medida que o coro ia entrando as pessoas aplaudiam. O problema todo era que as pessoas aplaudiam a cada fileira que entrava, pois o coro era grande, o que tornava os aplausos intermináveis: eles iam terminando quando de repente uma nova fileira surgia do nada; então retornava o frisson popular. Evidente que aquilo deu no saco. A impressão que dava é que ninguém agüentava mais aplaudir, mas por uma idiotice qualquer não cessavam. Enfim, até o bom-senso dessa gente não funciona em questão tão prática: se era para aplaudir, que assim fizesse quando o maestro surgisse, reservando a bateção para o final. Fiquei com vontade de tirar meus sapatos e batê-los um no outro para ver se o ridículo da situação fizesse com que o frisson baixasse.

E quanto àqueles pequenos ruídos que o público sempre reserva para o momento imediatamente anterior à execução da música? Barulhos pequenos, porém praticados de maneira tão persistente e sincronizada que julgo não ser de todo temerário supor que em meio ao público se forma, por natureza, neste instante, uma espécie de “orquestra paralela”, provando assim empiricamente que todos os homens são músicos em potencial. Talvez pela ânsia de provar que ainda está vivo, embora calado e em ambiente escuro, o público faz as cadeiras rangerem, sussurra de maneira que todos ouçam, chora – literalmente, conquanto (pelo menos que eu tenha presenciado) apenas as criancinhas –, tosse de forma assustadora, etc. Isso sem contar com um ou outro velho que parece não ligar muito para as convenções sociais e insiste em falar alto, aborrecendo-se quando reprimido. Isso me fez lembrar um conhecido meu, que com seus quase sessenta anos teve a autoridade de me dizer que “esses velhos acham que só porque são velhos podem fazer o que querem” (sic), após ouvir um senhor que lamentavelmente cismava em gritar após o alerta para o início do espetáculo.

Eu ia reclamar de mais algumas coisas a respeito do comportamento do público (quando não é o pessoal do próprio espetáculo que causa vexame: vivem dizendo que em teatro o pessoal da fileira da frente recebe uma ducha de saliva dos atores babões. Isso sem contar os espetáculos ditos de "vanguarda", nos quais o pobre-diabo do espectador paga para ser feito de gato-e-sapato pelos supostos artistas; ou mesmo aqueles pobres miseráveis que pagaram não-sei-quantos-reais para assistir Caetano Veloso sendo despido até ficar com o bumbum murcho de fora. É por essas e outras que não vou ao teatro, já que não costumo pagar para ser tratado, à semelhança dos masoquistas, como um vira-lata pulguento.), porém estes pequenos exemplos bastam para aqueles que já têm uma certa experiência nestas coisas. E para quem não tem, que faça como eu próprio fiz nas primeiras idas ao Municipal: vai acompanhado por alguém mais sábio, e só cometa a audácia de aplaudir não quando a chusma assim o fizer, mas tão-somente quando o sábio assim o fizer.

Marido e mulher deveriam aplicar a base deste princípio em seu relacionamento mútuo, e então seriam para sempre felizes. Mas perdão, leitor, por essa inferência aparentemente desconexa. É um subplot de um futuro texto, tenha paciência...