Quarta-feira passada passou um filme espanhol no Cinemax chamado Smoking Room. A história girava em torno de uma empresa recém-comprada por americanos e que havia proibido que se fumasse em suas dependências. Um dos funcionários, fumante, resolve fazer um abaixo-assinado contra aquela norma, mas acaba esbarrando na má vontade enorme de seus colegas de empresa. Eis o fio da meada.
"Fio da meada". Na verdade, a história é um pouco mais complicada, e aqui já começam os problemas do filme, que aliás ganhou prêmios na Espanha. Os diretores queriam ir mais além. Por exemplo, em certa parte tratam do problema do racismo, porque um dos funcionários confessa a um colega que não gostou de terem posto um preto num alto cargo. Em outra passagem, alguém reclama da imposição de hábitos americanos na empresa. Adiante, um funcionário desabafa dizendo que trabalha como um louco, está por isso com o casamento ameaçado e que pensa em se matar. Outro cara desenvolve uma tese qualquer sobre o sentido da existência, pelo menos no sentido de como certas ações aparentemente insignificantes podem modificar nossas vidas. E, acredite, há um montão de outras coisas tratadas. O problema é que o filme tem 88 minutos. Ele é, portanto, uma série de digressões que mal tem relação com o tal fio da meada. Na verdade, embora o filme se chame Smoking Room, o fio de meada serve de pretexto para fazer com que a história se desenvolva. Se você portanto for vê-lo pensando que haverá discussões em torno do problema da proibição de fumar nas empresas, esqueça: parece que não foi essa a intenção dos diretores.
O filme demonstra bem duas coisas: que há sempre algum interesse alheio por trás das ações das pessoas e que para coisas sem tanta importância as gentes se organizam prontamente. É que, ao longo do filme, enquanto o infeliz caça assinaturas, outros estão organizando uma pelada de fim de semana. O abaixo-assinado não acontece, mas a pelada sim, e aliás muito bem, obrigado. Quanto ao interesse, parece que sempre tem alguém de rabo-preso. Até mesmo o infeliz do herói já teve problemas anteriores com a empresa. Mas o problema do rabo-preso ficou especialmente engraçado naquele filme, porque se por um acaso o que levou o sujeito a bolar o abaixo-assinado na verdade foi algo diverso do alegado, tampouco a história do próprio filme poderia escapar dessa observação, já que o problema da probição de fumar é trabalhado também de forma alheia à questão em si. Será que fizeram isso de propósito?
Quero prestar contas ao simpático leitor que teve a boa vontade de me acompanhar até agora e que quer saber simplesmente se gostei ou não do filme. Respondo dizendo que não. Aquelas digressões todas só serviram para deixar o filme chato, e até mesmo um tanto pretensioso. Dizer mais do que deveria é um pecado que todos nós, sujeitos que se expressam de algum jeito para um público qualquer, estão arriscados a cometer, e com o dobro dos prejuízos em relação a alguém que o faça privadamente. É aquela história: se há muitos que cantam debaixo do chuveiro, quantos mais cantariam do mesmo jeito num palco? Talvez se o filme se fixasse, tão humildemente quanto o preguinho na madeira, no tema proposto, ele não seria tão esquisito.
Por sinal, há alguma coisa mais estranha em "Smoking Room". Os personagens parecem todos meio lelés da cuca. É como se os doidos vestissem momentaneamente a roupa de funcionário de empresa para que pudessem sobreviver. Eles não saíam por aí gritando como condenados ou dizendo que nasceram de uma abóbora que miava, porém tinham um jeitão estranho. Tentaram fazer com que os modos e os diálogos parecessem normais, coisa corriqueira, mas eles eram tudo, menos normais e corriqueiros. Os diálogos, supostamente naturais, são sem pé nem cabeça. Várias vezes há conversa apenas entre duas pessoas. Uma então dispara um sem-número de idéias, meio desencontradas umas das outras, mas que no final servem para formar só uma impressão, enquanto a outra apenas a acompanha, às vezes dizendo um inócuo "Não pode ser!" ou alguma outra expressão aparentada. Também o cenário do filme, que se passa quase todo dentro de um edifício, a câmara que focaliza de um jeito estranho cada ator, tudo contribui para fazer com que haja um clima esquisitão. Será que os diretores têm uma idéia tão inusitada do que é trabalhar numa empresa e de como são os empregados?
É por essas razões que o filme é uma mistura esquisita de drama com humor. Não que seja um drama e humor involuntários. Só não ficou muito bem feito. Na verdade, não sei como algo assim pode ficar bem feito, mas de qualquer modo não foi o caso de Smoking Room.
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