Sunday, January 16, 2005

O Corpo

Juro que tentei com boa vontade assistir O Corpo; não deu. Mal o filme começara e já estava instalado um clima pseudos: uma arqueóloga atéia (Olivia Williams) descobre uma ossada que supostamente seria de Jesus. O Vaticano envia então um jesuíta (Antonio Banderas) para investigar esse acontecimento e ambos, padre e arqueóloga, se vêem metidos numa trama sórdida. Que coisas óbvias provavelmente ocorrerão no filme e que nem precisamos ver o resto para saber?

uno: Discussões do tipo “religião versus ciência”;

duo: Padre posteriormente tendo crise de fé

tres: Arqueóloga também posteriormente tendo crise de fé;

quattuor: Clima entre padre e arqueóloga, etc.

Minha paciência não cessou durante os três minutos iniciais – que geralmente já indicam se um filme é ou não bom –, mas sim num diálogo especialmente bobo entre os protagonistas. Depois do padre apelar inutilmente para a relativização da verdade à arqueóloga (“você tem de enxergar também com minha verdade”, que coisa!), o jesuíta pateticamente disse mais ou menos o seguinte:

- Mas você não pode prosseguir com isso, milhões de pessoas acreditam que Jesus é Deus, isso acabará com a fé delas!

Se um jesuíta argumentasse assim comigo e tivesse suas idéias amparadas pelo Vaticano, julgo que eu escolheria entre duas alternativas: a) me converteria ao islamismo ou judaísmo; b) suporia que tudo aquilo era o prenúncio do fim dos tempos. Convenhamos, ora bolas: um jesuíta enviado especialmente pelo Vaticano defender a fé católica dizendo que seria melhor esconder que o catolicismo era realmente uma mentira para não chocar as pessoas... só faltava depois comentar alegremente sobre o movimento Economia e Humanismo, fundado pelo Pe. Lebret e pelo Pe. Desroches. E se não me engano, Banderas era um padre de El Salvador convertido tardiamente. Bem que não seria estranho se ele inclusive fizesse alguma menção à teologia da libertação...

Essa argumentação singular do jesuíta não deve, presumo, encontrar apoio em nenhuma parte das Escrituras, nem nos Santos Padres e nem na tradição da Igreja. Pois não é humanamente possível que uma religião de dois mil anos, defendida por uma multidão de filósofos, possua suas bases em algo tão chinfrim.

Isso foi o bastante para eu desligar a TV. Aliás, já que o assunto deste texto versa sobre fé, imaginei um filme onde “descobrissem” (como se os estudiosos do assunto já não soubessem) que Galileu, o fundador da ciência experimental, estava completamente errado e a Inquisição certa. Ou um filme sobre a vida de Karl Marx, mostrando, entre outras coisas muito apreciáveis, o episódio em que, malgrado seus protestos contra o tratamento dado pelos patrões às suas domésticas, ele expulsa de casa sua doméstica por tê-la engravidado, ou o episódio em que ele, escrevendo O Capital (refutado há mais de cem anos), percebendo que estatisticamente o proletariado melhorava de vida graças ao capitalismo, utiliza dados de trinta anos antes para supostamente mostrar como eles viviam na miséria.

* * *

Para finalizar, embora eu não tenha lido O Código Da Vinci, a opinião de algumas pessoas que o leram e que julgo inteligentes me fez achar que é mais uma obra pseudos, dessas para ganhar dinheiro às custas da ignorância alheia. Confiando nessa boa gente, tratarei de seguir o conselho de Bismarck – “a gente aprende com erro dos outros” – e procurarei ler o que todo mundo deveria: os clássicos. Entenda o leitor que me refiro a um plano de leitura baseado na educação liberal tal como ensinava Mortimer J. Adler. E isso leva um certo tempo. E se é para perder tempo, que seja com Civilization, embora eu ainda cisme com a civilopédia da segunda versão, onde diz que o comunismo é um ideal nunca realizado na história.

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