Thursday, May 29, 2008

Breve reflexão sobre uma coisa qualquer

Ontem eu pude experimentar o quão próxima e surpreendente pode ser a maldade, pois assim que mencionei o meu desejo de assistir a "A Noviça Rebelde" para minha mãe, ela, essa que me fez vir ao mundo, soltou aquele som característico de quando colocam em dúvida o gênero alheio, para usar uma expressão a um só tempo pedante, estranha e da moda. A última vez que tomei conhecimento de algo ligeiramente semelhante foi quando fofocaram para mim que a mãe do meu tio dissera em certa ocasião que eu era demasiadamente educado, destilando no ambiente a sua pérfida intenção. Agora bem: nem só de desconfianças convivo. Há vários anos, enquanto alguns amigos e eu trocávamos insinuações peraltas acerca da sexualidade de cada um de nós, uma amiga partiu sincera e seriamente em defesa da minha honra masculina, cousa que me deixou mui orgulhoso. Todavia, refletindo com a sabedoria de quase uma década de intervalo, suponho que houve uma inversão total de valores durante o ocorrido, já que foi uma mulher que defendera a minha honra. Se esses tempos não fossem tão originais, algo dessa monta jamais teria passado despercebido.

Ainda que pareçamos uns mata-mouros, solteirice e razoável trato cordial são hoje em dia considerados um pé na veadagem. Segundo o observador moderno, quem quer que seja assim estará prestes a assumir a sua condição e por conseguinte tombará de quatro rapidamente por força das circunstâncias. Isso explica em parte a constante necessidade de mentir dos rapazes acerca de suas relações amorosas, algo aliás que não sei se é tão freqüente entre as moças.

Parece-me fato inequívoco que em não poucas ocasiões as mulheres assumem um comportamento viril. Peço licença ao leitor para contar um episódio. Certa vez eu vi um casal em frente a um bar. A mulher, devido às suas roupas, aparentava ter acabado de sair de uma academia, enquanto seu companheiro parecia ter saído de um escritório. Os dois estavam parados diante do bar decidindo o que fariam. Mal tendo eles tomado a decisão, qual não foi a minha surpresa quando a mulher resolveu entrar no bar para buscar uma mesa, depois duas cadeiras, em seguida uma terceira a fim de acomodar sua mochila e a maleta do homem e, não satisfeita com tudo isso, ainda buscar a cerveja e os copos. Eu, que a tudo observava do meu apartamento, permanecia incrédulo. Mais espantoso ainda era o fato de a mulher também sempre tomar a iniciativa dos beijos, já que o homem estava um tanto apático. Todavia, a fim de evitar recriminações tão-somente àquele pobre cidadão, lanço mão de minha própria experiência. Em pelo menos duas ocasiões em que fui a lanchonetes com alguma amiga, sucedeu o mesmo fato: sem mais nem menos, elas tomavam a iniciativa de ir buscar o que comeríamos, mesmo sob os meus mais vigorosos protestos. Houve também a vez em que fui prontamente abrir uma porta para uma amiga grávida passar, ao que ela tomou a dianteira e ainda por cima disse que não precisava. Insisti, dizendo que seria um prazer me sentir útil, porém ela declinou. Horas antes, quando decidi lavar a louça de sua casa por pura cortesia, ela não só me proibiu, tomando a tarefa para si, ainda me dirigiu para o labor desonroso de evitar que seu pequeno cão mordesse umas caixinhas de sucrilhos que estavam suficientemente próximas de sua tentação.

Por puro capricho, menciono ao leitor que já disputei futebol com mulheres, mas sempre deixando de usar uma força excessiva. Que o leitor não me considere pretensioso, mas joguei como se fosse os EUA em guerra no Vietnã: deixando de usar o que tinha de melhor para ficar próximo do nível do adversário, e perdendo ocasionalmente.

Certamente muitos casos semelhantes poderiam ser trazidos à tona pelo leitor, mas não é a ele que dirijo minha perplexidade, mas à leitora. Talvez ela possa me explicar tão estranhos fatos.

Monday, May 19, 2008

Uma notícia injustamente esquecida por mim por puro desleixo

Já tive oportunidade de reclamar do pedido de perdão feito pelo cardeal Renato Martino na época do julgamento de Saddam Hussein. Pois bem, por mais que eu discorde desse e de muitos outros comentários políticos seus, tenho de confessar que cometi um deslize por puro desleixo. No ano passado, deixei de citar as suas corajosas palavras contra a decisão da Anistia Internacional de apoiar o extermínio sistemático de seres humanos que ainda não nasceram, coisa vulgarmente conhecida como aborto, bem como sua atitude diante do término da cooperação do Vaticano com essa organização. Fiquei muito contente quando soube dessa notícia e desejei escrever a respeito, porém acabei deixando a idéia na gaveta e só fui lembrar dela com quase um ano de atraso. Mas como diz o ditado, a justiça tarda mas não falha. Fica então reparada a injustiça.

