Sunday, January 22, 2006

Cigarro e neurose

Tenho uma verdadeira simpatia pelos fumantes. Fico chateado com a maneira como eles são tratados, parecendo um bando de marginais só por causa de um maldito cigarrinho.

Que as pessoas são neuróticas não tenho dúvidas. Sempre há alguma esquisitice, alguma coisa mal resolvida na nossa biografia, alguma coisa a ser revista não sem alguma dor. Não há remissão de pecados sem a devida luta contra si mesmo. O problema todo é quando descaradamente dirigem as neuroses e frustrações do povo contra determinadas coisas que não são maléficas. Isso é o fim da picada. Um bom exemplo disso é justamente o maldito cigarrinho.

Certa vez, quando eu ainda era um bebezinho no segundo grau, havia uma professora de Biologia que fumava demais. Nós então achávamos - eu não, mas como não me opus a nada, me coloco nessa ciranda - que ela cometia uma espécie de impiedade em plena sala quando fumava. Começávamos naqueles momentos a incorporar uns nazistinhas de plantão e gritávamos literalmente para que ela apagasse aquilo. Era uma cena linda, a turma às patadas obrigando a professora a apagar o cigarro, como se nossa ação, digna de 1984, fosse no futuro cantada pelos aedos. Era ridículo.

Igualmente ridículo é quando pessoas absolutamente mal-educadas começam a fazer cara feia na rua quando alguém na frente está fumando. Chegam a tentar pateticamente dispersar a fumaça como se fosse Zyklon-B, aos prantos. Isso é coisa de neuróticos, mal-educados neuróticos. E me calo sobre aqueles procedimentos vergonhosos em restaurantes e lugares afins, onde a pessoa é obrigada ilegalmente a parar de fumar. Passemos.

Há anos atrás vi na GNT um programa em que uma empresa de fumo passava por uma verdadeira sabatina de uma comissão parlamentar americana. Desde o início, a comissão estava francamente hostil. Talvez por já prever semelhante procedimento, a empresa contratou uns quinze advogados para defendê-la, muito embora não fosse um julgamento. Os congressistas ignoravam solenemente, por despreparo, malícia ou ambos, aquele princípio pelo qual o réu é considerado inocente até que se prove o contrário. O modo como a sabatina era conduzida forçava o tempo todo a empresa a provar que não comercializava veneno. Só faltou o auto-de-fé. Em certa altura, um parlamentar perguntou se por um acaso os advogados tinham filhos pequenos. Acho que a maioria respondeu que sim. O mesmo parlamentar, com malícia extrema, em seguida fez uma pergunta inacreditável a cada um dos senhores advogados:

- Sr. Tal, se o cigarro é tão inofensivo como dizes, permitirias então que teus filhos fumassem?

Os advogados, um por um, não sabiam o que responder, porque provavelmente não esperavam aquele tipo de pergunta. Não lembro exatamente o que disseram, mas não responderam nem que sim, nem que não, e foram passando a bola adiante. No final a impressão que ficou, como era óbvio de imaginar, foi que eles só defendiam a empresa porque eram pagos, pois intimamente cada um eles não sabia se o cigarro era mesmo nocivo. Uma autêntica bola fora.

No dia eu achei aquilo lindo, porque parecia uma prova eloqüente da falsidade dos argumentos dos pró-tabagistas. Mas logo em seguida eu pensei cá comigo: os advogados não disseram que o cigarro é totalmente inofensivo, mas que não era a praga que os congressistas afirmavam, e que o controle de qualidade era um método eficaz para a preservação da saúde das pessoas. Levando-se em consideração isso, a pergunta do parlamentar era uma pegadinha, e todos os quinze advogados caíram. Podiam replicar perguntando se o parlamentar tinha filhos pequenos, se ele dirigia, e se ele permitiria então que seu filhinho passeasse de carro. Podiam até mesmo trocar "dirigir" por "beber": o raciocínio seria o mesmo. Um outro exemplo do que quero dizer é o seguinte: dia desses eu vi no jornal que os cosméticos para adultos são nocivos para as crianças, porque os de adultos contém substâncias nocivas para a saúde delas. Agora bem: proibiríamos então a venda de cosméticos? Segundo o raciocínio do parlamentar, sim, e assim muitas outras coisas deveriam ser proibidas também, como o carro. Não sei como aqueles advogados não tiveram presença de espírito naquela hora, e olha que eles ganham milhões no que fazem!

