Saturday, November 18, 2006

Pau que dá em doido...

Questão: se o sujeito não consegue nem mesmo controlar o tamanho do próprio nariz, a cor da pele ou a espinha do rosto, como é que ele vai querer se meter a besta para "reformar integralmente o ser humano"? Novo homem? Se Marx, Hitler e assemelhados tivessem pensado seriamente no peculiar problema de transformar um homem por exemplo em uma galinha, talvez teriam um pouco mais de cuidado com o que escreveram ou fizeram. De qualquer modo, a quem deseja transformar seriamente a natureza humana, se é que esse trem existe mesmo, sugiro em nome da caridade o Instituto Philippe Pinel como moradia sem prazo de retorno.

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Nota sobre Heráclito: é aquele que, levando-se em conta aquela história de nunca cruzarmos duas vezes o mesmo rio, devia ser chifrado eternamente, já que sua mulher toda a noite se deitava com um homem diferente. É provável que ele também acreditasse literalmente em troca-troca, porque se tudo muda, se de dia ele era Heráclito, de noite era Heráclita.

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Só começarei a levar em consideração a reencarnação, o racismo e a ideologia no dia em que seus apóstolos humildemente disserem que são de uma raça, espírito ou ideologia inferiores. Alguém já ouviu falar em um entusiástico defensor de uma dessas coisas afirmando o contrário? Bem diz aquele que afirma que a raiz do pecado é o amor-próprio.

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A solução para a violência atualmente em voga pode ser resumida nos seguintes pontos: esporte, riqueza e livros. Dito de outro modo, se uma pessoa jogar vôlei, ter dinheiro ou ler um livro, ela será incapaz de cometer crimes. Assim, não é apropriado que a polícia combata ferozmente traficantes pesadamente armados e entricheirados, mas sim o florescimento de quadras de esportes, escolas e bolsas-família, cheques-cidadão etc. Se há relação direta mesmo entre fim da violência e os pontos supracitados, nada mais lógico que em meio a um tiroteio enviarmos o Ronaldinho Gaúcho a fim de coibi-lo, citarmos Malarmé assim que um trombadinha nos ameaçar ou deixarmos moedas de ouro em cada barraco como se fôssemos Papai Noel para que ninguém trafique drogas. E seria lindo imaginar guerras prevenidas ou terminadas pela declamação de um canto homérico ou por uma bicicleta do Pelé.

Já ouvi dizer também que combater o tráfico não é alternativa viável porque sempre haverá o danado do tráfico. Quem pensa assim deve achar que um dia ninguém mais roubará ninguém, nem ninguém será mais estuprado ou espancado. Porque se jamais cessar, então seria igualmente ridículo combater os estupros, os espancamentos e os roubos. Quem diz uma coisa dessas é 2/3 idiota, na melhor das hipóteses.

Wednesday, November 01, 2006

Uma opinião de Goethe sobre a literatura

Vou abrir o mês com Goethe. A passagem a seguir é do livro de Eckermann chamado Conversações com Goethe. A tradução é de Luís Silveira pela editora portuguesa (bela terrinha!) Vega. Aliás, por que geralmente as pessoas só dão bola para literatura inglesa ou americana e deixam de lado a espanhola e alemã? Mas vejamos a interessante passagem:

Quarta-feira,
15 de Outubro de 1825.

Fui encontrar esta tarde com Goethe muito bem disposto e tive a satisfação de ouvir mais uma vez da sua boca opiniões importantes. Falamos do estado da nova literatura da qual Goethe disse as palavras que se seguem:

"Falta de caráter de cada uma das personagens que investigam e escrevem", disse ele, "é a origem de todos os males de nossa literatura hodierna."

"Especialmente na crítica esta falta de caráter é prejudicial, pois espalha falsidades com o nome de verdades ou nos dá uma pobre verdade às custas de coisas grandiosas, que nos fora bem mais grato conhecer completamente.