Thursday, May 15, 2008

Do quase fanatismo livresco

Hoje, eu, em pé na cozinha, segurando algo para beber, sem camisa, meditava sobre a destemperança de meu fogão. Ignorando completamente o ensinamento grego segundo o qual a virtude é medíocre -- eis uma prova clamorosa de minha má interpretação da sabedoria antiga --, ele insiste em oferecer apenas duas opções de acendimento: um quase nada ou fogo excessivo. Assim, todas as vezes que preciso assar algo no forno, vejo-me obrigado a optar entre o cru -- notai como um simples r torna tudo mais galante -- e o queimado. Sou obrigado a manter prontidão constante, até porque às vezes o fogo baixinho some e a boca só assopra gás. É preciso mudar de vida, ou melhor, de fogão.

Se eu fosse mudar o que tem de ser mudado, passaria a viver num pesadelo heraclitiano. Ademais, como um brasileiro exemplar, prefiro me lamuriar pela falta de vinténs. Na realidade, minha questão com dinheiro vai mais além, porque anos de pouquidão monetária me ensinaram a necessidade de poupar e de estabelecer prioridades inabaláveis. Dada a minha natureza, converto dinheiro normalmente em livros, e de preferência usados. Meu cérebro opera então do seguinte modo: se há um filme interessante em cartaz, em seguida penso no custo e na quantidade de bons livros usados que eu poderia comprar. Este procedimento fatalmente me faz dar adeus ao filme. Julgo até que esse modo de operar do meu cérebro permaneceria semelhante na hipótese de eu receber alguma fortuna. Todavia é bom deixar claro, antes de me acusarem de hipocrisia devido aos meus gastos com Internet, TV a cabo e sorvetes, que minha teimosia livresca nunca se transformou em obstinação fanática, exceto naquelas situações extremíssimas em que tudo é válido em nome da sobrevivência.

Conquanto tudo isso seja verdade, confesso ao estimado leitor que já me pus a cogitar se seria mais do meu agrado a companhia de alguma bela dama ou assistir a aulas de algum grande mestre. Entre a companhia da belíssima Ana Paula Arósio e uma aula de Aristóteles, o que o leitor escolheria? É uma pergunta algo sofística, pois envolve comparação entre gêneros mui diversos -- na verdade é apenas um esclarecimento àqueles que transbordam de maldade no coração. O fato insólito de eu ter me feito essa pergunta e ainda por cima ter claudicado na resposta é um indício de como funciona meu espírito. Preciso dizer, em todo o caso, que já ofereci uma resposta certa vez, mas será um prazer deixar a curiosidade do leitor insaciada.

Àqueles que compartilham desse meu espírito, um bom adeus, e àqueles que consideram tudo isso uma grande disparatada, também.

Wednesday, May 14, 2008

Dos pré-candidatos à prefeitura do Rio

Outro dia um amigo, com autêntico sadismo, listava-me os possíveis candidatos para a prefeitura do Rio de Janeiro, ao que eu respondia a cada nome como Xerxes quando informado do malogro de sua expedição: ai!

Levando-se em consideração qualquer que seja a pobreza de espírito que assolará a capital, este senhor que atualmente nos governa já não me parece mais tão péssimo, afinal de contas não é defensor feroz das drogas, não é apologista contumaz do aborto e de regimes totalitários, nem é fiel receptador de ingênuas esmolas. É portanto provável que sigamos na nossa longa idade das trevas. Daí ser útil aprender que da mesma forma que é comum na natureza a carcaça se tornar uma bela iguaria de chacais e demais carniceiros, no mundo dos homens uma cidade e um país em acentuada decadência são o prato cheio dos mais tenebrosos políticos.

Friday, May 09, 2008

Artur da Távola (1936-2008)


Soube há pouco do falecimento, hoje, do senador Artur da Távola, a quem destinei simpatias desde quando, há oito ou nove anos, assisti pela primeira vez ao seu programa Quem tem medo da música clássica. Seu objetivo era oferecer música clássica a ouvinte calouros. Sua intenção de disseminar cultura era realmente sincera, cousa rara nesses estranhos tempos. Ele participava igualmente de outros programas, tal como um na Rádio MEC cujo nome me escapou.

