Thursday, March 23, 2006

Militância e ressentimento

Não há nada mais irritante que um ateu militante. Melhor dizendo, na verdade até há: o gay militante. Porém, talvez acima de um e outro esteja o abortista militante, maior pretendente da coroa das coisas que mais são irritantes. Pessoalmente, consigo respeitar gays e ateus. Abortistas não; merecem tanto desprezo quanto os defensores de extermínio de etnias. Mas isso é outra conversa.

Não sei o que se passa na cadeia de valores de militantes dos tipos que mencionei, mas uma coisa é certa: eles passaram e continuam passando demais da conta do limite do tolerável. Ouso dizer mesmo que são umas ameaças públicas, gente maluca que enxerga a realidade de um modo torto e que por isso pretende nos arrastar para seu mundo doente. Esta expressão, "doente", é de fato uma descrição real.

Todos aqueles tipos de militantes são repugnantes porque eles próprios só têm razão de ser devido ao ódio que destilam contra seus inimigos. Sim, ódio, porque eles buscam a todo preço destruir seus opositores mediante toda a sorte de expedientes malucos, justificativas nonsenses, chantagens emocionais e o diabo a quatro. Não há possibilidade de argumentarmos racional e friamente com alguém desse tipo - no máximo, só por desencargo de consciência ou, se tivermos um quê de professor, com aquele otimismo inerente à educação que não morre jamais e que permite que depositemos confiança no mais inepto dos educandos. O problema, de qualquer jeito, é mais sério. Isso requer uma justificativa.

Militantes gays, ateus ou abortistas seguem bem aquela fórmula de Marx, segundo a qual devemos transformar tudo pois já passou o tempo de buscarmos uma interpretação das coisas. Essa atitude é uma impostura do ponto de vista do conhecimento. Na verdade, é o apelo à inimizade entre nós e o mundo. Quando buscamos compreender as coisas, nos sentimos como que arrebatados por elas e, por que não, até elas. Tudo parece fascinante a quem quer conhecer. Mesmo o mais asqueroso animal ou a mais abstrata idéia, o mais insignificante pó ou a mais complicada composição química, tudo é transfigurado durante o caminho do conhecimento de modo que o conhecedor age como se estivesse enamorado pela coisa que é investigada. Sempre se descobre algo especial, único, inusitado, e há até mesmo algo de misterioso e de inexplicável que nos fascina naquilo que contemplamos. A coisa está aí, embora eu não a conheça perfeitamente bem; percebo seus detalhes e me apaixono por ela tal como ela é, sem tirar nem por nada, ainda que esteja cercada de mistérios insondáveis - talvez por isso mesmo ela acabe se tornando especial. Aquele que é curioso (no sentido bom do termo), o amigo da verdade, é um entusiasta. Eis a palavra mais adequada, se atentarmos para seu significado mais primitivo: um arrebatado por algo divino. Tudo tem algo de divino porque foi tocado por Deus.

O conselho de Marx para que transformemos tudo sem que interpretemos mais nada é um aviltamento contra a ordem natural das coisas. Na raiz disso está a inimizade ante o mundo: contra a sua ordem, contra a sua excelência, contra a sua essência. Nada disso interessa. Na verdade, essas coisas acabam tendo uma relação problemática com os seguidores do conselho de Marx porque elas impõem uma resistência natural que frustra a vontade daqueles senhores. É impossível contorná-la completamente, mas buscam de alguma maneira adaptá-la aos seus caprichos, como se tivessem nascido para serem senhores do universo. Para tanto, qualquer meio que esteja à disposição é válido desde que, claro, contribua com a causa. Um empreendimento tão grandioso assim assume naturalmente uma gravidade imponente, e seus próceres acabam se sentindo como se fossem pessoas muito importantes, levando o progresso ao mundo, quando na verdade não passam de sujeitos muito abusados, para dizer o mínimo.

Quanto mais se afundam em seus sonhos delirantes, mais a realidade torna-se-lhes hostil, e é aqui que surge a prova final. Se ainda houver em suas almas algum resquício de amor ao mundo, pode ser que ocorra uma gradual reviravolta em suas vidas. No entanto, se eles estiverem completamente viciados, eles sentirão ódio do mundo, aliado a uma impotência essencial que lhes impede de fazer tudo o que querem. Então surge o mais vil veneno da alma, corruptor supremo dos homens a ponto de lhes fazer enxergar só o mal onde houver o mais puro bem: o ressentimento. É nele que surge o motor de toda uma série de abominações contra a ordem do mundo, porque o ressentimento carrega uma raiva mal contida que se transforma em sentimendo de vingança com requintes de perversidade. Nada mais distante do amor.

É o ressentimento que move o militante gay, ateu, etc. Como ele é fundamentalmente impotente, sua ação será uma mistura de temeridade com pusilanimidade, porque se de um lado sempre deixará transparecer seu caráter frágil (por exemplo, o militante tal diz que pertence a um grupo de perseguidos pela sociedade), por outro ele utilizará todos os meios que estiverem à sua disposição, sob a desculpa de que quer apenas proteger a si mesmo e a seu grupo, para ferir de morte, de modo ousado, seu rival, nem que para isso carrega para o fundo do poço toda a nação e quiçá o mundo.

Pretendo no futuro comentar melhor sobre o problema grave do ressentimento como motor de todas essas loucuras.

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