Monday, January 24, 2005

Mais um desconcerto do mundo (prelúdio para um texto maior num futuro incerto)

Que mundo é esse em que as pessoas olham de jeito esquisito quando você diz que gosta de Bach? Ou que, além de olhar esquisito por isso, acharia lindo se você dissesse que adora Chico Buarque ou, se cercado por gente de má catadura, que você admira Mano Brown, Marcelo D2, Charle Brown Jr. e excrescências do gênero? Mais, mais bizarro ainda é se tal situação ocorrer não em meio ao povão - que gosta aliás de coisas menos degradantes em geral -, porém entre aqueles que teoricamente são considerados a elite, o supra-sumo da laranja podre chamada de (des)educação nacional.

Para que o leitor faça uma idéia do descalabro, darei um exemplo: certa vez alguém ficou admirado por eu estar com um cd da ópera Sigfried na mão. "Wagner? Nossa...", o alguém proferiu, e em seguida fez uma cara de quem ficou mui impressionado. "Mas que coisa bizarra", pensei, "que tem de mais isso?" Depois fui notando como em geral a reação de muitos quando eu dizia que ia ao Municipal era a mesma. A carranca era idêntica. E meu pensamento não mudava: "Mas que coisa...". Acontece, porém, que na quase totalidade dos casos isso se dava com gente teoricamente instruída - mais que a média -, e que também teoricamente deveria considerar Sigfried natural. Natural e quase obrigatório (para o bem ou para o mal).

No entanto, esse povo, a maior parte da tal da elite cultural do país, parece se sentir mais à vontade com sua Bossa Nova - ou, no pior dos casos, com aqueles semi-anencéfalos (termo em moda) drogados que se julgam artistas sublimes.

É totalmente constrangedor, num ambiente desses, dizer que adoro por exemplo Bach. Não sou um conhecedor erudito, mas aos olhos da multidão (leia-se: a maior parte da elite cultural do país) passo miraculosamente a sê-lo. Caso então eu diga por extenso e devagar o nome de uma obra sua qualquer(por exemplo, uma cantata que gosto muito, Ach wie flüchtig, ach wie nichtig (Ah, quão fugaz, quão fútil é a vida dos homens, BWV 26)), presumivelmente isso servirá para impressionar duplamente: primeiro, porque é música de Bach, e segundo, porque é alemão, e nomes germânicos (e cultura alemã em geral) costumam causar furor por essas plagas.

Aliás, por falar em Bach, lembrei de um pequeno incidente lamentável: estava eu conversando sobre música com um sujeito teoricamente mais instruído que a média quando, ao ser perguntado sobre que músicas eu costumava ouvir em casa, respondi "Bach". "Hã?", perguntou-me o infeliz, fazendo as caretas de praxe nesse tipo de situação. "Bach", tornei a responder. "Bar? Como assim?", ele ousou dizer. "Bach, o compositor alemão", eu disse meio constrangido. "Nunca ouvi falar", finalizou às tontas, e mudou de assunto.

Nem me darei ao trabalho de citar outros exemplos que comprovam um desconhecimento total, absoluto e esmagador de alguma noção de literatura universal e/ou nacional.

É sobre esse tipo de coisa que estou a reclamar cá convosco, leitor. Sobre gente que passou mais anos que a média na escola, está estudando ou já se formou nas universidades mais prestigiadas do país, mas caminha pelo universo eminentemente humano tradicionalmente alcunhado de "cultura" como se, cego, pisasse em ovos.

Daí que julgo possuir um bom método de avaliação de uma elite de qualquer país: escolha aleatoriamente três ou quatro estudantes das melhores universidades, diga que você adora o Quarteto de cordas em ré menor KV 421, em especial o terceiro movimento, e observe atentamente a reação geral. Se praticamente todos fizerem alguma careta, pode ter certeza, leitor: são brasileiros com orgulho, e não desistem nunca de serem os mocorongos felizes com seu status.

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