Sunday, January 07, 2007

Alguns avisos sobre a vida boa

Vou aproveitar esse post e apresentar ao leitor uma idéia que deu "olá" para minha cachola enquanto eu estava preparando misto-quente e Nescau (perdão, Nescau genérico). Aliás, por algum estranho motivo as idéias geralmente surgem quando a última coisa que faço no momento é ir atrás delas: na hora de dormir, ou quando acordo, ou quando vou tomar banho, ou quando como, ou quando minha mãe vem contar a piada que ouviu no rádio (como no dia em que ela contou uma piada e aí de repente entendi o que aquele Aristóteles quis dizer com as quatro causas). Freqüentemente na hora em que estou estudando a idéia não vem nunca, mas é só olhar para o céu e de repente pimba!, lá vem a idéia. Ela gosta de fazer surpresa. Por essas e outras que sempre agradeço, embora talvez na hora possa não parecer, a quem enviou a idéia, afinal de contas é que nem ganhar presente sem o menor motivo.


Após a digressão, contarei logo a idéia, mas já me vejo na iminência de faz outro pequeno desvio, porque agora ela não me parece tão legal quanto antes. Parece agora até meio boboca, mas enfim, vamos lá. O que eu queria dizer apesar de toda essa enrolação é apenas o seguinte: se por ventura o amável leitor se ver de repente em meio a uma discussão onde passem zunindo que nem flecha ou bala perdida os Nietzsches, os Foucaults, os Deleuzes ou os Montaignes da vida, jogue-se no chão e saia do recinto o mais corrido possível. Depois de passar na igreja para tirar qualquer resquício de encosto, em casa tome um bom banho para refrescar a cuca e em seguida vá direto à leitura do primeiro Chesterton que encontrar, ou simplesmente dê boa noite para seus pais e amigos, beba uma coca, tome um sorvete e veja como é bom conversar com gente normal.

Digo isso porque a influência daquela trupe (só não dou outros nomes porque senão aí vira carnaval), se você levá-la realmente a sério, pode acabar te fazendo mal. No final das contas, você talvez não conseguirá nem mesmo dar bom dia para ninguém exceto aos cavalos, e ainda por cima em tom sentimental, trágico ou simplesmente babão. Conheço inclusive alguém que levava a ciência tão a sério que, num belo dia, não conseguiu mais entender a razão de uma pessoa dar bom dia a outra na rua, nem o motivo de alguém ficar olhando perdidamente a paissagem. Achava que todo mundo era doido, menos ele, é claro. Infelizmente ele não havia cogitado a hipótese de estar padecendo da falta de senso poético. E nem poderia, já que se deixou levar por uns caminhos tortos. Mais uma vez parecia se repetir a cruel saga do tantã: levava tudo tão a sério que no final das contas virou a piada trágica de si mesmo.

Às vezes quem lê por ler algum dos membros da trupe não atina direito com o problema. É o caso do sujeito de boa vontade. O ruim disso é que se você realmente tiver boa vontade de encarar aquela trupe, vai ter uma hora em que você não atinará mais com o problema porque você se tornou parte do problema. Só através de um esforço quase miraculoso conseguirá sair disso ileso. Como diria um professor meu, parece pegadinha mas na verdade é mesmo.

Enfim, está dado meu conselho. Ao menor sinal da trupe, fuja como se tivesse visto o filhote de cruz-credo, e vá procurar um livro realmente útil ou uma companhia minimamente sensata.

***

Agora o avesso do post.

Dizem que se você souber o nome do demônio você poderá controlá-lo e vencê-lo. Pois bem, da mesma forma que o vírus pode servir para combater o vírus mediante a vacina, a trupe pode servir como anticorpo contra si mesma mediante a sabedoria autêntica. Ainda aproveitando a analogia medicinal, eu diria que a trupe, se bastante diluída pelo contato com a filosofia autêntica - ou nem isso, porque o contato com uma vida sadia já basta -, pode mesmo fazer bem. Assim, por razões profiláticas, vale a pena conhecer a trupe para evitar males maiores.

O pressuposto disso é que você esteja mais ou menos inteirado do que é a sabedoria autêntica ou vida sadia. Ora, da vida sadia basta o contato com gente minimamente normal (não subestime jamais isso). Da sabedoria autêntica a coisa é um pouco mais complicada, mas de qualquer forma não é um tormento pelo simples fato de ela também servir como aprimoramento da própria vida de quem realmente a leva a sério. Escute o que Platão tem a dizer e em troca você nunca mais terá vontade de explodir o mundo ou achar que poderia explodi-lo. Ouça atentamente Aristóteles e aquele cinismo em demasia que você por um acaso abriga no peito vai se tornar um verdadeiro bom humor. Preste atenção em São Tomás de Aquino e você perceberá que o mundo pode ser mais legal do que parece, simplesmente porque tudo fará sentido a partir de algo aparentemente obscuro. Leia devagar Ortega y Gasset e você poderá mergulhar na profundidade quase enlouquecedora do mundo, mas conseguirá retornar à superfície são e salvo com uma valiosa pérola.

Todos esses homens podem, de um jeito ou de outro, apresentar algum tipo de escapatória da loucura aparente do mundo. Nenhum deles te aprisionará em loucuras forjadas pela mente deles mesmos. Porque mais do que a loucura do mundo, a loucura dos sábios é a mais tenebrosa. Há em comum entre eles qualquer tipo de idéia de salvação. Na medida em que vão compreendendo a realidade, idéias fantasmagóricas do mundo vão desvanecendo.

Se você não estiver minimamente inteirado de nada disso, melhor nem se meter com aquela trupe. Vai querer cutucar onça com vara curta para quê?

***

Se o leitor for um sujeito curioso, talvez já tenha notado que as destruições da família e do exemplo do homem superior foram acompanhadas pelos ataques kamikazes à inteligência. Numa palavra, a vida sadia e a sabedoria autêntica foram golpeadas juntas e sem dó. Não poderia ser de outro modo.

Levando-se em conta as circunstâncias, é mais do que natural que a impostura, em todos os sentidos e níveis, ganhe terrenos. A falta de modos vai desde as relações entre as pessoas até a relação com o conhecimento. Quem não consegue agir minimamente bem com o outro não pode cogitar nada a respeito de Deus, da beleza, da alma etc. É incrível o número de enxeridos que ignoram pomposamente essas constatações mais básicas e insistem em opinar a respeito do que só deveriam em última hipótese ou simplesmente não deveriam.

1 comment:

Cassiano Farias said...

Escrevi, escrevi, mas só agora me veio a melhor expressão. É que certos tipos de filosofia ou de ação me parecem uma espécie de histeria ou covardia. Deve ser por isso que os caras que mais escreveram sobre "estar além dos valores" ou que nada no fundo é diverso da vontade de poder eram todos meio bundões ou doidinhos. Às vezes eram até as duas coisas juntas. Exemplo histórico: Rudolf Hess. Qualquer dia vou postar alguma coisa que ele escreveu para ilustrar melhor o que estou dizendo.

Ah, bom dia.