Nota: Já havia um tempinho que eu não escrevia notas. Mas o motivo para tanto é que este texto é um rascunho, nada revisado. Então talvez eu mude alguma coisa só depois do carnaval, não porque cairei na farra, mas por pura e simples preguiça. E se nada a obstar, piparotes.
Tentei não dizer nada sobre o carnaval, mas não consegui. Parece que me incomodam de propósito. Isso porque em certa ocasião um sambista disse na tv que "o carnaval une mais gente que a religião". Em outro canal, uma senhorita disse sobre o carnaval: "É uma festa excelente porque não há diferença de classes na folia". Digo de passagem que o senhor e a senhorita não eram intelectuais, ao menos no sentido normal que a palavra um dia já teve, porque no sentido da "longa marcha rumo ao aparelho do Estado" (Gramsci) eles podem ser considerados intelectuais orgânicos. Notem bem: se você colocar de um lado da balança alguém como, digamos, Carlos Alberto Nunes, e, do outro, o sambista que disse aquela asneira, do ponto de vista da tal marcha rumo ao aparelho do Estado o sambista leva a melhor, porque contribuiu para a agitação revolucionária de algum modo, enquanto C.A. Nunes não passa de um esquisitão que traduziu para nossa língua todo Platão, todo teatro de Shakespeare e a Ilíada e a Odisséia, empreendimento este neutro do ponto de vista do conflito entre esquerda e direita.
Isso explica um pouco porque certos cidadãos como Scheler, Zubiri e Husserl são geralmente deixados de lado pelos "intelectuais", trocados por gente do calibre de Sartre, Foucault e, por que não?, sambistas: nossos "intelectuais" não querem compreender mais coisa alguma, só querem encher o saco com o sonho humilde de transformar o mundo.
Voltemos à afirmação daquele senhor. Um disparate tão grande talvez em outras épocas fosse motivo de censura pública, ou pelo menos censura da própria consciência. Mas não, passou em branco, e até imagino que com certo aplauso. O sambista disse o que não deveria ter dito porque segundo ele o samba une, enquanto a religião afasta. "Vejam só quantas guerras religiosas já houve!", asseverou. Se o samba tem um poder tão maravilhoso de união, porque o primeiro lugar onde surgem as desordens da nossa cidade é justamente nos morros, já que as escolas de samba por lá ficam? Então antes de mais nada. deveriam tocar mais samba para tentar unir a população de suas comunidades a fim de que parem de se matar e matar quem por lá não mora. Mas há samba nos morros desde não sei quando, o que me leva a concluir que este não deve ser o melhor método, pois a violência na cidade só tem aumentado. E justamente São Paulo e Rio (que ergueu um lugar chamado Apoteose a fim de homenagear gente tocando tambor e de tanguinha), cidades que têm sido o centro das escolas de samba, são ambas violentíssimas. Por outro lado, quantos amantes de samba há no país? Talvez menos que de evangélicos. E há envagélicos em todo o mundo, inclusive em países comunistas - caçados e torturados por aquelas bandas, diga-se de passagem -, enquanto sambistas só existem em um ou outro canto do mundo a título de "cultura exótica", completamente insignificante. E não me parece que a ONU já tenha cogitado terminar conflitos como o que há entre Israel e os palestinos com a força da bateria da Estação Primeira de Mangueira.
Se há muitos evangélicos, mais ainda há católicos, e em praticamente todos os países. Mais de um bilhão de fiéis em todo o mundo não é um exemplo claro e raro de união entre os povos? Uma coisa dessas só é possível porque embora diversas as pessoas se unem através de uma série de valores transcendentes. E quem irá se matar por causa do samba? Na verdade talvez até haja algum infeliz, afinal existem pessoas que se matam por causa do futebol. Isso só depõe a favor da religião, porque com ela essas sandices não aconteceriam. Identificar religião e catástrofe é, eu sei, o ponto de vista de muita gente, e o fato de um sambista dizer algo desse tipo demostra como essas opiniões bizarras já estão se espalhando entre o povão.
Embora o samba tenha uma folha de serviços tão irrelevante, defendê-lo acima da religião é coisa de burrinho. É uma falta de senso de proporções tão troncha que chego a duvidar que disseram aquilo que eu mesmo ouvi. É uma daquelas coisas que você não sabe até que ponto termina a malícia e começa a burrice.
Quanto ao que disse a senhorita, se ela soubesse as implicações e os pressupostos daquela frase, talvez evitasse para sempre repeti-la. Isso porque tal idéia apóia-se no preconceito marxista de que a sociedade está divida em classes antagônicas, e que a mais progressita deve eliminar a "reacionária". Daí que, enxergando as coisas desse modo, o carnaval parece algo esquisito: exploradores e explorados, inimigos entre si, mas festejando juntos. Nem preciso dizer a opinião desses senhores quando o assunto é futebol, e em especial a Copa do Mundo. Tudo isso deve parecer-lhes um tipo de hipnose, explorada maquiavelicamente pelas elites reacionárias. Eis um pensamento esquisito, cujos defensores de tão insólita opinião o dr. Simão Bacamarte com razão internaria na Casa Verde. E se o carnaval é estranho, que dizer da religião, onde na missa os mesmíssimos inimigos comungam juntos em nome de um Deus que certa vez disse que aquilo que Ele une homem nenhum separa? Nem a alegria boba do carnaval nem a alegria esperançosa do Cristianismo são alienantes, ao contrário das doutrinas que pregam que a discórdia é o fundamento de todas as coisas. Não: o fundamento de todas as coisas é precisamente este Deus que mantém os opostos unidos. Aquelas doutrinas, estas sim alienam o homem, fazendo com que ele enxergue problemas e discórdias que na verdade só existem em sua cabeça.
Embora o que disseram o senhor e a senhorita careça de fundamento, tais idéias tem por alguma razão um valor autoprobante, de tal modo que nos meios supostamente esclarecidos elas passam como se fossem evidências inquestionáveis, quando na verdade deviam ser consideradas no mínimo inusitadas. Na verdade, elas são mais propaganda que idéias propriamente ditas. Seus fundamentos estão menos em si mesmos que nas intenções dúbias de que as diz. Elas são, numa palavra, propaganda de guerra. É preciso desmascará-las no ato.
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