Joana era uma dessas pessoas que, segundo alguns, é conscientizada. Lê demais, e tudo que chega em suas mãos ela devora em dois, três dias de leitura.
É uma moça jovem, de futuro promissor na nação. Além do mais, talvez por sua postura conscientizada, ela é, segundo outros, acima de tudo lésbica. Sim, lésbica über alles. E por sua tendência em criar discussões, ela sempre foi, quanto a isto, uma pessoa exemplar – exemplar em buscar todo e qualquer tipo de argumento para defender sua causa.
Joana era, por isso mesmo, uma pessoa bastante peculiar. Não lhe interessava se nas suas discussões ela se batia contra dois mil anos de tradição cristã, ou mais de três mil de judaica, ou toda a filosofia grega, em suma, tudo o que constitui a razão de ser do Ocidente. Não, ela nem pensava em nada disso, preferia antes arremessar todo este legado na lata do lixo que ao menos cogitar acerca de suas paixões irracionais corpóreas. Pois tudo se resume a apenas essa dicotomia, segundo a mente de Joana: todos os escritos dos Santos Padres, acrescentados aos de muitos papas, filósofos e ensaístas, que no total dariam uma quantidade de páginas tão volumosa que apenas em muitas vidas alguém obteria seu pleno conhecimento, contra seu discurso pela liberdade e sua vontade e seu empenho em se fazer aceita – e quem ela julgava participar de sua mesma condição, ainda que às custas deste mesmo legado.
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Renato era praticante da poligamia. Considerava-se também, sob muitos aspectos, bastante inteligente: afinal de contas, lia sem parar, vinha de família abastada – conquanto ele não fosse, é verdade, uma pessoa esnobe – e já se acostumara a esmagar aquilo que ele próprio chamava de “mediocridade reinante”, isto é, refutar de trás para frente e de frente para trás todo e qualquer tipo de argumento que fosse contrário ao seu peculiar estilo de vida.
Era uma pessoa agradável, simpática e gostava muito de escrever, já tendo publicado, com menos de trinta anos, dois romances, ambos sobre os problemas que a monogamia proporciona à nossa felicidade (melhor seria dizer “à dele”). Foi bem recebido pela crítica, e de fato era muito bem escrito e argumentado. Mas ele caía no mesmo problema que Joana: por trás de todo seu talento ele buscava no fundo se justificar e a todos aqueles que praticavam o que ele próprio praticava às custas de todo um mar de gênios que, desde Moisés até nossos dias, defendem a monogamia. Na verdade, o ataque deste nosso jovem talento, que começava apenas neste pequeno aspecto, isto é, na questão do amor livre, aos poucos se alastrava para um ataque à Bíblia, à filosofia, à sociedade e tudo o que ele considerava como oposto à liberdade (melhor seria dizer “à sua liberdade”). De repente, ele se tornara não apenas um apologista de uma pretensa liberdade, mas um verdadeiro carrasco do tal “legado judaico-cristão”. “Tradição, dizia Renato, nada mais é que máscara e hipocrisia”.
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Por último, Tereza. Ela é mais uma jovem talentosa – possui apenas 21 anos. Tão jovem, ela é bastante confiante em si mesma, a ponto de dizer que nunca fez algo que se arrependesse. Curiosa opinião! Além do mais, ela é dada a discussões, como Joana. Mas – outra coisa curiosa – ela buscava sempre julgar pessoas e acontecimentos segundo os motivos mais licenciosos possíveis. Por exemplo, se alguém fizesse algo bom, na verdade havia algo de podre por trás. Daí que ela não podia conceber Cristo, que morreu na cruz para apenas nos salvar. Muito menos, ela mesma dizia, era possível levar a sério a hipótese de alguém ir à guerra por razões de honra, como é o caso atual dos EUA.
Tereza não podia conceber que no mundo há gente realmente idônea, ela sempre via algo por trás. Era com verdadeiro prazer, quase sádico, que ela gostava de desmascarar o que chamava de “pseudo-heróis e fatos deturpados”. Ela, Tereza, com seus 21 anos, parecia ter sido escolhida por Deus para fazer revelações ao mundo: parecia até mesmo que o mundo esperou quase cinco mil anos para que ela surgisse e o livrasse da imbecilidade e do erro. Provavelmente ela estranharia essa opinião minha, afinal de contas, segundo ela mesma, nenhuma criatura razoavelmente inteligente pode mais acreditar em Deus.
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