Desde aquele programa fiquei com uma pulga atrás da orelha com as medidas antitabagistas. Nunca me pareceram firmadas em razões decentes. Não sou um conhecedor virtuose das discussões sobre o fumo, mas sei que há alguns fatores que não são considerados com a devida cautela. Por exemplo, o problema da poluição do ar. Quem sabe se o fumo é apenas um pequeno problema inserido em algo muito mais vasto, que é a porcaria de ar que respiramos nas cidades grandes? Também não sei dizer se o ar é mesmo tão ruim quanto afirmei, mas é uma hipótese a ser investigada. Ainda que algum leitor, lembrando-se do velho provérbio “a prudência é uma virtude”, diga que por via das dúvidas é melhor controlar de algum jeito a venda do fumo, eu diria que nem por isso é válido concluir que o cigarro é igual ao comunismo: intrinsecamente perverso.

Há também a questão óbvia da qualidade do cigarro: pode ser que os que causem mal são apenas os piores, como um iogurte estragado causa dor de barriga sem que por isso o iogurte bom seja considerado nocivo. Por outro lado, as pessoas têm diferentes graus de susceptibilidade às mais variadas substâncias. Não é à toa que existe alergia: algo que teu organismo não acusa como hostil pode ter efeitos completamente contrários em outras pessoas. O mesmo pode se dar com o fumo: pode haver pessoas mais susceptíveis aos seus efeitos, mas sem que com isso o cigarro em si seja algo condenável.

Por fim, há o problema, como eu disse antes, da neurose. Da mesma forma que nosso organismo pode ser tão sensível que acusa como hostil algo que na verdade não é ruim em si, as pessoas podem estar predispostas a agir mal ante algo que muitos digam que é ruim, embora esse algo não seja verdadeiramente ruim. Vou dar um exemplo simples: minha boa mãe. Um dia ela pediu Novalgina. Fui pegar, mas fiquei curioso em saber se ela, caso eu desse só água, teria a reação de desgosto como se estivesse tomando aquele remédio horrível só porque pensava mesmo que o estava tomando. Muito bem: só dei água para ela. Adivinhem? Ela fez uma careta horrível, me agradeceu, e já ia fazer outra coisa se eu não ficasse rindo e dizendo que não havia uma só gota de Novalgina. Se eu quisesse averiguar cientificamente isso, eu teria de testar em outras pessoas tal procedimento, mas acho que não é necessário porque já vi coisas semelhantes ocorrerem. Além do mais, a mente é algo tão misterioso que pode muito bem enganar o próprio corpo a ponto de a gente sentir algo como se fosse uma outra coisa (exemplo: a pessoa come cebola e pensa que é maçã, como ocorre em hipnoses).

Como nada disso, ao que parece, foi analisado minuciosamente - porque os cientistas devem analisar tudo minuciosamente -, então sempre me pareceram por demais audaciosas as afirmações sumárias veiculadas contra os cigarros, tendo como base certezas no mínimo duvidosas. E se é loucura considerar uma pessoa culpada não havendo indícios conclusivos para tanto, o mesmo se dá com o cigarro. Infelizmente a situação é tão estranha que até médicos entram nessa ciranda, emitindo juízos não segundo a ciência, mas segundo aquela coisa amorfa e esquisita chamada consenso. Consenso? Talvez fosse melhor dizer “politicamente correto”.

Portanto, ainda permaneço simpatizante de quem fuma, até porque, como eu disse antes, acho absolutamente maluca a hostilidade que pessoas aparentemente normais dirigem contra eles. E antes que um maldoso leitor diga que defendo tais coisas em causa própria, afirmo que nem fumo, nem sou pago por alguma empresa tabagista para dizer essas coisas, até porque se o fosse, eu estaria ganhando bem e já teria pagado alguém para mudar o layout do meu bloguinho. E se um leitor malicioso, usando da mesma malícia daqueles parlamentares, disser que se eu acho o cigarro tão inofensivo então eu deveria fumar, respondo que usar sungas até onde sei não é algo maléfico para a saúde, e nem por isso eu as uso, já que não gosto nenhum pouco. Acho supinamente ridículo andar de cuecas em público, anda que um chato no melhor "estilo Pródico de ser" venha discutir que cueca é uma coisa, sunga é outra. Não acho ridículo fumar, mas fora em uma ocasião onde literalmente queimei a língua da maneira mais prosaica possível, nunca me deu vontade de fumar. Por último, faltaria saber as razões de haver esse nonsense todo sobre o fumo. Não sei responder, mas certamente deve haver alguma coisa por trás disso.

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