Friday, July 18, 2008

Concordo com o que Omayr disse

Ainda que eu possa correr algum perigo de atingir a mim mesmo, embora faço de antemão penitência por qualquer prática levemente semelhante que por acaso eu já tenha feito, preciso concordar com este post de Omayr sobre deslumbramentos, embora minha ojeriza não seja radical -- há uma fonte de humorismo inesgotável nisso --, e só não concordo ainda mais porque não tenho condições de polemizar a respeito da qualidade das traduções do latim.

Não cito exemplos de blogs deslumbrados porque são legião, ainda que alguns blogs que eu gosto caiam nesse vício, em maior ou menor medida. Cinco minutos de pesquisa já bastam.

Se eu tivesse um magnífico domínio de vastas línguas estrangeiras, eu já teria escrito um livro em inglês que tivesse expressões greco-espanholas, em caracteres góticos, declinado em latim, com notas de rodapé em alfabeto hebraico e com a advertência de que sua completa inteligibilidade só seria possível caso ele fosse pronunciado num misto de francês e alemão. Seria a apoteose do linguajar macarrônico. Dedicaria aos meus queridos compatriotas três volumes: aos iluminados pelas letras, distantes do realismo bárbaro nacional, um volume sobre literatura, destacando a literatura anglo-saxã; aos doutos estudiosos de filosofia, impregnados de status quaestionis, haveria um volume dedicado especialmente a Platão e Aristóteles; aos pietíssimos leigos que se acham verdadeiros padres e aos padres que se acham verdadeiros leigos, minha homenagem seria um volume dedicado aos santos, referência maliciosa a certas práticas religiosas nacionais. Quanto aos esquerdistas e ateus, como eles não lêem nada ou entendem tudo errado, minha homenagem seria um piparote.

É provável que essa obra não tenha uma boa acolhida, mas, em tempos democráticos tão magníficos como o nosso, ninguém poderia me acusar de não distribuir homenagens a todos, sérios e não sérios. E com isso, adeus.

2 comments:

Anonymous said...

Olá, Cassiano

Há tempos que não vinha aqui. Acabei de ler todos os posts de junho pra cá.

Sobre a questão das expressões estrangeiras, nada tenho a dizer. Mas esse post do Omayr é um bom exemplo de uma percepção [?] que já vi expressa incontáveis vezes em blogs, e que sempre me deixou estupefato - penso especificamente no trecho em que ele fala do sujeito que anda com um Copleston debaixo da axila e por isso se acha um gênio... Olha, eu já fui aluno do Olavo de Carvalho por mais de dois anos, e saí pra jantar e conversar com os colegas, faço parte de um movimento católico que tem uma ou outra pessoa mais intelectualizada, fiz um curso de tradução cujos textos para exercício eram de alto nível de qualidade e portanto uma turma de um nível bom, cursei duas faculdades por pouco tempo [ok, faculdade não conta], faço parte de um grupo que se reúne para assistir aulas do Olavo em DVD, ler Platão e Shakespeare, já conheci pessoalmente pessoas com as quais tive conversas mais ou menos intelectuais pela internet - e NUNCA cruzei com esse tipo que já vi ridicularizado muitas vezes: o que sai por aí exibindo orgulhosamente um livro, ou que se gaba de ter lido montes de coisas.

É verdade que, se visse um exemplar do tal tipo [o vejo mencionado como tipo, isso é o que me estarrece mais! Se fosse, pelo menos, "tenho um conhecido que se acha o maioral por ter lido Nietzsche"...], eu provavelmente não sentiria hum... nada de negativo pelo sujeito... Afinal, seria algo refreshing e bonitinho de se ver... Ter lido alguma coisa me parece um motivo de orgulho bem mais palatável do que ter uma coleção de zippos ou de cartões telefônicos...

A minha pergunta é: você já viu um?

Abraço,

Marcio

Cassiano Farias said...

Rapaz, sendo que eu mesmo aqui venho só de vez em quando, nada mais natural que você e outros visitem este blog ainda mais raramente. Portanto, muito obrigado pela tua visita caridosa.

É engraçado essa história de Copleston debaixo do sovaco, pois, além da imagem em si, há a questão do autor ter publicado uma história da filosofia, ou seja, é até certo ponto uma obra básica. Contudo, já que são poucos que sequer ouviram falar no autor, é bem compreensível que um ou outro que o tenha lido se considere superior, ainda que, conforme você bem notou, seja difícil encontrar tal criatura. Se poucos o conhecem, menos que poucos devem se gabar de tê-lo lido.

Não me lembro de ter conhecido pessoalmente alguém dessa espécie, mas já vi discussões de Internet em que a pessoa fazia questão de ressaltar que tinha lido aquele livro de Schopenhauer que Olavo anotou, como se isso bastasse para lhe tornar um exímio argumentador. Da mesma forma, já vi quem se jactasse de ter lido os "Tópicos". Pude ver igualmente discussões sobre perenialismo terminarem em briga de torcida esotérica, pois vários perenialistas gostavam de dizer que eram mais sábios porque leram Schuon, Guénon ou "A Treasury of Traditional Wisdom".

Nesses últimos tempos, foi criado um blog chamado Contra Impugnantes, cujos autores são tomistas declaradíssimos. Comecei lendo com bastante interesse, até porque sempre admirei os esforços de tradução de Carlos Nougué, porém fui notando que toda a crítica ao liberalismo jamais vinha com citações dos criticados. Eu mesmo não sou liberal, porém acredito que qualquer proposta de análise destrutiva das teses do adversário começa justamente com uma compreensão do que ele está dizendo, e não com o que gostaríamos que ele tivesse dito. Pois bem, dada a profusão de citações do Aquinate por aquelas bandas, e a pobreza franciscana de citações dos adversários -- necessárias, repito, para que seja feita uma análise demolidora --, concluí que se tratava de mais um caso de quem conheceu um grande autor, meteu-o debaixo do sovaco e resolveu pregá-lo às multidões.

Conforme eu disse no post, eu só acho esse tipo engraçado, porque, no fundo, é a mesma vaidade dos que falam que conhecem as bandas de rocks mais obscuras, ou, conforme você disse, colecionam cartões telefônicos. Meu único problema com essa postura, e talvez seja o ponto do texto de Omayr, é quando isso se torna um blefe intelectual.

Abraços, rapaz.