"Até hoje o mundo acreditava no sentido épico duma Lucrécia, de um Mucius Scaevola e agitava-se e entusiasmava-se por eles. Mas eis que vem agora a crítica histórica e diz que tais personagens nunca viveram, e que não passam de ficções e fábulas criadas pelo alto espírito dos romanos. De que nos serve, porém, uma verdade tão pobre?! Se os romanos foram suficientemente grandes para efabular tais coisas, devemos também ser pelo menos tão grandes que nelas acreditemos.

"Até hoje tinha sido para mim sempre um prazer acreditar num episódio do século XIII, aquele em que o Imperador Frederico II, tendo tido de tratar assuntos com o Papa, deixara a Alemanha do Norte aberta a incursões inimigas; hordas asiáticas penetraram nela e chegaram até a Silésia; mas o Duque de Leignitz derrotara-as completamente. Os asiáticos dirigiram-se depois para a Morávia, mas foram aí batidos pelo Conde de Sternberg. Estes heróis viviam na minha imaginação como os grandes salvadores da Nação Alemã. Mas agora vem a crítica histórica e diz-nos que estes heróis se sacrificaram inutilmente porque o exército asiático retiraria em breve e se afastaria por si próprio. Assim se reduz ao nada um grande episódio patriótico e ficamos desolados por completo."

Depois destas opiniões sobre críticos da História, Goethe falou acerca de investigadores e escritores doutra espécie.

"Nunca teria conhecido a miséria dos homens e sabido como poucos se preocupam com os grandes objetivos", disse ele, "se não tivesse feito a prova com os meus estudos de ciências naturais. Reparei que para a maior parte deles a ciência só importa como modo de vida e que adoram até o erro desde que à custa dele possam viver.

"Com as Belas Letras o caso não é diferente. Também nelas os grandes ideais e o sentido puro do que é verdadeiro e bom e o desejo de expansão destas coisas raras vezes surge. Elogia-se e suporta-se um segundo, porque se quer ser também suportado e elogiado por ele, e a verdadeira grandeza não importa a estes literatos que até gostariam de a extinguir do mundo, justamente para que eles pudessem conseguir a importância que não têm. A massa geral é assim, e os que dela sobressaem não são muito melhores.

"A. W. von Schlegel poderia ter sido muito importante dado o seu gênio e erudição enciclopédica. Mas a sua falta de caráter não permitiu que a nação recebesse a extraordinária influência dele nem que lhe desse a atenção devida.

"Precisamos de um homem como Lessing; donde vem a grandeza deste senão do seu caráter e de sua constância! -- Homens tão inteligentes e tão cultos como ele há em quantidade; mas onde há um caráter desta natureza?

"Há muitos homens inteligentes e bastante sabedores, mas simultaneamente tão cheios de orgulho que gostam de se fazer admirar pelas massas de curta visão como pessoas espirituosas, e não se envergonham nem se temem de nada, nem consideram coisa alguma sagrada.

"Por isso tem muita razão Madame Genlis quando protesta contra as liberdades e gracejos de Voltaire, pois, em boa verdade, por muito cheios de espírito que sejam nenhuma melhoria trouxeram ao mundo e nada sobre tal fundamento se pode construir. Antes, pelo contrário, pode ser bem prejudicial, porque desnorteia os homens e lhes tira o apoio indispensável.

"E para mais -- que conhecimento alcançamos, e que objetivos conseguimos com todos os nossos motejos?!

"O homem não nasceu para resolver os problemas do mundo, mas sim para investigar a que importa o problema e parar logo nos limites do que é compreensível.

"Medir os problemas do Universo não é coisa permitida às suas faculdades e querer trazer ao mundo razão é para as suas possibilidades trabalho em vão. A razão dos homens e a razão de Deus são duas coisas muito diferentes.

"Quando defendemos a liberdade do homem fazemo-lo sob a égide da omnisciência divina, pois visto que Deus sabe o que eu farei, terei de proceder como ele sabe.

"Digo isto só como sinal do pouco que sabemos e de que se não deve tocar nos segredos divinos.

"Devemos também só exprimir pensamentos superiores que tragam bem ao mundo. Os outros devemos conservá-los para nós, e devem iluminar aquilo que fazemos com um modesto raio de Sol, quando se vai esconder no poente."