Sua condição de saúda andava precária há algum tempo. Pude notar isso quando ele, visivelmente debilitado, insistiu em apresentar mais um de seus programas na TV Senado. Causou-me admiração, pois haveria maior demonstração de seu sincero desejo de difundir cultura? Desejei que ele tão logo se recuperasse, mas confesso que vê-lo daquele jeito não me deu muitas esperanças. Recebi portanto a notícia de seu falecimento sem muita surpresa.

Eis o seu derradeiro post:

EMBORA ENFERMO DESDE AGOSTO DE 2007, COM RISCO DE VIDA, NAS BREVES OPORTUNIDADE EM QUE NÃO ESTEVE INTERNADO, O TITULAR DESTE BLOG NELE NÃO MAIS PÔDE ESCREVER. ELE FICOU ABEERTO SUJEITO À INTERFERÊNCIA DE INTERNAUTAS QUE SE COMPRAZEM EM ENTRAR EM DOMÍNIOS ALHEIOS.

EMBORA NÃO MAIS INTERNADO EM HOSPITAL PROSSIGO EM TRATAMENETO DOMÉSTICO E ASIM SERÁ POR ALGUM TEMPO.NESSAS CIRCUNSTÂNCIAS PEÇO DESCULPAS A QUEM O PROCURE. ELE ESTÁ MOMENTÂNEAMENTE CONGELADO POR SEU TITULAR. ESPERO VOLTAR NA OLENITUDE DE MINHAS POSSIBILIDADES DENRO DE DOISOU TRÊS MESES.
E CONTO COM SUA COMPREENSÃO.

FRATERNALMENTE

ARTUR DA TAVOLA



Despeçamo-nos com a frase que mais soía dizer no programa: "Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão". Fique com Deus.

Thursday, May 08, 2008

Dos blogs carolíngios e do parcial fim dos bons blogs de antanho

Meu cumpadre Carlos, em seu furor iniciático, pôs-se a criar não um, mas dois novos blogs, perfazendo assim uma trilogia, se é que posso chamar assim, blogueira, ainda que o seu antigo endereço blogspoteiro -- ó tempos, quase deu um puteiro -- naufragasse quase completamente. Tudo isso que eu disse é, todavia, acochambração, afinal ele já criara outros blogs até chegar a essa trilogia, mas como o número três, por evocar a trindade, é mais belo de ser dito, fiquemos com ele com um entusiasmo fanático.

Ele me disse que era ótimo para criar blogs e ruim para mantê-los, ao que eu respondi, ele e sua noiva poderão dar fé, que meu cumpadre é um ótimo arroz de festa. Agora bem: sou o último cidadão desta gloriosíssima república a reclamar disso, afinal eu mesmo toco o meu blog de maneira assaz canhestra.

Ligo-os evidentemente a este blog, muito embora não me seja permitido cogitar se graças a isso haverá maior freqüência em seus novos endereços. Como minha mentalidade a respeito de números e estatísticas é sumamente medieval, desconheço quase completamente dados referentes a este meu próprio blog, embora a quantidade de comentários seja algum indício -- insuficiente, claro está.

Seja o leitor devidamente informado. Os blogs do Carlos inaugurados há mais ou menos tempo são o Ad Dexteram e Minhas Circunstâncias.

Já que a pauta hoje são blogs, houve o anúncio do naufrágio do famoso portal Wunderblogs. É possível ao urubu esfaimado saborear as carcaças ainda expostas, pois, muito embora tenha sido decretada falência, a navegação por lá permanece viável, ao menos por algum momento. Sinto-me mal porque tanto gostava do portal como isso ocorreu oficialmente após eu ter mencionado minha admiração pelo blog de Alexandre Soares Silva, coisa que o leitor poderá ler em algum post anterior. Alguns membros migraram para outro portal, o Apostos. Confesso que imaginei até escrever uma obra magna em oito volumes chamada "História e declínio dos Wunderblogs", ao que minha preguiça, fiel amante, e meu bom senso, às vezes vivo, me impediram.

