Um dos presentes que nos foi dado pela modernidade foi a aparição de partidos políticos perpétuos. Com efeito, nenhum partido aparentemente foi concebido para realizar metas discretas e extremamente pontuais: cada um planeja chacoalhar toda a sociedade, remodelando-a nada timidamente, embora uns sejam menos ambiciosos que outros. A diferença, portanto, é uma questão de prurido. Ademais, mesmo os pouco ambiciosos também carregam algum tipo de crença numa transformação profunda e radical da sociedade. Um partido liberal e conservador não deixa de ser tão impostor quanto um abertamente revolucionário.
A democracia liberal destruiu os antigos privilégios aristocráticos simplesmente expandindo-os universalmente. As antigas disputas famíliares aristocráticas, as quais, por definição, eram privadas -- daí que uma disputa medieval envolvesse tão-somente uns poucos adversários --, caíram em desuso, porque tiveram de ceder espaço a uma nova espécie de família aristocrática: os partidos políticos. Estes, com efeito, substituíram o pacto de sangue pelo pacto ideológico, adquirindo uma universalidade que a nobreza, evidentemente, jamais poderia aceitar. Se algumas famílias consideravam-se nobres ou, como na Antigüidade, descendentes de deuses, a ideologia partidária acabou servindo como espécie de batismo e, em certos casos, como vacina contra a corrupção do mundo -- é o caso dos partidos comunistas, cujos afiliados consideram que a natureza humana é elevada mediante filiação partidária. Em ambos os casos, o disparate é óbvio e insultuoso.
A própria existência desse tipo de partido é extremamente atípica. Normalmente os homens se dividem em partidos porque discordam das formas de resolver determinadas contingências bem determinadas, mas, uma vez resolvidas, os partidos perdem a razão de ser, e cada qual retorna a seus afazeres normais. O pressuposto disso é que os homens só se lançam verdadeiramente à disputa política quando se sentem muito incomodados e quando o esforço exige o emprego das massas. Contudo, os partidos modernos aparentemente não conseguem resolver nada decisivamente, o que seria motivo de acabar com eles porque incompetentes, ou simplesmente querem se manter eternamente, semelhante àquelas pessoas que, uma vez convidadas à nossa casa, jamais se retiram. Essa situação de partidarismo perpétuo é conseqüência de divisões igualmente eternas e radicais: duas pessoas não disputam uma coisa se não discordam a seu respeito. Numa palavra, a existência desse tipo de partidarismo pressupõe algum tipo de discórdia jamais resolvida. Que certos indivíduos concluam que é preciso um super-partido a fim de destruir completamente os adversários certamente não é espantoso, dada a situação de discórdia insolúvel. E isso é ainda mais grave porque a questão disputada deixa de ser um motivo concreto para se tornar uma questão puramente de princípio, ainda que tangente ao mundo prático. A política se torna um confronto de abstrações que movem a humanidade.
Há um efeito igualmente pernicioso causado pelo partidarismo perpétuo: o imperialismo da política. Porquanto tudo se torna um problema político, há uma expansão voraz dos negócios públicos na vida privada de cada qual. O partido em si se torna um fator de coesão superior à família e à amizade, pois a política se torna fundamento da vida, e como tudo gira em torno de lutas públicas, há cada vez menos espaço para o cidadão meditar solitariamente. Ademais, como a política também é a dominação psicológica do outro, no sentido de convencer a multidão a fazer o que o político deseja, segue-se que haverá a disseminação do costume de nas relações pessoais agir politicamente: as pessoas buscarão, mais que de costume, dominar e manobrar o outro. Tal situação só é possível porque, como disse Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, há uma quantidade grande e anormal de señoritos satisfechos atualmente, ou, em português claro, moleques mimados. De certa maneira, o partidarismo moderno é a atuação pública de moleques mimados.
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1 comment:
De fato, a política contemporânea está cheia de moleques mimados. Mas se os melhores homens continuarem sem intervir na política, as coisas vão piorar ainda mais. No fundo é aquilo que JPC afirmou em entrevista a MVC: enquanto a política não garantir um grau mínimo de civilização, não há como levarmos uma vida contemplativa.
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De mais a mais desejo ao caro um Feliz Natal e um 2009 pleno de realizações!
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