Friday, December 01, 2006

Ainda pau que dá em doido: o relativismo cultural

Outro dia eu estava acompanhando uma discussão em uma comunidade do Orkut. A certa altura, alguém disse que não era correto criticar a cultura dos outros etc. Não contente, o camarada ainda disse que era algo nazista tal procedimento.

Vamos ignorar a última frase, porque é cretina demais. Em relação ao resto, supondo que a afirmação feita pelo camarada seja ela mesma alicerçada no plano cultural, provavelmente ele nunca se perguntou sobre o motivo de ele mesmo poder criticar quem critica a cultura dos outros. Além disso, uma coisa é relativizar suas próprias referências para melhor compreender outra cultura e talvez a sua própria. Outra é concluir daí que não existe nenhuma diferença de valor entre quaisquer sociedades. Isso é errado e maluquice pura.

Esse relativismo absoluto é, claro, uma contradição danada. Pode ser também muito nefasto. Porque, a rigor, quem defende uma geringonça dessas tem de estar preparado para aceitar qualquer porcaria que exista no mundo sob a desculpa esfarrapada de ser uma manifestação cultural própria de tal sociedade e que, portanto, o que é correto para ela não é para nós e vice-versa. Assim, se os nazistas teimavam em envenenar judeus e depois incinerar seus corpos, não podemos dizer um "ai", pois aquilo é bom, belo e verdadeiro para eles. Criminosos seríamos nós, que chamamos aquilo de barbárie. O mesmo poderia ser dito quanto a nossa própria sociedade, porque ela é feita dos mais diversos elementos. Um bandido pode virar mocinho e um mocinho bandido graças à mágica do relativismo antropológico, como aliás costumeiramente acontece. Não é verdade que, ao aparecer um bandidão na tv, também aparece algum intelectualerda (termo criado por Corção) choramingando e dizendo que não podemos criticá-lo porque ele é produto - notem que o termo subentende a falta de liberdade e controle do sujeito de sua própria vida - de circunstâncias ruins, as quais relativizam os atos do sujeito? Por outro lado, se a polícia é dura, não reclamam dizendo que ela tem de ser mais civilizada, pois órgão estatal? Em suma, segundo esse curioso modo de pensar, o policial tem de ser censurado porque ele vive em circunstâncias "boas", enquanto o bandidão não pode ser porque vive em circunstâncias "más". A este, os lírios; àquele, a forca. Da minha parte, milhares de bananas aos intelectualerdas.

Curiosamente, nunca vi ninguém usar esse argumento para defender os maiores erros cometidos por cristãos ao longo da história. Nesse caso, vale o mais férreo absolutismo e anacronismo históricos. Quando o asteca abria o peito de um infeliz ainda vivo para retirar o coração pulsante, isso era apenas uma inócua manifestação cultural, quiçá meritória à sua maneira. Mas se o braço secular, instigado pelo Santo Ofício, transformava uma bruxa em torresmo, então isso é a demonstração arquievidente da intolerância e da maldade tradicionais da Igreja e da religião. A bem da verdade, eu até já vi um ou outro sujeito relativizar as práticas do Santo Ofício, geralmente com muita cautela. De qualquer modo, sempre em quantidade incrivelmente reduzida se formos comparar com aqueles que defendem, em nome do tal "relativismo antropológico", as práticas mais estapafúrdias praticadas por povos desapiedados.

Para finalizar, eu diria que quem defende uma idéia dessas faz pouco caso do que é o homem. Não sei se seria um exagero dizer o que direi, mas acho que o homem tem a capacidade de ser uma incrível variação de uma mesma nota. Embora houve, haja e haverá diversos tipos de ser homem, todos provavelmente têm um eixo comum. E é a partir desse eixo que possivelmente podemos dizer o que é certo e o que é errado. Quando a coisa é torta ou se desvia demais do que deveria ser, nesse caso poderíamos ser contrários a tal modo deficiente e anormal de existência.

1 comment:

Cassiano Farias said...

Note o amável leitor que considerei o "relativismo antropológico" uma caduquice de resultados devastadores. Faço essa ressalva porque me parece que uma idéia dessas, de potencial tão destrutivo, jamais seria deixada de lado por quem deseja minar a sociedade. Daí que quem professa uma idéia dessas ou é idiota ou é mal-intencionado. "Tertium non datur", como diziam os antigos.