Perdoe-me o leitor pela declamação velhaca que farei, mas houve um tempo, e aqui não critico os que hoje existem, em que havia uma grande quantidade de excelentes blogs. Talvez dizer que havia uma grande quantidade seja mui expansivo, mas isso não isola da verdade o fato de ter havido vários excelentes blogs, ao menos para meu alvitre. Podiam ser muito ou pouco conhecidos, algo que em nada influía na ótima qualidade apresentada. Um por um, todavia, eles foram dando um último suspiro, como ocorrido com Gradus ad Parnassum, Alexandrinas, Despoina Damale etc. etc. etc. Os veteranos, contudo, deram espaço a muitos novatos, de maneira que o exemplo, aparentemente, não fora em vão. Apenas lastimo que muitos dos bons blogs de antanho tenham naufragado quase completamente.

Breve lembrança de idas ao dentista

Animou-me a escrever algo a desdita da Cris ao arrancar seu siso. Tenho de admitir que quase caí na tentação de dizer que seu siso era caro, porém seria uma audácia da minha parte, pois nunca fomos apresentados e, agora que foi extraído, não o seremos mais, exceto, é possível, quando soar o momento dos mortos se levantarem. Que fique ao leitor piedoso a mensagem.

Mas eu falava, ou melhor, dizia da inspiração momentânea. Pois bem, eu também passei por uma experiência dessas, quando me divorciei dos sisos superiores há dois anos. O que me causou espécie não foi a extração em si, pois, exceto uma agulhada dolorida na hora de fazer o ponto, minha dentista conduziu tudo com enorme habilidade. O problema foi depois, já que meu modo de falar por cerca de meia hora ficou mui semelhante ao do veteraníssimo Sylvester Stallone. Cheguei a fazer uma troça do fato à dentista, porém ela não considerou muita graça nisso e riu tão-somente por piedade de mim, eu, que ainda por cima era obrigado a lutar contra uma baba que insistia em passear mundo afora.

O leitor não poderia viver sem saber também que minhas experiências ao dentista não foram somente aquelas. Eu já era veterano quando do ocorrido, pois eu havia sobrevivido sem traumas a um tratamento de canal. Diga-se de passagem que só consenti em ser submetido a esse tratamento porque conduzi uma situação precária até o derradeiro instante em que passei a sentir furiosíssimas dores de dente. Ignorei o que houve com muitos a minha volta e sofri, o que confirma os dizeres homéricos a respeito dos tolos só aprenderem com a experiência.

Em matéria de desgraça a humanidade se rejubila. Foi portanto natural que me dissessem apocalipses a respeito do tratamento de canal, e eu mesmo, confesso, senti algum prazer quando mencionei o que ocorre durante a extração do siso a uma prima que será a próxima vítima de algum dentista. Todavia não me abalei demais, não por heroísmo, mas por cálculo. Se o tratamento de canal era a única solução, então não adiantaria me lamuriar. Quando a sobrevivência corre perigo, tudo é válido. Foi pensando nessas coisas sumamente dramáticas que busquei um dentista.

Não me recordo o número de sessões de tortura em potencial a que fui submetido, mas sobrevivi intacto, principalmente por causa da invocação contínua a Santo Inácio de Loyola. A recordação de sua impassibilidade quando puseram seu osso no lugar após fratura na guerra me encheu de coragem. Além do mais, ficava imaginando por que espécie de sofrimento um Alexandre Magno e um Carlos Magno tiveram de suportar naqueles tempos tão brutais. Ora, se eles sofreram inumeráveis dores sem anestesia, por que eu deveria chorar havendo à minha disposição anestesia e tudo o mais? Sem jamais deixar de invocar o Santo Inácio de Loyola, fiquei um tanto mais tranqüilo na cadeira do dentista. Fui, portanto, homem, pelo menos enquanto a anestesia surtiu efeito. E para evitar qualquer desdoiro, ela surtiu efeito sempre que foi solicitada.

Como não sou ingrato demais, naquela época me surgiu uma enorme curiosidade de saber qualquer coisa da história da anestesia. Fiz uma longuíssima pesquisa de dez minutos na Internet e descobri de fato alguma coisa, mas infelizmente tudo isso agora está perdido em algum compartimento inacessível do meu cérebro. Impossibilitado de escrever qualquer linha desse assunto, invito o leitor a pesquisar também. Ainda assim, fica, pois, outra homenagem feita por mim àqueles que descobriram a anestesia. E digo outra homenagem porque na época fiz ao meu dentista algum brevíssimo elogio a ela e aos seus responsáveis.

Se Shostakovich se aventurou a criar uma sinfonia em honra à industrialização soviética, espero que algum outro talentoso músico crie uma música em homenagem a algo bem mais universalmente válido, como é o caso da anestesia. E ainda teria algo a dizer sobre o inusitado de ter alguém manipulando literalmente a nossa boca, mas me despeço já, adeus.